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À primeira vista ele parece um brinquedo. Seu corpo é branco e arredondado, os braços se movem de forma fluida, em uma coreografia sincronizada. Os olhos grandes e expressivos se ajustam conforme as emoções: cerrados quando está pensativo, abertos quando está feliz e pronto para interagir. Os sensores espalhados pelo corpo o ajudam a entender o ambiente ao redor. Quando alguém fala, ele move a cabeça e se apresenta: Olá! Sou o Beo, robô social da Qiron Robotics! Estou aqui para ajudar a ampliar a experiência humana através da tecnologia. Nossa equipe desenvolveu o robô mais carismático e modesto que já existiu!
Robôs são máquinas programáveis que podem executar uma variedade de funções, desde simples ações repetitivas até tarefas complexas. Assim é Beo, o robô humanoide terapêutico e educacional criado pela Qiron Robotics – uma startup especializada em robótica da Pulsar, a Incubadora Tecnológica da UFSM. Ele tem transformado a aprendizagem e o tratamento de crianças neurodivergentes no Brasil ao possibilitar a implementação de novas abordagens, especialmente no espectro do autismo.
O engenheiro de controle e automação e sócio-fundador da Qiron, Rafael Miranda, relata que, desde a criação, a intenção era que Beo se tornasse um canal para diversas aplicações, incluindo o tratamento de crianças com TEA. Até 2019, a empresa havia encontrado sucesso no setor de eventos, mas foi impactada pela pandemia de COVID-19. Sem faturamento, os sócios-investidores sustentavam o negócio, enquanto o engenheiro trabalhava sem remuneração, porém confiante no potencial da tecnologia que era desenvolvida.
Com a retomada das aulas presenciais em 2021, Rafael começou a ensinar programação de computadores para turmas do Ensino Fundamental em escolas particulares de Criciúma, Santa Catarina, como uma fonte alternativa de renda. Ele logo percebeu o impacto negativo da pandemia na concentração e interação social das crianças. Para ajudar, decidiu testar Beo como uma ferramenta auxiliar nas aulas. Descobriu, então, que o robô não só mantinha o interesse dos alunos, mas também facilitava a compreensão de conteúdos complexos.
Assim, no ano seguinte, a empresa passou a desenvolver soluções educacionais para escolas do setor privado. “Na época nós trabalhávamos principalmente com crianças do ensino infantil, porque ali eram conteúdos pré programados. Mas com a IA, hoje nós já conseguimos atender até o ensino médio, na proposta de ser um parceiro do professor”, comenta o engenheiro.
Desde então, a Qiron fechou parcerias com instituições de ensino em diferentes ramos, como cursos de idiomas e universidades. Uma delas é a ZET, uma startup paulista especializada em desenvolver programas educativos para crianças sobre sustentabilidade e inclusão.
O CEO e fundador da ZET, Éder Custódio, explica que a empresa tem como objetivo implementar projetos sociais, patrocinados por empresas privadas, em escolas particulares do estado de São Paulo. Ele conta que a iniciativa é voltada para dois segmentos: educação inclusiva e combate ao bullying e conscientização sócio-ambiental através do incentivo à redução de emissões de carbono, conforme a Agenda de 2030 para o desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Éder, o robô tem a função de “interagir com as crianças para mostrar as consequências futuras de nossas ações presentes, facilitando a compreensão e o engajamento com os temas propostos”.
Assista o vídeo para conhecer a ZET:
Robótica no apoio ao TEA
Ao mesmo tempo em que desenvolvia soluções para a educação convencional, a empresa estudava a utilização de robôs para auxiliar no tratamento do autismo. “Desde 2018, quando a psicóloga Carla Binsfeld visitou nosso laboratório, a Qiron flertava com a ideia de usar robôs no tratamento do autismo. Só que naquele momento nos faltava ‘braço’ para desenvolver essa aplicação”, explica Rafael.
Carla Binsfeld diz que a ideia de aliar a robótica ao tratamento de crianças com autismo surgiu durante a participação em uma imersão no programa Business Mentoring & Innovation (Mentoria Empresarial e Inovação, em português) no Vale do Silício, que fica na Califórnia, nos Estados Unidos. Lá ela observou os diversos usos da robótica no desenvolvimento humano e na saúde mental. “Nessa época, também passei a perceber mudanças nas demandas dos pacientes por inovação nos atendimentos clínicos, especialmente entre a geração Z e pessoas com TEA”, argumenta. Hoje, a psicóloga aplica o robô em terapias clínicas em seu consultório, na cidade gaúcha de Cruz Alta, há mais de um ano.
O engenheiro menciona que o uso de robótica para TEA já era estudado e praticado há algum tempo no exterior. No Brasil, entretanto, esse tipo de aplicação era algo inédito. Mas em 2021, uma parceria com a Universidade Federal do Tocantins (UFT) fez com que o projeto tivesse andamento. A iniciativa recebeu o nome de Robô autônomo para saúde mental.
O projeto
A doutoranda da UFT e professora de Tecnologia da Informação, Héllen Souza Luz, conta que a proposta é entender e superar as principais dificuldades enfrentadas por crianças com TEA, como a habilidade de imitar, a atenção compartilhada, a capacidade de seguir instruções, de desenvolver linguagem expressiva e simbólica, de sentar e aguardar, de perceber a intenção do outro e de compreender metáforas. Ela explica que desenvolver essas habilidades é essencial para a integração dessas crianças no ambiente educacional e social e, assim, minimizar a distância acadêmica entre crianças com autismo e neurotípicas.
A pesquisadora esclarece que a robótica pode ajudar a atender as necessidades específicas de cada criança. Hellen pontua que a parceria com a Qiron aposta no uso da tecnologia para apoiar professores e terapeutas, especialmente em instituições públicas onde a formação especializada nem sempre está disponível. Segundo ela, o robô pode identificar padrões, quantificar dados e fornecer orientações sobre tratamentos e intervenções, o que melhora o atendimento educacional e terapêutico dos pacientes.
Uma pesquisa colaborativa
A professora comenta que a tecnologia, embora essencial, é uma ferramenta que precisa se integrar em outras áreas para fornecer soluções adequadas. “Nosso grupo de pesquisa é interdisciplinar e inclui professores, psicólogos e psicopedagogos, que validam e apoiam o desenvolvimento de soluções tecnológicas para crianças. Eles avaliam aspectos como adequação da voz do robô, tempo de resposta e interação”, alega. Ela afirma que o objetivo não é converter esses profissionais em programadores, mas incentivar a compreensão mútua dos desafios.
Outro fator é o caráter público-privado do projeto. O modelo, segundo ela, é essencial para o desenvolvimento de soluções que irão beneficiar tanto o setor produtivo como a sociedade. “Universidades têm potencial de pesquisa, mas faltam recursos, que o setor privado pode fornecer. Essa colaboração é vantajosa, pois a parceria permite desenvolver tecnologias aplicáveis que irão atender às necessidades do mercado e melhorar a qualidade de vida das pessoas”, explica Héllen.
Robô terapeuta
Carla, relata que o uso do robô é avaliado por anamnese (processo de coleta de informações sobre a história médica e de saúde de um paciente) e conforme cada contexto. Porém, ele não substitui a interação humana. Ela ressalta a importância de que os objetivos sejam claros para pacientes e famílias e menciona que, em alguns casos, é necessário um período de atendimento clínico antes de adotar a robótica.
Segundo a psicóloga, o robô, nomeado por ela de Jyjy, colabora de maneira significativa para a melhora das habilidades sociais e de comunicação de crianças com TEA. “Diversas abordagens, como interação social segura, reforço positivo e intervenções personalizadas, têm sido implementadas com sucesso. Estas tecnologias proporcionam feedback imediato, envolvimento lúdico e permitem monitoramento e avaliação contínuos”, justifica. Ela destaca que o robô oferece um ambiente de interação mais previsível e menos intimidador do que as interações humanas, pois é programado para exibir expressões faciais, gestos e comportamentos de maneira consistente.
O futuro
Rafael relata que tem o objetivo de levar a tecnologia para o setor público, com custos acessíveis, e contribuir para uma educação inclusiva na sociedade. A empresa também busca expandir a aplicação do robô para outras áreas, como idosos com demência e para educação remota em presídios.
Além de levar a robótica para as escolas públicas, Héllen afirma que, tão logo a pesquisa seja validada, a intenção é transmiti-la para outros centros de aplicação. Ela destaca que a equipe está aberta a colaborações e planeja expandir o conhecimento para outros estados e até mesmo outros países, com os ajustes e adaptações necessários às diferentes culturas e protocolos.
Carla já utiliza o robô em outras aplicações clínicas, como em tratamentos para Ansiedade e TDAH. A tecnologia também é empregada em internações hospitalares, inclusive em casos de dependência química e de pessoas que tiveram COVID-19. “A inovação na psicologia é urgente, e a robótica, assim como a IA, é o presente e, cada vez mais, o futuro da profissão”, finaliza.
Conheça Beo, o robozinho da Qiron Robotics
Beo foi projetado para criar uma interação natural e intuitiva. Seus atributos o tornam bastante atrativo, principalmente para crianças com TEA. Algumas de suas características são:
- Utiliza Tecnologia de IA similar ao ChatGPT (LLM) para entender e gerar texto
- Apresenta visão computacional com capacidade de detecção e reconhecimento facial
- Sintetiza e gera a própria voz
- Entende e interpreta o que é falado
- Tem displays nos olhos que demonstram emoções de maneira consistente
- Executa movimentos fluidos, suaves e naturais
Reportagem: Daniele Lopes Vieira
Contato: daniele.vieira@acad.ufsm.br