A comunicação é um direito humano fundamental, ratificado no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, para os 18,6 milhões de brasileiros com deficiência, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse direito encontra empecilhos significativos. Os desafios mais críticos são a falta de acessibilidade digital e as dificuldades de comunicação e compreensão verbal. Essas questões não só limitam o acesso à informação, à educação e ao trabalho, como também perpetuam a exclusão social de pessoas com deficiência.
Conseguir usufruir da internet e de serviços digitais é essencial em uma sociedade cada vez mais conectada. Contudo, muitas pessoas com deficiência enfrentam obstáculos diários na navegação online. Conforme pesquisa realizada pelo BigData Corp, em parceria com o Movimento Web para Todos, apenas 0,46% dos sites foram considerados acessíveis para pessoas com deficiência no ano de 2022, evidenciando uma lacuna significativa na inclusão digital. A acessibilidade digital vai além de uma questão técnica: ela é um pré-requisito para a inclusão social.
Recursos como descrições alternativas em imagens e legendas em vídeos são, respectivamente, indispensáveis para que pessoas cegas e surdas consumam conteúdos visuais. Entraves adicionais para pessoas com baixa visão estão presentes em sites sem contraste adequado e com layouts confusos e fontes pequenas. Documentos em PDF não formatados com tags que permitem a leitura por softwares específicos são impeditivos para o uso de leitores de tela, o que dificulta ainda mais o acesso de pessoas com deficiência visual a informações vitais.
Educação inclusiva
A docente do Departamento de Educação Especial da UFSM, Andreia Inês Dillenburg, entende a inclusão e a acessibilidade como temas historicamente interligados que mostram sua influência mundial crescente. Para ela, a oferta de tecnologias e a construção de uma cultura sólida de acessibilidade ainda não são ideais para atender a grupos diversos e tornar a acessibilidade um valor concreto que garante a participação social plena de todos.
A professora cita que recursos de acessibilidade não são de uso exclusivo de pessoas com deficiência. “Ao criar materiais, é crucial lembrar que há usuários com deficiência visual e demais demandas de acessibilidade ou comodidade. Um exemplo são as legendas, que, embora destinadas principalmente a pessoas com deficiência auditiva, são úteis em situações cotidianas, como quando não podemos utilizar o som do smartphone em um ambiente silencioso e estamos sem fones de ouvido”, defende.
Apesar disso, a educadora aponta que os dispositivos de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) têm evoluído substancialmente, tornando-se cada vez mais intuitivos e acessíveis. Esses dispositivos, que utilizam símbolos, texto ou voz para permitir que pessoas com deficiências na fala se comuniquem de maneira eficaz, têm o potencial de revolucionar a comunicação para pessoas com deficiência, promovendo maior autonomia e inclusão social.
As formas de comunicação habituais utilizadas no cotidiano também podem se tornar uma barreira invisível, mas poderosa. O uso de termos inadequados e ofensivos, como “surdo-mudo” ou “retardado”, reforça estereótipos negativos e desumaniza as pessoas com deficiência. Substituir essas expressões por termos mais respeitosos e precisos, como “pessoa surda” ou “pessoa com deficiência intelectual”, é um passo básico para a promoção da inclusão.
Outro ponto é a ausência de intérpretes de Libras em muitos ambientes públicos, o que impede a compreensão de informações essenciais por parte de pessoas surdas e resulta em exclusão comunicacional. Além disso, a linguagem por vezes técnica e complexa de documentos oficiais e educacionais pode ser de difícil compreensão para algumas pessoas.
No contexto educacional, a docente ressalta que a formação de professores deve ser mais do que a simples apresentação de conceitos de educação especial. Para ela, é necessário um esforço contínuo para integrar esses conceitos na prática pedagógica das diferentes áreas, o fornecimento de suporte especializado e a promoção de uma compreensão mais profunda das necessidades e potencialidades de cada indivíduo. “A educação especial é essencial, pois com ela podemos realizar muitas formas de adaptação, como por exemplo ensinar a cor para quem não consegue ver e os conceitos musicais para quem não consegue ouvir”, conclui Dillenburg.
Legislação e Luta
A legislação brasileira conta com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), sancionada em 2015, que estabelece diretrizes abrangentes para garantir os direitos das pessoas com deficiência. A LBI, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, abarca desde a educação inclusiva, com a proibição de recusa de matrícula e a exigência de adaptações necessárias, até normas de acessibilidade física e digital e proteção no ambiente de trabalho.
A LBI representa um avanço significativo, mas a integração de legislações internacionais e o aprimoramento contínuo das práticas de acessibilidade são fundamentais. Dillenburg observa que, embora seja um marco, a implementação da lei precisa ser monitorada para uma inclusão mais efetiva. “Iniciativas como a distribuição de tecnologias assistivas e a oferta de recursos têm contribuído para melhorar o acesso à comunicação. No entanto, a realidade prática muitas vezes não acompanha a legislação”, afirma.
Ela explica que a aplicação da legislação e a alocação de recursos financeiros para a acessibilidade não podem ser negligenciadas. “As barreiras atitudinais, atitudes ou comportamentos que impedem ou prejudicam a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, estão profundamente enraizadas no preconceito e constituem a base de outras formas de exclusão”, declara Dillenburg.
A professora menciona, ainda, que a escassez de infraestrutura, investimento e profissionais capacitados para a instituição de tecnologias assistivas em larga escala resultam em desigualdades no acesso à comunicação, especialmente em regiões menos favorecidas. Sem acessibilidade, a promessa de uma sociedade igualitária permanece inalcançável e restringe-se aos textos oficiais.
Renan Silveira
Repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM. Contato: renan.silveira@acad.ufsm.br
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Edição e publicação: Kemyllin Dutra, repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM.
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