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Ao atravessar o Arco da UFSM, também se cruza a sanga Lagoão do Ouro. Próximo ao CTISM e à Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo, o córrego está em um local de grande circulação humana e animal. O Lagoão, com nascente no Residencial Novo Horizonte, é uma extensão do rio Vacacaí-Mirim e percorre o núcleo habitacional Fernando Ferrari, as vilas Santos Dumont, Santa Tereza e Assunção. O terreno em torno do córrego é delimitado como uma Área de Preservação Permanente (APP), mas, ao mesmo tempo, apresenta sinais de poluição. Para recuperar áreas como essa, foi criado o “Projeto de Proteção e Revestimento Vegetal”.
A iniciativa é da Pró-reitoria de Infraestrutura (Proinfra) em parceria com o Laboratório de Engenharia Natural (LabEN), com coordenação da engenheira biofísica e pesquisadora de pós-doutorado, Rita Sousa. A proposta é um exemplo do uso da engenharia natural para a reconstituição de APPs. Essa modalidade se difere da engenharia civil por ter benefícios ecológicos e sociais para a fauna e a flora, como a regulação da temperatura ambiental. “O uso de plantas tem funções técnicas, como alta filtragem, que não são atendidas pela engenharia civil. Dependendo das exigências de cada local, a engenharia natural é o melhor caminho”, afirma a engenheira biofísica.
Para Rita, o conceito de engenharia natural remete a um conjunto de técnicas que utilizam elementos da própria natureza a fim de proporcionar estabilidade na área em que é aplicada. Nessa modalidade, o uso de plantas, madeira, pedras e outros materiais inorgânicos são importantes devido às suas funcionalidades ecológicas. A engenharia natural tem sido utilizada em diversas partes do mundo como uma alternativa para amenizar os impactos da degradação ambiental.
A sanga Lagoão do Ouro foi escolhida como área pioneira para aplicação do projeto, criado em 2022, devido ao alto nível de erosão no local. Rita argumenta que o objetivo é diminuir a incidência de desgaste das margens do córrego, com a introdução de espécies de plantas nativas da região, “A erosão está progredindo rapidamente nos dois lados da área. Achamos que era um ponto importante para aplicar o projeto já que há grande circulação de pessoas”, conta Rita. Já foram feitos estudos sobre a água, solo e relevo da região, e agora a iniciativa está na fase de contratação da execução.
Legislação das APPs
O Código Florestal Brasileiro, criado em 2012, define que as APPs são locais protegidos e voltados à conservação do ecossistema. Essa legislação tem especificações para zonas urbanas e rurais. O Artigo 4° impõe o estabelecimento de margens, com metragens específicas, ao redor de cursos d’água, conforme sua largura. Em áreas urbanas, por exemplo, as margens devem ter 30 metros, e em regiões rurais, 100 metros – exceto para corpos d’água com até 20 hectares de superfície, o que equivale a aproximadamente 20 campos de futebol.
Em 2020, a UFSM recebeu a Licença de Operação, emitida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). A coordenadora do Setor de Planejamento Ambiental e Urbano da Proinfra, Nicolli Reck, explica que após receber o documento, a Universidade passou a monitorar as APPs. “A partir de então, a nossa prioridade é recuperar todos os locais de preservação do Campus”, pontua.
Conforme dados da Proinfra, na UFSM, aproximadamente 16% da extensão territorial total são de APPs e 144,9 desses hectares possuem necessidade de recomposição. O pró-reitor de Infraestrutura, Mauri Lobler, explica que o setor mapeia o terreno da UFSM e elabora estratégias de restabelecimento dessas áreas. “Elaboramos um plano de recuperação, com o plantio de árvores e projetos de revestimento vegetal”, acrescenta.
Resiliência nas correntezas
Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou a maior catástrofe climática da sua história. Conforme dados da Defesa Civil, 95% das cidades do estado foram afetadas por alagamentos, deslizamentos de terra, quedas de energia e falta de água potável.
Devido ao grande volume de chuvas, nos primeiros dias do evento climático extremo, a Prefeitura de Santa Maria registrou pontos de alagamento causados pelo aumento do nível da água do Rio Vacacaí-Mirim, próximos ao Lagoão. Os alertas de evacuação foram emitidos nos bairros João Goulart, Km 3 e Campestre do Menino Deus, na região leste do município.
As Áreas de Preservação Permanente (APP) contribuem ativamente para reduzir os riscos de enchentes. Rita exemplifica como uma área preservada se comporta ao receber grandes quantidades de água: “Em um muro de concreto, há pouca permeabilidade e maior risco de transbordar. Já em uma área com vegetação, a água tem menor velocidade e a infiltração ocorre de forma mais eficiente”.
As APPs não agem sozinhas: a combinação de estratégias estruturais e medidas de categorização, manutenção e recuperação de áreas naturais amenizam os riscos de enchentes. A engenheira ainda ressalta que o projeto será um dos pilares para a reconstituição das APPs no Campus, o que vai permitir que elas diminuam os riscos de enchentes.
Durante o período de calamidade, a UFSM promoveu uma série de ações para dar suporte à comunidade atingida. Dentre as iniciativas, houve mutirão para produção de alimentos, recolhimento de doações, recuperação de eletrodomésticos, auxílio na construção de abrigos emergenciais, assistência psicológica, entre outras ações, registradas no site da Universidade.
Reportagem: João Victor Souza e Pedro David Pagnossin
Contato: victor.souza@acad.ufsm.br/pedro.moro@acad.ufsm.br