A saúde da mulher é um tema comumente relegado, especialmente em contextos de privação de liberdade. Segundo a Cartilha Pré-Natal, Parto e Puerpério para Mulheres Privadas de Liberdade e Parceiros (as), em 2023, cerca de 2.500 mulheres encontravam-se em regime prisional no Rio Grande do Sul. Em ambientes penitenciários, o público feminino enfrenta uma realidade complexa e desafiadora, marcada por camadas de vulnerabilidade.
Um dos aspectos críticos que afetam a saúde das mulheres encarceradas é a pobreza menstrual, questão reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um problema global de saúde pública e dignidade humana. Esse cenário se agrava pela limitação do acesso a saneamento básico, serviços de saúde e informação adequada sobre higiene menstrual. Pessoas que menstruam e se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica são as mais afetadas pelo problema.
O projeto “TPM: Tranquilidade para Menstruar”, vinculado ao Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFSM, tem como objetivo combater a pobreza menstrual. O programa realiza visitas ao Presídio Regional de Santa Maria, uma das principais penitenciárias femininas da região, para distribuir materiais de higiene e sensibilizar as detentas sobre o cuidado com a saúde íntima.
De acordo com a coordenadora do projeto e professora vinculada ao CCS, Melissa Medeiros Braz, muitas dessas mulheres não conhecem seu ciclo menstrual. “Ensinamos o uso correto dos absorventes internos e a lidar com cólicas. Orientamos sobre cuidados de higiene íntima, já que muitas não sabem que sabonetes agressivos podem causar problemas”, relata.
A psicóloga da Polícia Penal, Renata Cauduro, conta que a maioria das presas escolhe a injeção anticoncepcional trimestral, um método oferecido pelo SUS que inibe a menstruação. Pessoas que optam por continuar menstruando ganham mensalmente absorventes do governo estadual e doações de projetos como o TPM. No entanto, Renata destaca que, embora os absorventes sejam fornecidos regularmente, a disponibilidade de sabonete e papel higiênico é escassa, o que leva a campanhas de doação para garantir a higiene das presas.
No Presídio Regional, as detentas podem consultar toda semana com um médico clínico geral que realiza encaminhamento para o ginecologista quando há uma demanda específica. Periodicamente, são realizados mutirões do exame preventivo, conhecido como “Papa Nicolau”, responsável pela detecção dos primeiros sinais de aparecimento de câncer de colo do útero e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) que atingem o sistema genital feminino. A psicóloga ressalta que a enfermaria possui todos os equipamentos para os exames preventivos, com uma cama adequada e todos os materiais necessários.
Conscientização sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), de junho de 2021, foram identificadas 27.033 pessoas com agravos transmissíveis nas unidades carcerárias do país. Dentre elas, cerca de 7,5 mil são acometidas por HIV.
Melissa aponta que, na situação de cárcere, é comum que as presas tenham relações sexuais entre si e a desinformação torna-se um fator complicador para a prevalência de ISTs. “Muitas mulheres acreditam que não há transmissão de infecções sexualmente transmissíveis entre elas. Durante nossas visitas, abordamos como as mulheres podem se cuidar para evitar a transmissão de doenças entre si, além de falarmos sobre práticas sexuais seguras”, explica.
A Universidade como um espaço multiplicador para a sociedade
A atuação da UFSM vai além da formação acadêmica e serve como um espaço de conscientização e transformação social acerca de questões que não são vistas, nos âmbitos culturais, socioeconômicos, de gênero e de raça. Melissa ressalta que muitas das mulheres atendidas pelo projeto são invisibilizadas e não recebem a atenção devida. “É fundamental orientá-las para que possam se instrumentalizar e cuidar melhor da sua saúde. Essa é uma questão de extrema relevância para essa população”, afirma.
A sensibilização da sociedade sobre as condições das mulheres no sistema prisional, principalmente em relação à saúde menstrual, deve ser debatida para chamar a atenção à saúde em pessoas em situação de vulnerabilidade. “A partir do momento em que essas mulheres estão encarceradas, elas estão pagando pelos seus crimes, mas isso não significa que não mereçam ser tratadas com dignidade”, defende a coordenadora.
Melissa também enfatiza a importância de considerar questões como a maternidade, mencionando a necessidade de atenção às presidiárias gestantes ou que estão amamentando. “Essas mulheres precisam ser vistas e aprender a cuidar de seus corpos e de seus filhos”, destaca.
A vaidade no cárcere
A vaidade é um aspecto significativo na vida das mulheres encarceradas que influencia em sua autoestima e bem-estar. Renata observa que a falta de produtos de higiene pessoal e beleza, como shampoos, condicionadores e cremes específicos, afeta a autopercepção. “Muitas delas relatam a insatisfação com a aparência, expressando preocupações sobre seus cabelos, peles e cuidados pessoais”, conta.
O ambiente prisional, por limitar o acesso a itens básicos de cuidados, pode levar a um sentimento de descuido e impactar a saúde mental e a autoconfiança das detentas. Para suprir essa necessidade, o presídio promove o “Dia da Beleza”, uma iniciativa que permite que as detentas realizem cuidados pessoais.
Conforme a psicóloga, nessas ocasiões, serviços de manicure e corte de cabelo são ministrados pelas detentas com experiência e material próprio. “Elas podem fazer as unhas, o cabelo. Tem chapinha e secador que são de algumas das presidiárias. Até cílios e sobrancelhas elas fazem. Ficam felizes da vida. Muito, muito felizes”, conclui.
Isadora Bortolotto
Repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM. Contato: isadora.bortolotto@acad.ufsm.br
Ilustração: Instituto Avon
Edição e publicação: Kemyllin Dutra, repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM.
Contato: kemyllin.dutra@acad.ufsm.br