A religião desempenha um papel significativo na vida de muitas pessoas, com aproximadamente 8 em cada 10 indivíduos declarando ter alguma filiação religiosa. No Brasil, conhecido por sua vasta diversidade étnica e cultural, essa pluralidade estende-se também ao campo religioso, abrigando uma ampla gama de crenças. No entanto, apesar da presença de muitas religiões distintas, algumas crenças passam por questões de preconceito e perseguição.
O cristianismo, a religião que detém mais fiéis no país, tem um número bem expressivo em relação às demais, sendo seguida por mais de 80% da população, os dados são da pesquisa do Datafolha, de 2021, a pesquisa foi realizada com 2.948 entrevistados em 176 municípios de todo o país. A dados também detalham que 50% dos entrevistados apontaram ser católicos e 31% disseram ser evangélicos, ou seja, mais de 80% dos entrevistados relatam serem cristãos. A pesquisa ainda apontou que 10% das pessoas relataram não ter religião, 3% relatam serem espíritas e 2% alegam serem de religiões de matriz africana.
Esses números são apenas reflexos do que encontramos no mundo, onde o cristianismo também é a crença com mais adeptos, segundo o relatório Global Religious Landscape (Panorama Global da Religião) de 2012, o qual revelou que 31,5% da população mundial considera-se cristã. Em seguida temos a religião muçulmana que segundo os dados do relatório consta com 23,2% da população mundial. Além disso, 16,3% declaram não ter nenhuma religião.
A presença de diversas religiões em um país, como, por exemplo, o Brasil, é um princípio básico do estado laico, mesmo que isso não ocorra da melhor maneira possível. O termo “estado laico” significa que um estado, país ou nação não admite a influência religiosa no seu modo de governar, ou de conduzir as instituições públicas. Além disso, o estado laico é o que permite, protege e respeita as distintas crenças e religiões em seu território.
Em contraste com o significado de estado laico, infelizmente, presenciamos a intolerância religiosa que afeta muitas religiões no país e no mundo. No entanto, no Brasil, especificamente, esse preconceito sobressai-se quando se trata de religiões de matriz africana, que são perseguidas, ameaçadas e amedrontadas por algumas pessoas de religiões distintas.
Essa intolerância em relação às religiões de matriz africana é carregada de racismo, um preconceito que se instaurou no Brasil desde a chegada dos europeus ao país. Essa problemática não tem melhorado no decorrer das décadas, muito pelo contrário, ela se intensificou durante os mais de 300 anos do período escravocrata e não mudou apesar do fim da escravidão no país e nem com as Leis da Constituição Federal de 1988.
A infeliz presença da intolerância religiosa no Brasil tem um processo longo e duradouro, foi marcada e ocorreu de diferentes formas, pela perseguição, difamação e catequização sofrida por povos indígenas, povos quilombolas e pelo povo negro brasileiro.
Ressalta-se, essa afirmação do racismo sofrido pelo povo negro no Brasil, devido a todas as crenças ou cultura deste povo, que no país, de forma errônea, é considerada como algo de menor valor do que as demais culturas, e a religião não é uma exceção, pois assim como a capoeira, o samba ou a própria dança, em algum momento da história já foi perseguido, considerada como feitiçaria ou ainda como vagabundagem por algumas pessoas da sociedade brasileira que desconhecem ou são intolerantes com a cultura afro-brasileira.
Em contrapartida aos ataques e difamações que a cultura negra sofreu e sofre no país, destaca-se a resistência, palavra que representa a cultura negra que sobrevive no país, uma herança dos antepassados que resistiram às atrocidades sofridas e que hoje marca a identidade dessa nação.
Racismo religioso
O termo racismo religioso, apresenta-se como uma forma de distinguir o preconceito que algumas outras religiões sofrem, pois o preconceito com religiões de matriz africana ocorre por serem religiões praticadas por pessoas negras e africanas, que foram escravizadas no Brasil, e não apenas por serem religiões diferentes das predominantes no país, mas sim por conta da cor da pele das pessoas que a praticam, ou seja, a intolerância religiosa é uma marca do racismo, e por conta disso é denominado como racismo religioso.
Essa denominação distinta decorre do histórico de racismo que está enraizado no país, e esse preconceito ocorre por conta da tradição dos povos tradicionais e originários. Os elementos históricos que constituem esses povos sofreram e sofrem com a repressão, escravidão e tiveram suas culturas usurpadas e demonizadas por povos europeus, colonizadores do país, sendo a religião um dos principais alvos desse racismo.
Segundo os dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, as denúncias de intolerância religiosa no Brasil aumentaram 45% nos últimos dois anos. Relembramos que as denúncias podem ser feitas no disque 100. Além disso, o combate à intolerância religiosa no país passou a ser comemorado no dia 21 de janeiro e passou a ser reconhecido como o dia de combate à intolerância religiosa no Brasil. Essa data foi escolhida, pois foi o dia do falecimento da baiana, Iyalorixá, conhecida como Mãe Gilda, que teve sua casa religiosa invadida diversas vezes por pessoas de religião diferente o que agravou a sua saúde, e no dia 21 de janeiro, Mãe Gilda reencontrou os ancestrais. O reconhecimento da data foi instituído por meio da Lei 11.635, de 2007 .
A Lei 10.639 e a saída para combater o racismo religioso
O combate à intolerância religiosa, principalmente em relação às religiões de matriz africana, pôde ser fortalecido através da implementação da Lei 10.639 de 2003, que completou 20 anos em 2023. A lei estabelece como uma das diretrizes de base da educação nacional o ensino da história e da cultura Afro-Brasileira nas escolas públicas como uma obrigatoriedade, como destacou a pesquisadora e umbandista Marina Pereira Furtado.
O ensino da cultura afro-brasileira se faz necessário dentro das escolas para justamente tornar os jovens conhecedores da cultura, a fim de não reproduzirem o racismo institucional e estrutural que ainda ocorre na sociedade brasileira, mesmo que algumas vezes ele ocorra de forma inconsciente. Além disso, por consequência, o ensino também é um meio para reduzir o racismo religioso.
Evidencia-se a riqueza das religiões de matriz africana existentes no Brasil, que por conta da escravidão diferentes povos vindos da África trocaram elementos que se assemelhavam e que acabaram a se fundir e criar as religiões afro-brasileiras que temos hoje, essas religiões de matriz africana, como denominamos, tem características que se assemelham, mas cada uma tem a sua especificidade. Destaca-se como algumas das religiões de matriz africana mais conhecidas no país, o Candomblé, a Umbanda e Quimbanda, além dessas, existem outras que são parecidas e que muitas vezes o nome de cada religião muda conforme a região em que está.
Além disso, o artigo 1° da Lei n° 12.735, de 2012, relata que serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Ressalta-se que o crime de racismo no último ano passou a ser inafiançável, e o período de reclusão é de 2 a 5 anos, com multa. A efetivação da Lei, é uma forma concreta de combater o racismo em um período de curto espaço de tempo. Para além do amparo legislativo, destaca-se novamente a importância de tornar os jovens cientes do quão prejudicial é a prática do racismo e conhecedores da riqueza da cultura afro-brasileira, sua historicidade e dinâmica cultural do próprio país, pois foi a partir dessa interação cultural que se elevou a cultura identitária e seus patrimônios imateriais pelos quais o Brasil é conhecido mundialmente.
Willian da Silva
Repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM. Contato: willian-silva.ws@acad.ufsm.br
Foto: Artista Helen Salomão (Insta: @helesalomao)
Revisão: Pedro Pagnossin, repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM. Contato: pedro.moro@acad.ufsm.br
Publicação: Elisa Bedin, repórter do Gritos do Silêncio e estudante de jornalismo pela UFSM. Contato: elisa.bedin@acad.ufsm.br