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No Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), a professora de Terapia Ocupacional (TO) da UFSM, Silvani Vieira Vargas, assume dois papeis: docente e cuidadora familiar. Devido ao progresso de doenças incapacitantes, sua mãe Neite, de 85 anos, está sob cuidado paliativo na ala geriátrica. Silvani relata que ter o conhecimento técnico e exercer o papel de cuidadora simultaneamente é algo muito angustiante. Apesar de ter atuado na área por 13 anos, ela diz se sentir desconfortável com a posição que ocupa hoje. “Minha formação faz com que eu saiba muitas coisas da área, mas aqui ele não é levado em conta. Aqui, eu sou apenas cuidadora”, conta Silvani.
Ao mesmo tempo, a professora de TO da UFSM, Kayla Araújo Ximenes Aguiar Palma, compartilha sentimentos semelhantes aos de Silvani. Sua mãe, que completa 89 anos em breve, está em processo demencial e Kayla não imaginava experienciar o tema que estudou durante quase três décadas.
O Programa de Apoio a Cuidadores da Terapia Ocupacional (Pacto) surgiu em 2013, através de um olhar empático de Kayla, que está com o pós-doutorado em Gerontologia Biomédica pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em andamento. Inicialmente, o projeto começou com o intuito de oferecer suporte técnico e emocional aos cuidadores de idosos e de adultos com doenças crônicas ou incapacitantes.
Atualmente, o Pacto é coordenado pela professora Silvani e desenvolve palestras, workshops e oficinas com profissionais da saúde. Uma das principais queixas relatadas pelos cuidadores é a sobrecarga, proveniente do processo de cuidado. Assim, o principal objetivo é o desenvolvimento de estratégias e possibilidades de cuidado, a fim de amenizar o cansaço.
O grupo amplia suas ações por meio de encontros on-line e presenciais – que ocorrem uma vez no mês -, tele acolhimento e atendimentos no ambulatório. Além disso, desenvolve atividades itinerantes nas cidades de Itaara e Silveira Martins, municípios próximos de Santa Maria. Tais práticas – que abrangem ensino, pesquisa e extensão – proporcionam formação inicial e continuada de acadêmicos de cursos de graduação da área da saúde, como Terapia Ocupacional, Psicologia e Enfermagem, além de pós-graduandos e residentes da Universidade.
Para desenvolver os assuntos abordados nas capacitações, o grupo estuda sobre os temas que os participantes querem compreender. As ações abrangem desde conteúdos educativos sobre atenção à saúde dos idosos e seus responsáveis até atividades voltadas para melhorar a qualidade de vida e hábitos saudáveis. Os cuidadores têm uma classificação que os diferencia entre formais – que têm algum grau de capacitação técnica para o trabalho e recebe remuneração para tanto – ou informais, que têm um elo afetivo e de parentesco e não são remunerados para a função.
Há nove anos, Marlei do Carmo recebeu essa responsabilidade. Seu marido Cirilo, aos 60 anos de idade, foi diagnosticado com Alzheimer. A doença neurodegenerativa, progressiva e sem cura afeta 1,2 milhão de pessoas e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano no Brasil, de acordo com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
Como cuidadora informal, Marlei relata que a rotina é cansativa e que, muitas vezes, se sente frágil, pois o trabalho requer paciência e atenção. “Cursei técnico de enfermagem e o estágio que fiz no Hospital Psiquiátrico foi bem difícil, me desgastou muito. Mas tenho uma grande fé em Deus e creio que se Ele me permitiu cuidar de alguém é porque sou capaz”, conta. Apesar do desafio, ela garante que todo o esforço e dedicação proporcionam melhores resultados no tratamento do marido e amenizam os sintomas da doença.
Em 2019, após indicação feita por um médico neurologista do HUSM que atendia Cirilo, Marlei começou a frequentar os encontros semanais do Pacto que, na época, eram presenciais. No ano de 2020, com o início da pandemia da COVID-19, os encontros passaram a ser feitos on-line. Devido à dificuldade de acesso, ela optou pela saída das atividades, mas guarda com muito carinho os momentos que compartilhou com o projeto. “Além de uma troca de experiências e conhecimento, fiz novas amizades que me ajudaram a lidar com a situação de uma forma mais leve”, lembra.
A mudança do formato presencial para o on-line tornou-se o método definitivo dos encontros semanais após a pandemia. Entretanto, o grupo realiza, em parceria com a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) Sub-Regional Santa Maria, um encontro presencial mensal com especialistas da área, no prédio da antiga Reitoria da UFSM, localizado no centro da cidade. Os eventos focam na psicoeducação em saúde, que relaciona instrumentos psicológicos e pedagógicos com o objetivo de ensinar o paciente e/ou os cuidadores, principalmente os informais, sobre a doença e seus tratamentos. Assim, é possível desenvolver um trabalho de prevenção e conscientização.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa – 60 anos ou mais – teve um aumento de 56% de 2010 a 2022. Nessa perspectiva, o Pacto surge como um lugar de aprendizado e de acolhimento para todos aqueles que se sentirem confortáveis em participar.
Terapia da boneca
O delírio é um estado de alteração mental que faz com que um indivíduo apresente uma visão distorcida da realidade, e isso pode ser demonstrado de diferentes formas: por meio de uma confusão mental, de uma redução da consciência e até mesmo de alucinações. A nomenclatura nos casos de idosos que apresentam a condição é delirium, especialmente quando está associado à confusão mental.
No mês de maio, próximo da sua primeira internação, Neite Vargas Vieira, mãe de Silvani, começou a ter delirium e alucinações com crianças em situação de risco – como quedas, acidentes e afogamentos. Diante disso, uma de suas noras lhe presenteou com um bebê reborn, carinhosamente chamado de “André Luiz”. O boneco, com aparência de um bebê real, ajuda a acalmar Neite em momentos de confusão mental.
Do inglês, Dolls Therapy, a Terapia da Boneca é uma abordagem não farmacológica que ganha destaque no manejo dos sintomas da Doença de Alzheimer. Silvani relata que sua mãe sempre teve grande afeto por crianças e que se acostumou a viver rodeada por seus filhos, netos e bisnetos. Isso facilitou a inserção do boneco para amenizar as crises. Apesar disso, durante os momentos de lucidez, Neite tem plena consciência de que André Luiz não passa de um brinquedo.
Para ficar por dentro dos eventos do grupo, acesse o Instagram do Pacto.
Reportagem: Daniele Gabriel e Luiza Silveira Ventura
Contato: daniele.gabriel@acad.ufsm.br/ventura.luiza@acad.ufsm.br