Tradicionalmente associada aos ratos, a leptospirose é uma doença preocupante em todo o Brasil, devido a sua alta taxa de letalidade. Porém, segundo a pesquisa publicada como dissertação de Mestrado da doutoranda em Medicina Veterinária, Bruna Carolina Ulsenheimer, indica os morcegos como mais um possível transmissor da bactéria. Entre novembro de 2022 e fevereiro de 2023 – período de alta nas contaminações devido à maior incidência de chuvas – 564 casos da doença foram confirmados no Brasil. Destes, 10,28% foram no Rio Grande do Sul, de acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde. Com a de que não somente os ratos, mas também os morcegos servem como reservatório para a bactéria, a preocupação chega na UFSM, onde os estudantes convivem diariamente com esses animais nos prédios.
Quem caminha pelos corredores da Universidade, ainda mais nos edifícios antigos, com facilidade percebe a presença de morcegos e das fezes que eles deixam. Quando fala-se sobre o medo de contrair alguma doença destes animais, o imaginário popular tem a raiva como principal preocupação. Porém, de acordo com a coordenadora do Laboratório de Diagnóstico de Leptospirose (LABLEPTO), Dra. Ana Eucares Von Laer, a doença transmitida por morcegos que mais preocupa na UFSM é a leptospirose.
Para Ana, a raiva é uma doença preocupante, mas só pode ser transmitida por espécies que sealimentam de sangue e pequenos insetos, o que não é o caso dos encontrados na Universidade. Segundo ela, a maior parte das variedades identificadas no Campus comem apenas frutas, por issonão são transmissores da raiva, mas podem ser vetores para a leptospira.
Por meio dos excrementos deixados pelos morcegos, a bactéria pode infectar humanos. Como informa Bruna, a bactéria pode se instalar nos rins das espécies frugívoras, ser eliminada pela urina e transmitir a leptospira. A pesquisadoraainda destaca que existem riscos de outras doenças incubadas em animais que dividem espaço com humanos, se tornarem zoonoses. “Ainda vamos passar não apenas por uma, mas porvárias epidemias capazes de evoluir para pandemias” alerta.
Segundo Bruna: “Estes microrganismos podem estar somenteem uma espécie, mas tem potencial desofrer mutações e contaminar pessoas que tenham contato com essas colônias [de animais]”. Para a doutoranda, vírus e bactérias novospodem agir de maneiras desconhecidas no organismo, já que o corpo ainda não tem defesas naturais – os anticorpos, que são criados pelo sistema imunológico a partir do contato com agentes patológicos.
A mestranda em Medicina Veterinária e integrante do LabLepto, Taynara Dias Lansarin, pontua que os centros urbanos cresceram de forma exponencial e desorganizada. “As cidades se estabelecem nos habitats naturais dos morcegos, aumentando o contato humano com essas espécies e com os microrganismos que elas carregam”, explica Taynara. Segundo o Ministério da Saúde, a leptospirose tem letalidade média de 9%, podendo chegar a 40% em casos graves.
Em caso de suspeita de infecção por leptospirose, um médico deve ser procurado para evitar que a doença evolua para sua fase tardia e mais grave. Os sintomas são: febre, dor muscular nas panturrilhas, dor de cabeça, náuseas e falta de apetite. O tratamento deve ser iniciado logo após a suspeita da infecção, com o uso de antibióticos, que tem sua maior eficácia na primeira semana de sintomas. Em caso de agravamento, a hospitalização deve ser imediata para amenizar o risco de morte.
A casa é dos estudantes, as janelas dos morcegos
Na Casa do Estudante Universitário (CEU), o convívio com morcegos é constante, e, em algumas situações, seus dejetos interferem diretamente no bem-estar dos moradores. Como conta um dos milhares de estudantes que residem no local, “A convivência é bastante complicada. Todos os apartamentos tem uma caixa que protege a persiana, onde os morcegos se alojam e defecam na janela. A única manutenção é feita pelos moradores”.
Segundo a Pró-reitoria de infraestrutura, ninguém pode manejar o material sem uso de Equipamento de proteção individual (EPIs), no entanto, o morador destaca que não há nenhuma manutenção ou limpeza por parte da instituição, com esses resíduos sendo retirados somente quando a iniciativa é tomada por quem reside no apartamento.
A Proinfra acrescenta que realizou um estudo em 2022, buscando saber qual a situação no Campus, em quais prédios os morcegos têm aparecido, horário que saem para se alimentar, etc. Com o resultado, foi elaborada uma dispensa de licitação para limpeza e vedação das juntas de dilatação da Reitoria, que aconteceu em 2023.
Em relação aos demais prédios que enfrentam o problema, a Pró-reitoria de infraestrutura afirma que está preparando uma nova licitação para enviar ao Departamento de Material e Patrimônio (DEMAPA). Esse serviço exige o acompanhamento de um responsável técnico, já que os morcegos são protegidos por lei, sendo proibida a captura sem autorização do Órgão Ambiental. A norma também estipula um período de retirada entre março e setembro, fora do período de amamentação dos filhotes.
Reportagem: Gabriel Barros e Rafael Rintzel
Contato: barrosgabrieltm@gmail.com / rafel_rintzel@hotmail.com