O nazismo é um movimento político e social que surgiu na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Seus seguidores disseminavam discursos extremistas de ódio e cometiam atos de violência contra determinados grupos da sociedade, além de pregar a supremacia do homem sobre a mulher. O líder Adolf Hitler era o principal responsável pelas falas e ações que atacavam os direitos humanos durante essa época. Entre as vítimas estavam judeus, negros, gays, ciganos – ou qualquer um que não fosse considerado um alemão “puro”, ariano.
Embora pareça algo distante da realidade atual, essa ideologia, desde os anos 80, vem sendo retomada por certos grupos, conhecidos como neonazistas. O neonazismo possui convicções parecidas com o que os governos totalitários pregavam no período das guerras, mas adaptadas aos dias de hoje. Os grupos agem com base em manifestações racistas, homofóbicas, capacitistas, de intolerância religiosa, entre outros preconceitos.
No último ano, o Brasil registrou diversos ataques a escolas ligados ao neonazismo e, no Rio Grande do Sul, o número de ocorrências relacionadas cresce a cada ano. Um levantamento da Delegacia de Combate a Crimes de Intolerância da Polícia Civil gaúcha indica que os registros foram de sete casos em 2019 para 41 em 2022. Estudos da antropóloga Adriana Dias confirmam que os casos não são mais raros e nem isolados, já que a quantidade de células neonazistas no país cresceu cerca de 270% desde 2019.
A onda cada vez maior de crimes praticados por grupos neonazistas está atraindo também um público mais jovem. O mestre em História pela UFSM, Eduardo Perius, explica que para compreender os motivos dessa vertente captar adolescentes e jovens é preciso relembrar as táticas dos regimes totalitários. Historicamente, durante o período de ascensão do nazismo, os países ainda passavam por crises econômicas e sociopolíticas advindas da Primeira Guerra Mundial.
Fragilizada por essas questões, a população passou a participar, de modo facilitado, do processo de aceitação de propostas radicais e violentas. Na Alemanha especificamente, as promessas de melhorias em diversos aspectos no país envolviam o extermínio de minorias. O professor ressalta que o neonazismo retoma essa ideia de que existe uma “raça superior” e normaliza a propagação do ódio e da aversão ao outro.
Em nosso país, por exemplo, aspectos como a polarização política e o aumento dos discursos odiosos nas redes sociais colaboram com a disseminação da ideologia. Jovens que experienciam a violência de algum modo, seja no lugar de oprimido ou opressor, podem buscar o meio neonazista. Essa procura se justifica pelo desejo de compartilhar em grupo sua repulsa por quem considera como um potencial inimigo ou seus ressentimentos com a vida em sociedade.
Redes Sociais
A falta de regulamentação de plataformas digitais, que não barram atos preconceituosos e terceirizam a responsabilidade do que seus usuários compartilham, colabora com esse fenômeno. O Discord é uma das redes que não impedem a circulação de conteúdos extremistas. Conforme reportagem da Agência Pública, em 2017, grupos de extrema-direta articularam, por meio da plataforma, uma manifestação entre supremacistas brancos e neonazistas de vários locais dos Estados Unidos no estado da Virgínia.
A professora adjunta do Departamento de Comunicação da UFSM, Aline Dalmolin, afirma que os regimes nazistas também utilizavam meios de comunicação, como o rádio e o jornal impresso, para disseminar suas ideias. No entanto, não possuíam a força que a internet dá atualmente, o que traz facilidade em captar jovens que encontram espaço para os seus sentimentos de injustiça, revolta e preconceito.
Para Aline, o poder de disseminação e de persuasão desses discursos é algo inédito e promovido pela era digital. “As redes sociais permitem que esses novos grupos existam, se conectem e consigam uma dimensão e um alcance para esse ideário nunca antes imaginado em nossa história. Os grupos neonazistas são formas de retomar esses antigos ódios, sob novas roupagens”, destaca a professora.
Na internet, esse movimento pode – e majoritariamente é – feito em anonimato, para preservar a imagem dos criminosos. Segundo o professor Perius, a “máscara” construída pelas plataformas dificulta o reconhecimento de quem pratica os crimes de ódio e demanda um esforço constante das autoridades. Ele relembra que muitos casos de ataques são confundidos como “qualquer agressão ou briga” e não são associados às ideologias neonazistas, o que pode ocasionar impunidade.
Embora sejam palco da popularização do neonazismo por sua capacidade de conectar pessoas e grupos com pensamentos parecidos, as redes sociais podem atuar de forma contrária. De acordo com Aline, as plataformas permitem que pessoas denunciem casos com mecanismos próprios que, apesar de ainda falhos, ajudam a barrar conteúdos com apologia ao nazismo. A internet também possui papel educativo ao dar acesso a informações que revivem memórias de sobreviventes do holocausto, por exemplo.
O papel da educação
Mesmo com um maior acesso à informação, o sistema educacional brasileiro se depara com desafios ao enfrentar a influência de ideologias extremistas nos jovens. Para a professora de comunicação, o ensino estimula a democracia, o debate livre de ideias e a reflexão social e histórica, o que contribui para o pensamento crítico e responsável. “A educação sempre foi e continua sendo uma arma para combater os extremismos”, conclui Aline.
Em complemento, o professor Perius reforça que o conhecimento da história age de maneira direta na desconstrução do discurso dos regimes totalitários, embora apenas o ensino do passado não baste. Para ele, escolas e educadores devem sempre discutir a temática para que se possa prevenir o surgimento de manifestações preconceituosas e saber mediar os casos e comportamentos referentes a isso percebidos no ambiente escolar.
As atrocidades cometidas pelos regimes nazistas deixaram marcas profundas, que nunca serão esquecidas. A propagação do neonazismo também deixa consequências nos indivíduos e na sociedade. Para o mestre em História, essas atitudes afetam a regulamentação e aplicação de direitos humanos, além de enfraquecer laços sociais e causar uma crise estrutural em instituições políticas, escolas e círculos de convívio diário.
Texto: Amanda Teixeira
Repórter do Gritos do Silêncio, estudante de Jornalismo pela UFSM. Contato: amanda.teixeira@acad.ufsm.br
Foto ilustrativa: Acervo do Getty Images.
Revisão: Kemyllin Dutra, repórter do Gritos do Silêncio e estudante de jornalismo pela UFSM. Contato: kemyllin.dutra@acad.ufsm.br
Publicação: Elisa Bedin, repórter do Gritos do Silêncio e estudante de jornalismo pela UFSM. Contato: elisa.bedin@acad.ufsm.br