Embora batalhe diariamente para cuidar dos animais desamparados, o Zelo – vinculado à Pró-Reitoria de Extensão, tem seu foco voltado para a educação, na busca por conscientizar e sensibilizar contra o abandono. Com dificuldades financeiras e poucos voluntários, o projeto permaneceu ativo, até mesmo em meio à pandemia, para atender cães e gatos deixados no campus. Atualmente o foco é lidar com as consequências do isolamento e os novos desafios deixados por ele.
História
O projeto zelo foi idealizado pelo antigo vice-reitor da universidade, Paulo Bayard, em 2014. Médico veterinário por formação, Bayard enxergou a necessidade da formalização de uma iniciativa que assistisse os animais. Assim, uma equipe foi montada e vinculada ao seu gabinete. Em 2017 as atividades foram suspensas devido a desintegração da equipe e o início do segundo mandato do reitor Paulo Burmann, que trazia como vice, o professor de engenharia elétrica, Luciano Schuch. Por não ser da área, Schuch não se sentiu apto para continuar com o projeto vinculado ao seu gabinete. Apenas em agosto de 2018, o Projeto Zelo foi oficialmente lançado como um projeto estratégico – diretamente ligado à Pró-Reitoria de Extensão.
A professora do Colégio Politécnico, Fabiana Stecca, que fazia parte da primeira composição da equipe como representante da unidade, foi convidada para coordenar o Zelo. A professora, docente do departamento há mais de 15 anos, já coordenava um projeto de extensão interno, que buscava recursos para cuidar dos animais que habitavam a área do politécnico – conhecido pela grande concentração, principalmente, de gatos.
O projeto
Sem uma sede física, o projeto não se caracteriza como um abrigo para animais, apenas ajuda aqueles que foram vítimas da adoção irresponsável. A coordenadora do projeto e professora do Colégio Politécnico, Fabiana Stecca, conta que o objetivo é transmitir informação, através de ações com a comunidade, como nas palestras ministradas pelo projeto ou através das mídias sociais – já são quase 6 mil seguidores no Instagram (@zeloufsm).
Porém, os resultados não têm sido tão favoráveis quanto o desejado. De acordo com Fabiana, o número nunca baixa da média de 90 animais dispersos pela universidade. Ainda que, maus tratos e abandono sejam crimes previstos no artigo 32 da Lei Federal N° 9.605 de 1988, e existam câmeras de monitoramento no campus, isso não parece intimidar os infratores. O projeto procura localizar onde os animais são deixados para identificar, através das imagens, o autor do crime e tomar medidas legais. Denúncias podem ser feitas pelo número 181.
Procedimentos
Ao tomar conhecimento de um novo animal no campus, o primeiro protocolo é identificar de onde ele veio e divulgar sua imagem nas redes sociais do zelo – afinal, a primeira hipótese é de que ele possa estar perdido. Fabiana conta que já houveram histórias bem sucedidas em que os adotantes reencontraram seus pets desaparecidos e puderam levá-los de volta ao lar após comprovar a tutoria. Quando ninguém entra em contato dentro das primeiras 24 horas, o animal fica sob a observação da equipe, ao passo que tentam conseguir um lar temporário. Caso não seja possível encontrar uma estadia, o animal fica solto no campus até consultar no Hospital Veterinário Universitário (HVU).
No caso de encontrar animais enfermos ou machucados, o recomendado é entrar em contato com o zelo pelas redes sociais. Fabiana ainda indica que seja tirada uma foto do animal e do local em que ele se encontra; e, se possível, que permaneça no local com o com ele até que alguém da equipe chegue para ajudar no resgate.
O processo de adoção é feito por meio de entrevistas, divididas em etapas para certificar de que o animal terá condições de viver no ambiente oferecido pelo candidato. A coordenadora relatou casos em que o animal foi adotado e devolvido cerca de 24 horas depois, por arrependimento. Dessa forma, a indicação é que sejam feitas visitas prévias para conhecer o pet para evitar situações como essa. O termo de responsabilidade que deve ser assinado pelo adotante, também é uma forma de tentar prevenir atos impulsivos.
Pandemia
Com a pandemia, foram cerca de 30 abandonos de animais doentes. Nesse período, as zoonoses – doenças infecciosas transmissíveis entre animais e pessoas – aumentaram. Segundo Fabiana, animais com essas condições exigem mais cuidados e tratamentos de maior valor, por isso ressalta a expressividade da situação: “Não posso dizer que o abandono só cresceu, ele cresceu e ao mesmo tempo a maneira com que os animais apareceram no campus foi muito mais difícil de controlar”.
A extensão territorial da universidade, a inexistência de abrigos em Santa Maria e a quantidade de animais soltos no campus, tornam difíceis as condições de monitorar as prescrições. Nos últimos dois anos, o número de disponibilização de lares temporários chegou a quase zero, segundo a coordenadora. Os animais são levados às consultas, recebem o diagnóstico e o receituário – que muitas vezes inclui remédios controlados – mas não há como acompanhar o tratamento.
A TAE (Técnico Administrativo em Educação) do Centro de Ciências Naturais e Exatas, Natália Huber, abriu as portas de sua casa para oferecer acolhimento temporário aos bichos cerca de 6 vezes, entre 2019 e 2020. No entanto, é preciso ter a responsabilidade de averiguar as condições de espaço, segurança e disponibilidade de receber o animal. Porém, segundo Natália, as atribuições não devem intimidar, pois é gratificante acompanhar a evolução deles, desde sua chegada até sua recuperação. Além disso, ela acredita que é uma ação indispensável, “se não fizermos isso, além de não terem um lar naquele período delicado, os animais talvez não tenham tratamento.”
Desordem e solidão
A mudança repentina na rotina do campus fez com que os cães e gatos, que já habitavam o espaço antes do isolamento, sentissem um impacto. Fabiana, conta que muitos deles ficaram abatidos sem o movimento do campus e as mudanças em suas próprias rotinas. Com prédios fechados, sem alunos e funcionários, eles perderam suas referências de alimentação e carinho, buscando novos pontos da cidade universitária para se estabelecerem.
Este é o caso do Silveira, cachorro que ganhou o apelido de “Pró-reitor de Assuntos Caninos” e um perfil no Instagram, que possui mais de 2 mil seguidores (@podraodog). Velho conhecido de quem circula pelo campus, ele costumava transitar em busca de carinho ou de uma aula para assistir. Contudo, na maior parte do tempo, ficava entre o Colégio Politécnico, o Centro de Convenções e o prédio 74 do Centro de Ciências Sociais e Humanas.
Silveira sofreu com os impactos da pandemia; sem rumo com a nova realidade, ficou abatido e nem se alimentava mais. Fabiana conta que ele se perdeu no início do isolamento e foi achado pelos arredores do Hospital Universitário (HUSM), onde encontrou uma maior circulação. Apesar de ter grande porte e impor receio para quem não o conhece, Silveira é dócil, adora carinho e estar no meio de pessoas – exatamente o que encontrou no local.
Já na metade de 2020, funcionários do pronto socorro pediram ajuda ao Projeto Zelo, para averiguar questões de saúde do animal, na intenção de torná-lo um residente da unidade. Depois de uma grande campanha, Silveira vive em sua casinha personalizada no pronto atendimento e é muito querido por funcionários e por quem circula por lá. Os motoristas de ambulâncias contam que sempre perguntam “cadê o ‘Silveirinha’?” assim que chegam, porque encontrá-lo pelos arredores já faz parte da rotina.
Pode parecer que a história de Silveira teve um final feliz, mas está longe disso. Há anos ele espera por um lar que possa lhe oferecer tudo que precisa. Silveira e todos os bichos que vivem no campus estão disponíveis para adoção responsável, afinal, a universidade não é um lugar seguro para esses animais. Eles ficam expostos a riscos como: atropelamento, oscilações climáticas, fuga, entre outros fatores. Ainda que a equipe do projeto se dedique para atendê-los, o número de pessoas é baixo em relação à demanda. A coordenadora estima cerca de 20 envolvidos, entre voluntários e bolsistas, para uma quantidade cerca de quatro vezes maior de cães e gatos.
O projeto não recebe financiamento do governo, apenas uma quantia para o pagamento das quatro bolsistas e para alguns repasses ao HVU. Apesar de ser um hospital vinculado à universidade, o hospital veterinário não isenta os custos dos atendimentos nem mesmo ao Zelo. Embora seja especificado na entrevista de adoção que a responsabilidade dos protocolos em relação a saúde do bicho passam a ser do tutor, Fabiana conta que muitos entram em contato depois da adoção na busca de procedimentos gratuitos para os animais.
Como ajudar
Roselaine, estudante de pós-graduação que vive na CEU III da UFSM, se voluntariou ao zelo depois de observar a grande procriação de gatos nos arredores da moradia. Mesmo sem condições de custear alimentação ou castração, ela entrou em contato com o projeto para ajudar de outras formas. Assim, começou a se aproximar das gatas e seus filhotes, na tentativa de alimentá-los e amansá-los para que pudessem ser castrados. Ela conta que passou 2020 nesse processo, que resultou em 18 felinos castrados – todos de forma privada, por conta da pandemia – e adotados. “Agora não tem nenhuma gata aqui correndo pela garagem”, comemora.
Para adotar ou se voluntariar ao projeto, basta entrar em contato pelo Instagram (@zeloufsm). As atividades desenvolvidas pelos voluntários variam entre apadrinhamento, ajuda no transporte de animais ao HVU, atendimento em eventos, entre outras. O auxílio também pode ser feito por meio da doação de ração, sachês e outros mantimentos, que podem ser consultados por meio das redes sociais. As doações em dinheiro são através do pix: fabiana@ufsm.br.
Além disso, o zelo possui um brechó que comercializa roupas, calçados e diversos itens doados, bem como produtos personalizados do projeto para arrecadar fundos aos animais. Chamado de Grife do Zelo, sua sede presencial se localiza na sala D7 do colégio politécnico – é possível consultar os horários ou agendar atendimento através do Instagram (@zeloufsm), para organização da agenda dos voluntários e bolsistas. O brechó também funciona no formato itinerante, com peças expostas em eventos e feiras como a Polifeira, que acontece todas as terças (na Avenida Roraima) e quintas-feiras (ao lado do Planetário da UFSM).
Reportagem: Júlia Weber
Fotos: Gabriel Escobar e Júlia Petenon