As sobras de comida que vão parar no aterro sanitário ou são descartadas de forma indevida na natureza representam um problema socioambiental que não pode ser ignorado. Todo ano, mais de 500 bilhões de dólares se perdem na forma de resíduos provenientes do consumo de alimentos, conforme publicação da revista Foods, de 2021. Além do prejuízo financeiro, esse material jogado fora polui ecossistemas locais e contribui para emissão de gases do efeito estufa – principalmente por conta do chorume que se deposita no solo.
O desperdício ao longo de toda a cadeia produtiva equivale a cerca de 930 milhões de toneladas de comida, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Isso representa 30% da produção global. No ranking dos países que mais desperdiçam, o Brasil ocupa a 10° posição e, sozinho, gera em torno de 46 milhões de toneladas de resíduos por ano. O professor do Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos da UFSM, Juliano Barin, explica que o ideal é evitar ao máximo o descarte inadequado. Para além disso, o pesquisador evidencia que os efeitos do descarte devem ser mitigados por meio de soluções inovadoras.
Desde 2022, ele coordena projeto de pesquisa focado na superciclagem de rejeitos orgânicos, em parceria com a doutoranda Angélica Kaufmann. O termo significa reaproveitar um resíduo e agregar valor ao material, como no caso das cascas de laranja coletadas no RU, que são usadas para confecção de chocolate. “Aquilo que, na melhor das hipóteses, viraria adubo, se transforma em ingrediente para produção de novos alimentos”, explica Angélica.
O processo de superciclagem acontece por meio de uma impressora 3D, que cria chocolates no formato de animais: um coelho, uma tartaruga e até uma esfinge aos poucos são moldados pela máquina. Depois da impressão, Angélica guarda as figuras em potes de amostra. Cada figura tem um grau diferente de pureza, o que indica a quantidade de casca de laranja que foi utilizada na produção do chocolate.
O objetivo da pesquisa é demonstrar que a food waste – comida jogada fora – pode ser usada para melhorar tanto o sabor quanto a qualidade nutricional de um produto. Isso possibilitará a criação de redes de consumo ambientalmente sustentáveis e economicamente lucrativas.
Inovar é o caminho
A empresa OlivePlus tem como objetivo utilizar o bagaço de azeite de oliva para produzir suplementos alimentares e bioinsumos farmacêuticos. Esse é outro exemplo de superciclagem na UFSM. No mercado da olivicultura, a cada 100kg de azeitonas, apenas 20 litros são transformados em azeite e o restante, 80kg, são bagaço, segundo levantamento da empresa.
A CEO da OlivePlus, Camila Monteiro, explica que a ideia do negócio surgiu durante o mestrado em Tecnologia dos Alimentos, quando ela percebeu que no Brasil não existia nenhuma iniciativa no setor. A startup nasceu na Incubadora Pulsar e iniciou suas atividades em março de 2022 como a primeira empresa do ramo de reaproveitamento de resíduos a operar na universidade. O material utilizado nas pesquisas vêm da indústria de azeite de Recanto Maestro. Por enquanto, a equipe atua no desenvolvimento de extratos alimentares e pretende iniciar estudos no campo farmacêutico. “Além de reaproveitar o resíduo, queremos trazer sustentabilidade e economia circular para a cadeia produtiva”, afirma Camila.
Ela espera que a criação do novo Parque Tecnológico da UFSM auxilie no projeto. O Parque vai sediar o primeiro Laboratório-Oficina voltado para a área de Tecnologia dos Alimentos no Brasil. “A UFSM vai ser uma espécie de cobaia para o resto do país”, brinca Juliano. Ele está empolgado com a ideia de um novo centro de pesquisa que ajude no desenvolvimento de projetos focados na sustentabilidade. Não se trata apenas de pesquisar uma ideia ou de criar um negócio, mas de pensar soluções para o cenário atual. “O alimento é uma pauta de ativismo”, conclui o professor.
Reportagem: Luanna Karoline e Rafael Reis
Contato: karoline.moraes@acad.ufsm.br / rtrdazevedo@gmail.com