Em meio aos livros da biblioteca da Escola Estadual Professora Margarida Lopes, a docente Fabiana Bianchini conta como aborda a diversidade nas escolas. Este tópico é interesse de mais 127 professores que se preocupam em entender como trabalhar questões de gênero por meio do projeto “Diversidade nas Escolas”. O programa, que é desenvolvido na UFSM, busca capacitar docentes, coordenadores pedagógicos e discentes de graduação para um ensino inclusivo sobre diferentes identidades de gênero e de orientações sexuais. Falar sobre a temática tornou-se prioridade para Benhur, Bibiana, Carla, Luci e Carlos, que têm um objetivo em comum: desenvolver formas de tornar a escola inclusiva para todos os estudantes.
Com o assassinato das travestis Carol, Morgana, Mana, Verônica e Selena em cinco meses – entre 2019 e 2020, em Santa Maria -, os movimentos sociais reforçaram a discussão de pautas relacionadas à pluralidade sexual e de gênero e questões que levam à discriminação da população LGBTQIAPN+. Foi nesse contexto que se viu necessário a discussão da diversidade para além das políticas públicas, o que contempla as escolas. Em todo o Brasil, muitos jovens enfrentam a falta de segurança nas escolas: 73% de quem se declara LGBTQIAPN+ das escolas básicas relataram já terem sido agredidos verbalmente. É o que mostra a pesquisa realizada em 2016 pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (ABGLT).
Para o professor do Departamento de Geociências da UFSM e coordenador do projeto, Benhur Pinós da Costa, unir a escola com as políticas que já eram desenvolvidas na cidade era sua prioridade. Ele tirou do papel o “Diversidade nas Escolas” atrelado ao Projeto de Lei 9091/2020, proposto pela vereadora Luci Duartes. “O projeto busca exclusivamente trabalhar o resgate do aluno e da aluna LGBTQIAPN+, para que eles não evadam das escolas”, explica Luci.Na sala da vereadora, há uma parede ocupada pela bandeira LGBTQIAPN+, símbolo da comunidade a que Luci Duartes pertence e defende. Sua atuação pode ser percebida desde os projetos na Câmara de Vereadores de Santa Maria até o ensino básico, em que é professora de Educação Física. “Quando eu era adolescente, muitas vezes tive vontade de desistir e abandonar os estudos pela minha condição sexual e pelo preconceito que eu sofria dentro das escolas”, afirma a vereadora. Experiências de preconceito por parte de professores e colegas motivaram Luci na criação do projeto de lei que ganhou vida com o projeto da UFSM.
Capacitar para acolher
Desde 2009, incluir questões voltadas ao gênero e à diversidade fazem parte da trajetória acadêmica de Benhur. Agora, com as bolsistas Bibiana Irala Gomes e Carla Pizzuti Savian, busca estruturar a terceira edição do projeto para ampliar o alcance no país. Professores de diversas partes do Brasil já participaram das primeiras edições, que discutiram gênero nas escolas. Para Bibiana, a temática precisa ser priorizada pelos professores porque o debate é necessário no âmbito escolar de forma frequente.
A professora sempre esteve envolvida com os movimentos sociais, que a fizeram abrir o olhar para a diversidade. “Comecei a ver os depoimentos que mostram o quanto as pessoas sofrem discriminação desde o ensino fundamental. Por que não tem pessoas transsexuais nas escolas? Porque eles estão praticamente expulsos”, questiona Fabiana. Nas salas de aula não poderia ser diferente: a docente, que leciona há quase 30 anos, busca criar discussões com seus discentes sobre gênero e a comunidade LGBTQIAPN+. “A gente aproxima os estudantes com esses temas para desconstruir a naturalização do preconceito, do racismo e da discriminação – tudo isso que infelizmente faz o Brasil ser um dos países que mais matam pessoas LGBT”, comenta.
Apesar de uma boa recepção com a temática, Fabiana percebe o desconforto dos jovens. Ela ressalta que o debate nas salas de aula é necessário para criar discussões sobre o tema, além de provocar estudantes a pensar sobre diversidades. A preocupação de professores como Fabiana é evidente nas pesquisas que alertam a insegurança do ambiente escolar para pessoas LGBTQIAPN+. Assim, os docentes demonstram que estão preocupados com os futuros dos jovens.
“Se é piada e causa dor nos outros, não é piada, é maldade mesmo”
Fabiana Bianchini
O palestrante no projeto e doutorando em estudos sobre Geografia Queer, Carlos André Gayer Moreira destaca que nas escolas, a pauta LGBTQIAPN+ muitas vezes é silenciada pela falta de conhecimento dos professores. Ele analisa principalmente como os currículos dos cursos de licenciatura de cinco universidades federais do Rio Grande do Sul abordam a causa. “Por mais que se produza conhecimento dentro dessas temáticas na geografia, ele é produzido de uma maneira muito individual por alguns pesquisadores. Isso ainda não está permeando o currículo”, declara.
A aproximação entre universidade e escola ainda não é total, de acordo com os estudos produzidos por Carlos. Muitas das pautas relacionadas à temática da diversidade que circulam pelas instituições federais devem chegar aos espaços escolares de forma mais nítida para o professor. Para Carlos, as universidades têm o dever de dar assistência aos professores. “Normalmente nos espaços escolares há diversas carências e adversidades que só conseguiríamos de alguma maneira sanar ou minimizar as problemáticas se nós tivermos o apoio da Universidade”, enfatiza.
Reportagem: Mariane Machado e Vinícius Maeda
Contato: mariane.machado@acad.ufsm.br / vinicius.maeda@acad.ufsm.br