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[GRITOS DO SILÊNCIO] Terapias de conversão: um símbolo de retrocesso e preconceito

“Uma violência escancarada”, afirma psicóloga sobre a prática que voltou a ser discutida na Câmara dos Deputados



A fotografia mostra duas bandeiras da comunidade LGBTQIAP+ sendo balançadas. Ao fundo, aparece o céu azul. A bandeira possui as seguintes cores, de baixo para cima: Lilás, Azul, Verde, Amarelo, Laranja e vermelho. Todas são representadas como barras na horizontal, uma em sequência da outra.

No dia 12 de outubro de 2023, a influenciadora de direita e apoiadora do ex-presidente Jair Bolsonaro, Karol Eller, cometeu suicídio aos 36 anos, em São Paulo. O fato ocorreu após uma declaração sua nas redes sociais, feita em setembro do mesmo ano, gerar grande repercussão. No texto, a influenciadora alegava renegar sua homossexualidade. “Sim, eu renunciei à prática homossexual, eu renunciei vícios e renunciei os desejos da minha carne para viver em Cristo”, escreveu Eller.

Momentos antes do fatídico episódio, a influenciadora postou em suas redes sociais uma mensagem que indicava um possível suicídio: “Me perdoem por causar toda essa dor aos que me amam. Se cuidem por aqui”. Na publicação, não mais disponível, Eller ainda divulgou um endereço na zona Sul de São Paulo e se referiu ao serviço do Corpo de Bombeiros. Karol foi vítima de um processo que pauta a reorientação sexual, popularmente conhecido como “cura gay”.

Uma breve história das terapias de conversão

As terapias de reorientação sexual, também chamadas terapias de conversão, não estão presentes apenas na história de Karol Eller. Segundo o artigo “Terapias de Conversão: Histórico da (Des)Patologização das Homossexualidades e Embates Jurídicos Contemporâneos”, de Marcos Roberto Vieira Garcia (Universidade Federal de São Carlos) e Amana Rocha Mattos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), na década de 50, nos Estados Unidos, diversos estudiosos da psicologia e medicina iniciaram pesquisas justificadas pela ideia de que a orientação sexual de um indivíduo poderia ser mudada. 

Na época, o termo “homossexualismo” era amplamente utilizado na comunidade médica para categorizar a homossexulidade como doença. Na estrutura da palavra, o sufixo “ismo” representa uma condição patológica. Mas em 1973 e 1975, a Associação Americana de Psiquiatria e Associação Americana de Psicologia, respectivamente, retiraram a homossexualidade da lista de transtornos mentais e psicológicos. Posteriormente, no dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Sáude (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID).

No Brasil, apenas em 1999, o Conselho Federal de Psicologia proibiu que seus profissionais registrados promovessem ou utilizassem quaisquer técnicas de terapia voltadas a alterar a orientação sexual de um indivíduo. Entretanto, o assunto permanece visível no discurso de comunidades religiosas conservadoras e políticos brasileiros, bem como do ex-deputado e pastor Ezequiel Teixeira (PTN-RJ), autor de um projeto de lei que visa legalizar a “cura gay”.

O Projeto de Lei em discussão

Também em outubro de 2023, por 12 votos a 5, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo e a união estável entre pessoas do mesmo sexo. O texto sugere que uniões homoafetivas sejam encaixadas em outra modalidade de união civil, o que faz com que o termo “casamento” seja utilizado apenas por casais heterossexuais. Após o reconhecimento da proposta, o presidente da Comissão de Previdência e Família, Fernando Rodolfo (PL-PE), declarou ao jornal Folha de S. Paulo que, se houver tempo disponível, irá pautar a regulamentação das Terapias de Reorientação Sexual no Brasil.

O que Rodolfo afirma querer retomar é o PL 4931/2016, apresentado em 2016 pelo ex-deputado e pastor evangélico Ezequiel Teixeira. O projeto se opõe à resolução da OMS de retirar a homossexualidade da CID e prevê a legitimação das terapias de conversão, proibidas em 1999 pelo Conselho Federal de Psicologia. O documento ainda reafirma a homossexualidade como doença e proíbe que os profissionais da psicologia realizem qualquer atividade que favoreça o não-tratamento da “patologia”.

A resposta de Erika Hilton

Em resposta à declaração do presidente da comissão, a deputada federal Erika Santos Silva (PSOL-SP), conhecida como Erika Hilton, apresentou um projeto de lei que define as terapias de conversão como tortura. “A conduta criminosa de tratamento de ‘cura gay’ deve ser igualada a tortura, portando deve ser coibida, assim como amplamente investigadas as vítimas já submetidas a tamanha violência, para que vidas sejam preservadas”, afirma em trecho do documento.

Além de deputada federal pelo estado de São Paulo, Erika é ativista e modelo e possui um repertório na política brasileira marcado pela luta por direitos das pessoas negras e LGBTQIAPN+. Em 2022, a política conquistou o seu cargo de deputada federal com 256.903 votos e, no mesmo ano, foi reconhecida como uma das “100 mulheres mais inspiradoras e influentes do mundo” pela BBC.

A cura gay não existe”, reforça psicóloga

Para a psicóloga Gabriela Quartiero, que atua na Casa Verônica, serviço vinculado à Universidade Federal de Santa Maria que promove a equidade de gênero na comunidade acadêmica, a discussão do PL de Teixeira na comissão representa um ataque à comunidade. “Eu acho que é uma violência escancarada o que a gente vivencia hoje contra as pessoas LGBT. Porque no momento em que algumas pessoas heterossexuais e cisgêneras acham que podem converter outras pessoas, isso sim é uma violência”, explica.

De acordo com Quartiero, o profissional da psicologia deve acolher os indivíduos da comunidade LGBTQIAPN+ e proporcionar um lugar de escuta em que eles se sintam seguros. “A pessoa precisa se sentir segura. Ela precisa se sentir confortável para falar sem medo de ser julgada, porque muitas vezes ela já está se julgando. Não é necessário que haja mais alguém a julgando”, afirma a psicóloga. 

“Solidão e frustração são sentimentos muito presentes, porque essas pessoas se isolam ao não se sentirem pertencentes ao mundo. Elas tentam se diminuir ao máximo para entrarem numa caixinha heterocisnormativa”, explica a profissional sobre algumas consequências psicológicas de sofrer preconceito por ser da comunidade LGBTQIAPN+. “A cura gay não existe e nós temos que lembrar que pessoas LGBT, possuem subjetividade também, possuem histórias de vida, nomes e experiências e não se pode pensar em apagar isso”, conclui Quartiero.

Militância transforma”, diz ativista

Para a militante do movimento LGBTQIAPN+ e integrante da ONG Igualdade, Marquita Quevedo, o conservadorismo político em Santa Maria permite discussões excludentes nas pautas governamentais. “É um espaço político com uma bancada evangélica, ruralista e militar que cresceu muito. Eu acredito que a gente ainda tem que avançar muito enquanto pessoas LGBT nesses espaços de poder, só assim a gente vai conseguir mudar essa realidade e ter representatividade no espaço político. Eu acredito muito nisso, acredito na política, acredito que essa militância transforma”, declara.

No Brasil, desde 2019, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero é declarada crime pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, conforme dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil é o país com mais ocorrências de assassinato contra pessoas LGBTQIAPN+. “Mesmo com lei dizendo que discriminar é crime, a gente ainda precisa discutir no Senado, discutir no nosso espaço de poder, pensar numa política pública de segurança que de fato proíba esse tipo de fala e de comportamento contra a nossa população”, destaca Quevedo.

Por fim, a ativista fala sobre os perigos da influência religiosa nas pautas constitucionais. “Trazer esse debate religioso para dentro de nossos lares e das nossas famílias é muito perigoso. O Brasil é um estado laico e não cabe, no espaço político, pregar em nome de uma religião ou crença. É muito perigoso esse discurso de ódio, violento, usando uma palavra de Deus”, alerta.

Pedro Pagnossin

Repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM. Contato: pedro.moro@acad.ufsm.br

Foto: Acervo de imagens sem copyright.

Revisão: Kemyllin Dutra, repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM. Contato: kemyllin.dutra@acad.ufsm.br

Publicação: Elisa Bedin, repórter do Gritos do Silêncio e estudante de jornalismo pela UFSM. Contato: elisa.bedin@acad.ufsm.br

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