Entenda, sob o olhar do pesquisador responsável e de voluntários, os bastidores dos testes da vacina SCB-2019 contra a Covid-19 na UFSM
Em 16 de março de 2020, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) suspendeu as atividades acadêmicas e administrativas presenciais em decorrência da Covid-19, mas não deixou de atuar no combate à doença. Ações foram realizadas em diversas áreas, desde pesquisas sobre o coronavírus até a busca pela conscientização social sobre medidas preventivas. No dia 25 de maio de 2021, a UFSM dispôs, em suas plataformas digitais, o chamamento de voluntários para a realização do teste clínico da vacina SCB-2019, patrocinada pela empresa chinesa Sichuan Clover Biopharmaceuticals.
No dia 16 de abril de 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a testagem da SCB-2019 contra a Covid-19 aqui no Brasil. A vacina em questão é uma proteína recombinante de fusão de trímero da espícula (S) do Sars-CoV-2 co administrada com um adjuvante CpG 1018/Alum em duas doses, com intervalo de 22 dias. A pesquisa está sob a coordenação do médico infectologista Alexandre Vargas Schwarzbold, chefe da Unidade de Pesquisa Clínica (UPC) do Hospital Universitário de Santa Maria – HUSM.
Para ser voluntário nos testes da SCB-2019, também chamada de Clover, as pessoas interessadas tiveram que preencher um formulário e realizar uma inscrição prévia. O estudo foi pensado para ocorrer no formato randomizado, ou seja, um grupo de pessoas seria vacinado e outro receberia um placebo (denominado grupo controle).
O grupo controle, como destaca Schwarzbold, é a denominação para os participantes que receberam um produto que imita a própria vacina: “É um soro fisiológico que utilizamos para comparar com a vacina, porque é desse modo que vamos avaliar a eficácia dela.”. Apenas ao final da pesquisa é que os voluntários saberão se receberam ou não a vacina.
Os testes da vacina Clover ocorrem em três continentes – Ásiático, Europeu e Americano – e por serem em nível global, Schwarzbold informa que: “A vacinação em muitos países é um elemento crítico para que a gente possa, efetivamente, terminar o estudo e mostrar ao mundo uma nova vacina”. O médico conclui que a Clover é elaborada para causar pouca reação adversa, ou seja, espera-se que seja uma vacina muito bem tolerada, até mais do que as atuais, além de ser muito segura e eficaz. Ainda explica que com a tecnologia proteica, a vacina tem dados de eficácia iniciais muito bons e pode ser aplicada em crianças, principalmente por ter poucas reações adversas.
Como apresentado no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação, são vacinadas faixas etárias cada vez mais jovens e esse pode ser um fator problema para a realização dos testes. De acordo com Schwarzbold, ao contrário do estudo da vacina de Oxford, há uma certa dificuldade em encontrar voluntários para os testes da vacina Sichuan Clover Biopharmaceuticals: “É muito difícil achar uma população acima de 30 anos, que não tenha sido vacinado ou que não tenha sido ofertado vacina, portanto eles não se submetem a avaliação”.
O médico infectologista também destaca que além do problema em encontrar voluntários – fase já encerrada da pesquisa -, a atual dificuldade é manter os voluntários no acompanhamento do estudo: “Ao terem acesso à vacina, as pessoas acabam por não participar dos próximos meses de acompanhamento do estudo, sob pena de não estarem protegidos, uma vez que podem ter caído no grupo controle.”.
Na visão de Schwarzbold, ter uma variedade de vacinas em circulação, ou disponíveis para aplicação, é sinônimo de dois grandes impactos: “O primeiro, um aumento da oferta do modo mais rápido possível com a nova vacina e segundo, a possibilidade de termos o que chamamos de imunização heteróloga, ou seja, misturar diferentes vacinas, o que é possível e está sendo estudado.”. O médico infectologista também ressalta que através desses estudos pode-se haver uma resposta imune mais eficaz.
A testagem da vacina SCB-2019 é a quinta pesquisa contra o novo coronavírus autorizada pela Anvisa. Os estudos já aprovados são:
- O ensaio clínico da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a empresa AstraZeneca ocorreu no dia 2 de junho de 2020;
- A vacina da Sinovac Research & Development Co Ltd, em parceria com o Instituto Butantan, foi no dia 3 de julho de 2020;
- O imunizante da Pfizer/BioNTech, aprovado no dia 21 de julho de 2020;
- A vacina da Janssen-Cilag/Johnson, que ocorreu no dia 18 de agosto de 2020.
Atualmente, a pesquisa da Clover está na fase 2 de 3. Nessa etapa, o objetivo é avaliar a sua eficácia, incluindo a capacidade de gerar resposta imune e avaliar a sua segurança. Schwarzbold, o médico responsável pelo estudo na UFSM, relata que não há pressão em produzir o imunizante, mas sim a necessidade de termos estratégias vacinais cada vez mais eficazes, o que justifica o desenvolvimento de qualquer nova vacina. Além disso, o médico ressalta que a Clover é desenvolvida em parceria com a iniciativa Corvex, da Organização Mundial da Saúde, um consórcio entre diversos países que almeja aplicar o imunizante no mundo todo, inclusive naqueles países que têm menores condições econômicas. Com essa expectativa há a possibilidade, com essa vacina, de imunizar um bilhão e meio de pessoas, algo que não teríamos se tivéssemos poucas plataformas e poucas opções de vacinas.
O OLHAR DE VOLUNTÁRIOS NOS TESTES DA VACINA CLOVER
O estudante de Comunicação Social – Jornalismo, José Vitor Goulart Zuccolo, 23 anos, é um dos voluntários da vacina Clover na UFSM. No dia 13 de julho de 2021, depois de saber que havia recebido o placebo, Zuccolo declara que o principal motivo de se candidatar para os testes foi: “A intenção de me imunizar o quanto antes, até porque eu moro com outras pessoas, então seria mais ou menos como tirar um peso das costas de eu ser um transmissor em potencial.”. Após saber que não havia recebido o imunizante, o graduando saiu dos testes da Clover para receber outro imunizante, conforme o plano de vacinação do município em que mora.
O acadêmico acredita que o impacto dos testes da Clover serão positivos: “Se após os estudos tudo ocorrer conforme o esperado, logo a produção dela vai ser rápida, pois a grande maioria da população está ansiosa para ficar imunizada.”. Zuccolo também destaca que pode haver um lado negativo por a vacina Clover ser de origem chinesa: “Por conta da política atual que tem, de certa forma, sido contrária a determinadas coisas vindas da China”. Por fim, o jornalista em formação conclui que o país que desenvolve a vacina não deveria ser levado em conta, e sim se a vacina é eficaz, porque se trata de vidas que podem ser salvas através de uma nova vacina.
Outra participante na pesquisa do imunizante Clover, a estudante de Comunicação Social – Produção Editorial, Camila da Silva de Oliveira, 24 anos, diz que a motivação em participar como voluntária dos estudos da vacina foi pela vontade de ser imunizada e auxiliar na construção da pesquisa. Ela relata ter recebido a primeira dose da vacina no dia 28 de junho de 2021, e assim como Zuccolo, também recebeu o placebo, o que a possibilitou sair dos testes para receber outro imunizante, conforme o plano de vacinação do município em que vive. Oliveira informa o motivo de ter saído dos estudos: “Eu consegui me vacinar através da empresa na qual estagio”. A estudante diz estar mais segura por estar vacinada e enfatiza: “Fico muito feliz com a ciência, com o SUS. Que tenha muito mais investimentos em ambos, pois só a ciência salva”.
Sobre o impacto que a vacina Clover tem socialmente, Oliveira acredita que essa seja mais uma opção válida, pois acarreta em mais doses disponíveis e pode agilizar a vacinação de toda a população brasileira. Por fim, a estudante menciona a segurança dos testes e que o laboratório responsável pela pesquisa é conceituado e confiável.
Mais duas participantes dos testes aceitaram falar sobre o assunto, mas pediram para não ter seus nomes revelados. Uma estudante de pós-graduação, 28 anos, relata que escolheu ser voluntária nos testes, pois queria contribuir com a Ciência e o desenvolvimento de uma vacina em meio à pandemia que estamos vivendo. A pós-graduanda reforça que: “Escolhi ser voluntária para ter a chance de ser imunizada antes, visto que com a minha idade demoraria mais para ser vacinada”.
A outra participante, uma acadêmica de 27 anos, explica o porquê de participar como voluntária dos testes: “Queria contribuir com a pesquisa científica para o desenvolvimento de uma nova vacina, de modo a colaborar para o bem da sociedade”. Ainda explica que, um fator que a levou a ser voluntária, foi a possibilidade de se vacinar antes do período para a sua idade.
O OLHAR DE VOLUNTÁRIOS NOS TESTES DA VACINA DE OXFORD
A jornalista Janaína Wille, 23 anos, detalha que a vontade em contribuir com a ciência foi o primeiro fator que a levou a ser voluntária. Ao dar detalhes de sua participação no estudo, Wille explica que recebeu, em um primeiro momento, o placebo, não a vacina em si. A primeira dose da vacina Oxford-AstraZeneca foi aplicada no dia 22 de fevereiro de 2021 e a segunda dose foi feita no mês de maio de 2021.
Receber a segunda aplicação, conforme menciona Wille: “Foi muito legal e deu um pouco mais de segurança, porque, enquanto jornalista, eu trabalhava toda a pandemia presencialmente, saindo para rua, fazendo reportagens, contando a realidade aqui na cidade pra todo mundo. Não cheguei a trabalhar de casa, não consegui fazer um isolamento por conta da minha profissão”. Embora a aplicação das duas doses tenha trazido segurança, a jornalista destaca que não deixou de seguir os protocolos de prevenção contra a Covid-19: “Segui com o distanciamento, me cuidando, até porque a gente sabe que a vacina tem uma certa eficácia, ela ajuda a diminuir os índices de internações e de mortes.” A jornalista ainda pontua que poderia contrair o vírus, tornar-se uma transmissora e passar para outras pessoas que ainda não se vacinaram.
O jornalista Felipe Backes, 22 anos, é outro participante dos testes. Ele recebeu a primeira dose no dia 19 de outubro de 2020 e a segunda foi aplicada no dia 18 de novembro de 2020. Backes diz que o sentimento de segurança nos testes foi do início ao fim. Ele acredita que a UFSM é uma instituição consolidada e que a AstraZeneca – por ser uma empresa mundial – associada à Universidade de Oxford, foi um combo que gerou confiabilidade para participar do estudo. Em relação aos impactos sociais que os estudos têm socialmente, Backes diz não saber como mensurá-los, mas afirma que: “Tenho total consciência de que o papel do voluntariado impactou para que a vacina estivesse disponível tão cedo pro país, por mais que outras vacinas tivessem sido oferecidas antes ao Brasil.”.
A CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA DA UFSM PARA ALÉM DO ARCO
Dois estudos notórios de vacinas contra a COVID-19 foram feitos na UFSM. Como já mencionado, um deles foi a da vacina Clover, já o outro é associado à farmacêutica britânica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford. Com os estudos almeja-se acelerar o desenvolvimento e a fabricação do imunizante contra a COVID-19.
O responsável pelos testes na UFSM, o professor Alexandre Vargas Schwarzbold, do Departamento de Clínica Médica, ressalta que os estudos, tanto de Oxford quanto da Clover, tiveram financiamento privado. Schwarzbold informa que é a partir de dados concretos produzidos nas universidades que ocorre o financiamento de pesquisas com grande número de pessoas, ou seja, a experiência do centro de pesquisa clínica é um fator central. Exige-se também, uma estrutura laboratorial com equipes de dezenas de pessoas para trabalhar ao mesmo tempo, na UFSM, por exemplo, foram randomizadas em torno de 800 pessoas – mesmo com prazo curto, conclui o professor.
A participação da UFSM em estudos como esses faz com que a instituição ganhe mais visibilidade, credibilidade e possibilita novos caminhos para realizar mais projetos de vacinas, mais parcerias, incentivar a pesquisa, valorizar os profissionais e contribuir para o desenvolvimento da sociedade.
Reportagem: Gustavo Salin Nuh
Contato: salingustavo@gmail.com; @Gustavo_nuh