Toda quarta-feira, próximo às 19h, cinéfilos, estudantes e apreciadores se reúnem no auditório do prédio 67 da UFSM em busca de uma imersão na cultura cinematográfica. O espaço, com pouco mais de 100 poltronas em frente a uma grande tela, acolhe semanalmente cerca de 40 pessoas dispostas a apreciar a sétima arte e discutir cinema, cultura e sociedade. Desde 2016, no Cineclube da Boca, filmes nacionais, regionais e independentes integram mais de 90% das obras transmitidas.
A prática iniciou no Brasil em 1928 com a criação do Chaplin Club no Rio de Janeiro e logo cresceu e ganhou destaque durante os anos 40. No Rio Grande do Sul, Santa Maria é considerado um polo cineclubista da região, com um clube ativo desde 1978, Lanterninha Aurélio, além do Clube de Cinema Edmundo Cardoso e diversos outros que não estão mais em funcionamento.
As sessões do Cineclube da Boca iniciaram em 15 de dezembro de 2016, com o filme “Manhã Transfigurada”, de Sérgio Assis Brasil, o primeiro longa de ficção feito em Santa Maria. A partir deste, foram exibidos filmes de variados gêneros e até lançamentos, como ‘’A Intenção da Noite’’, de Fabrício Koltermann, que contou com 130 espectadores.
O professor do departamento de Turismo e do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural, Gilvan Dockhorn, foi o idealizador do cineclube e ainda coordena o projeto. Segundo Dockhorn, o plano inicial era criar um curso de Cinema na universidade, mas não foi possível por questões orçamentárias, o que levou à criação do Cineclube da Boca. No projeto, o ano inicia com uma oficina cineclubista, onde os interessados podem aprender mais sobre a prática e, no futuro, organizar as sessões. No encerramento do ano há uma homenagem a uma figura importante na história do cinema. Todas as sessões iniciam com apresentação e discussão da obra a ser transmitida e finalizam com um debate sobre o filme e sobre assuntos relacionados. A prioridade é que os cineastas dos filmes transmitidos estejam presentes para que o debate seja ainda mais rico.
Conforme o coordenador do projeto, o cinema tradicional não dá conta de garantir o acesso à cultura e o cineclube se torna o espaço de acesso às produções não vistas na grande mídia: curta e média metragens, filmes experimentais e outras produções alternativas. Em meio à ascensão dos filmes de Hollywood no século 20 e a popularidade dos streamings nos últimos anos, a prática cineclubista permanece como uma forma de promover a cultura regional e local e democratizar o acesso a produtos culturais com sessões gratuitas ou de baixo custo.
“Não conhecer a cinematografia local, regional e brasileira, é desconhecer uma parte da cultura”
Gilvan Dockhorn
Segundo o coordenador do projeto, o cineclube é aberto para todas as pessoas interessadas em assistir aos filmes. Não há tipos de produções que não sejam exibidas, nem restrições de público.
A estudante do quinto semestre de Produção Editorial, Taiane Wendland, realizou a oficina no último ano e hoje cuida da parte técnica das sessões. Segundo ela, a indústria cinematográfica hollywoodiana reprime produções que saem do seu padrão, como as obras regionais e independentes: “a escolha de exibir produções locais é um respiro para todos os produtores que nunca vão ter um espaço no mercado”.
A atual presidente do Conselho Nacional de Cineclubes (CNC), Tetê Avelar, reforça que sem o cineclubismo, grande parte das produções independentes nunca chegariam ao público. Segundo ela, esses filmes precisam de um lugar para serem exibidos, vistos e analisados, as sessões fazem isso e dão uma devolutiva do público para o produtor.
A caloura de Produção Editorial, Laisa Binato, conta que gostaria de cursar a graduação em Cinema, mas, sem um curso na região, vê no cineclube uma oportunidade de aprender mais sobre o assunto. Laisa afirma que, antes do Cineclube da Boca, não sabia que existiam tantas produções cinematográficas na região, e que os encontros abriram seu olhar para o cinema local. Segundo ela: “para alguém que quer se aproximar do audiovisual, vai ser muito importante para ter um olhar diferente não só de produções grandes, mas do audiovisual brasileiro, das pessoas que a gente conhece e das pessoas da UFSM fazendo audiovisual”.
O Conselho fez um mapeamento em 2023 e encontrou aproximadamente 250 cineclubes em diferentes regiões do país. Conforme a presidente, durante a pandemia foram iniciadas sessões online que facilitam a transmissão dos filmes e permitem que eles alcancem um número maior de espectadores. Segundo Tetê Avelar, o Brasil tem um número grande de cineclubes em funcionamento, mas não há conhecimento da quantidade exata.
Reportagem: Amanda Teixeira
Contato: amandapteixeira04@gmail.com