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Casa do Estudante resiste durante a pandemia



Contando com cerca de 700 moradores, a Casa do Estudante Universitário (CEU) do campus sede da UFSM assistiu o agravamento de desafios de permanência com a chegada do coronavírus: dificuldades de alimentação, adaptação a um novo modelo de ensino, severos cortes orçamentários, problemas financeiros e a angústia de estar sobrevivendo à uma pandemia. Nesse cenário, os residentes tentam diariamente encontrar formas de continuar sua rotina, mesmo com um futuro incerto.

Fotografia horizontal e colorida de um prédio de três pavimentos. A perspectiva é da esquina, com uma paisagem ampla de área externa, que mostra a frente e o lado do prédio. O prédio é na cor branca, desgastado pelo tempo, e possui uma faixa na cor rosa envelhecida passando pelo terceiro pavimento. Em frente ao prédio, uma rua com pavimentação em paralelepípedos, cortada por uma faixa de pedestres elevada que segue pelo lado e vai para trás do prédio. Algumas das janelas estão abertas, outras fechadas; algumas têm ar-condicionado, outras não; a mais próxima da câmera tem algumas roupas penduradas para secar, no primeiro e no segundo pavimento. Na frente do prédio, do outro lado da rua, localizam-se os postes de luz, uma árvore, a grama e alguns tocos de árvores cortadas. Acima do prédio, o céu azul. Alguns carros estão estacionados na rua em frente ao prédio.
Bloco 33 possui apartamentos com duas vagas e banheiro coletivo. Foto: Pedro Souza

Com a chegada de 2020 e de um novo semestre, a UFSM se mobilizou para receber os calouros dos quase 100 cursos de graduação do campus de Camobi, muitos dos quais oriundos de famílias de baixa renda. Entretanto, tudo foi abruptamente interrompido em 16 de março, uma segunda-feira quente, dia em que a universidade suspendeu suas atividades presenciais devido à ameaça da pandemia, o que esvaziou o Campus precocemente. 

As semanas que se seguiram foram marcadas pela incerteza em relação ao vírus e à esperança de um retorno breve. Ainda em março, a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) anunciou o fechamento do Restaurante Universitário (RU) e a criação do Sistema de Saúde da Casa, que visava dar suporte médico aos residentes. Além disso, também orientou que quem pudesse, retornasse para suas cidades de origem, através de um auxílio transporte que custeou as passagens. Nesse contexto, com a saída da maioria dos moradores, a população da moradia estudantil se reduziu a 400, cerca de 17% da sua ocupação normal.

A CEU II abriga normalmente 2000 pessoas e é parte da ampla assistência que a universidade oferece para os discentes em vulnerabilidade social. Através da solicitação do Benefício Socioeconômico (BSE), os estudantes ganham o direito de permanecer na moradia durante toda a sua formação, ter acesso ao Restaurante Universitário e atendimentos médicos de graça, comprar materiais didáticos, benefícios essenciais para sua permanência e êxito no ensino superior.

Apesar da CEU II ser a moradia com o maior número de residentes da UFSM, ela não é a única. No próprio Campus, também se localizam a União Universitária (que acolhia provisoriamente alunos de outras cidades, mas que hoje encontra-se vazia), a CEU III (voltada para a pós-graduação e servidores) e a CEU Indígena. No centro de Santa Maria, por sua vez, localiza-se a CEU I, fundada em 1963, que assiste cerca de 230 acadêmicos. No Campus de Frederico Westphalen, localiza-se a CEU IV e no de Palmeira das Missões, a CEU V.

Com essa gigantesca estrutura, a UFSM se torna referência nacional de assistência estudantil, o que fomenta a permanência e formação de inúmeros novos profissionais a cada ano. Porém, em momentos de crise como o atual, a instituição se vê ameaçada por duros cortes em seu orçamento, o que compromete a qualidade da assistência, justamente no momento em que ela é mais necessária.

Diante desse cenário, a PRAE iniciou, a partir de abril de 2020,o pagamento do auxílio alimentação emergencial para os moradores que permaneceram nas CEUs. No valor de R$ 250,00, a quantia foi criticada, já que a comparação aos gastos regulares denotou incoerências. O subsídio não cobre outras despesas, como o gás de cozinha, e também obriga os ocupantes a se exporem ao vírus pela necessidade de ir aos mercados. Outro problema é que nem todos que permanecem no campus são amparados, o que gera principalmente dificuldades para se alimentar, já que os preços estão maiores.

Infográfico que compara o histórico do valor das refeições no Restaurante Universitário com o valor do auxílio alimentação, simulando qual seria o custo em julho de 2021.

Ainda em março de 2020, através de uma assembleia de  moradores, foi criada a Comissão de Apoio, que representou os universitários em vista da omissão da Diretoria da CEU II. O órgão foi de extrema importância para levar as demandas dos residentes à PRAE e garantir que os direitos básicos fossem garantidos. Além disso, foi responsável, junto do Diretório Central de Estudantes (DCE), por arrecadar cestas básicas aos que não tinham sido contemplados pelo auxílio alimentação. E antes de se encerrar, a Comissão também organizou e realizou eleições para uma nova gestão da Diretoria, que atua desde julho de 2021.

Exatamente um ano antes, quando o Brasil se aproximava da marca de 65 mil vidas perdidas para a covid, a CEU II teve os seus primeiros casos. Em resposta, a PRAE colocou em prática medidas mais rígidas de contenção, através da instrução normativa nº 03/2020, que, dentre outras restrições, impedia o retorno de moradores, hospedagens e pernoites e dava instruções para possíveis infecções. Posteriormente, em setembro, através da instrução normativa nº 04/2020, foram criadas portarias em cada prédio, buscando controlar a circulação de pessoas, medida vigente até o momento.

Entretanto, por necessidades financeiras, psicológicas e até de moradia, muitos discentes precisaram voltar nos últimos meses. Todavia, a disponibilização de um Formulário de Solicitação de Retorno pela PRAE se mostrou um método insuficiente para lidar com a demanda, já que apenas retornos para realização de estágio obrigatório ou bolsas de Pesquisa e Extensão são aprovados. A insatisfação aumentou quando muitos residentes tiveram sua solicitação negada sem uma oportunidade de recurso, já que casos excepcionais são analisados individualmente e os critérios nem sempre são claros. Esse contexto, além de tornar ainda pior a situação dos moradores em vulnerabilidade social, também contribui para situações irregulares.

É o caso de Maria (nome fictício), estudante do curso de Enfermagem, que teve sua solicitação negada em fevereiro. Ela conseguiu uma oportunidade de estágio extracurricular, o que a ajudaria a se sustentar financeiramente, mas mesmo com a aprovação da coordenação do curso, teve sua solicitação negada. Hoje, ela enfrenta dificuldades para se alimentar, pois não é contemplada pelo auxílio alimentação, já que retornou de forma irregular, e está insatisfeita com o tratamento que recebeu. Ela desabafa: “A PRAE não tem a capacidade de se sensibilizar com isso [a necessidade de retorno de alguns moradores], sequer procura ouvir, conversar ou compreender”.

Diante de situações como essa, a Diretoria ressalta que tenta constantemente dialogar com a PRAE, de forma a incluir o máximo de residentes no auxílio, mesmo aqueles que não retornaram de forma regular. Porém, em entrevista, o pró-reitor, Clayton Hillig, aponta os limites orçamentários que impedem que isso aconteça.

REDE e infraestrutura:

Fotografia horizontal de um balanço para crianças em um gramado, com uma perspectiva ampla de área externa. O balanço possui três assentos em madeira, um verde, outro azul e outro amarelo. A estrutura de ferro que sustenta os balanços é multicolorida, com faixas nas cores verde, vermelho, azul e amarelo, desbotadas pelo tempo. Em segundo plano, cinco pequenas árvores com pneus em sua base. Ao fundo, um pequeno prédio, de apenas um pavimento, com paredes na cor bege e duas portas na cor branca. O céu aparece parcialmente, ao fundo, azul e com poucas nuvens. Ao lado e nos fundos da edificação, uma vegetação de médio porte e fechada.
Como algumas mães voltaram para suas cidades de origem, a pracinha também está vazia. Foto: Pedro Souza

Na mesma semana em que as aulas presenciais foram suspensas, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) permitiu a realização das atividades universitárias de forma remota, através do Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE), com aprovação de um novo calendário acadêmico em agosto. O modelo foi desafiador tanto para docentes quanto para discentes, com um entrave extra para os moradores de baixa renda: os desafios de inclusão digital.

A PRAE disponibilizou um auxílio de inclusão digital, em duas modalidades: compra de pacote de internet e aquisição de equipamentos eletrônicos. Entretanto, apenas o segundo ficou disponível aos discentes da CEU II, mesmo que a internet apresente instabilidade constante, quando não fica fora do ar, o que dificulta o acompanhamento e êxito das atividades universitárias.

E esses entraves atingem ainda mais severamente acadêmicos que, além das vulnerabilidades sociais, estão comprometidos com outras responsabilidades, como a maternidade. Para Delta Marlova, 26 anos, discente de Letras, mãe de duas crianças e moradora da CEU, conciliar a maternidade com os estudos é um grande desafio psicológico e financeiro. 

Com os auxílios insuficientes para garantir uma rotina mais tranquila, Marlova mesmo assim entende que a assistência é fundamental para sua sobrevivência e a de seus filhos. Ela afirma: “minha família não tem Internet em casa e nem espaço pra mim e minhas crianças, então se a CEU fechasse eu ficaria realmente sem condições de acompanhar o semestre em REDE e em péssimas condições de moradia”.

O acesso às universidades públicas foi democratizado ao longo da última década, porém, sem políticas de assistência que garantam a permanência, todo o movimento perde sua força. Nesse sentido, em agosto de 2021, com cerca de 700 residentes, a moradia estudantil exibe como nunca a sua importância. Para muitos, ela é seu único lar, um fator decisivo de sobrevivência e muito mais do que isso: um direito conquistado com muita luta e que deve ser defendido integralmente.

A consciência dessa importância reverbera para muito além dos prédios da moradia estudantil, principalmente em um período de crise. Em vista das drásticas diminuições no orçamento da universidade, o reitor, professor Paulo Afonso Burmann, que encerra sua gestão no fim do ano, comenta que será necessária uma reorganização e mobilização da UFSM, de forma a manter a qualidade da assistência. Ele antecipa que, com a crise econômica e sanitária, o número de estudantes que necessitarão de apoio institucional só tende a aumentar.

Novos horizontes:

Fotografia horizontal de uma parada de ônibus. A perspectiva é de cima para baixo, com uma baixa inclinação. No primeiro plano, uma rua pavimentada com paralelepípedos, cortada por uma faixa de pedestres. No segundo plano, a parada, com uma estrutura de ferro e cobertura. Atrás da parada, algumas árvores sem folhas. Ao fundo, mais à esquerda, uma edificação pequena, laranja. Ao fundo, mais à direita, uma edificação maior, na cor branca. O céu aparece parcialmente, azul e com poucas nuvens. É fim de tarde e a paisagem está sombreada.
Um dos locais mais movimentados e disputados do Campus, agora o Paradão encontra-se constantemente vazio. Foto: Pedro Souza

Os desafios seguem por tempo indeterminado. A pandemia gerou um lapso de saídas na CEU, ou seja, menos pessoas concluíram seus cursos, de forma que a oferta de vagas será menor quando as aulas presenciais retornarem. A PRAE também prevê que, com a adoção do Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI), a União Universitária perderá 50 vagas e assistirá apenas 130 discentes. A moradia já possui uma lista de espera desde 2019, o que mostra um problema não recente. E, se a entrada na moradia provisória, que antecede a entrada na CEU, está com uma demanda maior do que consegue lidar, com a diminuição de vagas, isso só tende a se agravar, o que deixará muitos estudantes sem uma residência.

Além disso, a PRAE espera uma demanda por cerca de 1.000 vagas na CEU II, em um cenário que dispõe de apenas 400. Para resolver isso, o Núcleo de Assistência Estudantil planeja um edital de ingresso, que delimita mais o perfil de vulnerabilidade social, fator que prejudicará uma parcela de possíveis novos moradores que não se adequarem ao novo perfil socioeconômico. A Diretoria, por sua vez, trabalha para reorganizar as vagas de cada apartamento, o que garantirá que o máximo de pessoas sejam alocadas.

A moradia estudantil, à parte disso, atualmente passa por diversas adequações. Com isso, alguns apartamentos recebem reformas no sistema elétrico e adequação ao PPCI, visto que alguns blocos têm sua construção datada de quase 50 anos. Além disso, devido ao aumento dos preços dos alimentos, a PRAE também divulgou um acréscimo de 100 reais no auxílio alimentação. A primeira parcela atualizada foi depositada no começo do mês, e os contemplados preveem que ela já fará diferença significativa em sua alimentação. Apesar de ainda estar distante do valor regular e de não garantir três refeições diárias, a quantia se mostra uma oportunidade de desafogo.

A Diretoria, por sua vez, realizou a seleção de novos bolsistas para atuar na Lavanderia e no Brechó, o que auxiliará os moradores que não possuem máquinas próprias e que precisam de novas roupas, principalmente diante das recentes ondas de frio. Para todos os presentes no Campus sede, os serviços são gratuitos e organizados da Casa para a Casa, o que constrói uma rede de apoio mútua.

Ao longo de toda a pandemia, nenhum estudante foi acometido por quadros mais graves de covid-19, o que mostra que a cooperação de toda a comunidade universitária foi eficiente, endossada pelas medidas tomadas pelas lideranças estudantis e pela PRAE. Já que, além da quarentena obrigatória para casos positivos, são distribuídas marmitas diárias, o que garante que o morador tenha condições de cumprir o isolamento.

A UFSM nunca parou, já que atende não só a sociedade acadêmica, mas toda a comunidade de Santa Maria e até além dela. É impossível desligar a UFSM da cidade, e justamente por isso que os moradores da CEU, mesmo que permaneçam aqui apenas durante uma graduação, também são cidadãos santa-marienses e merecem ter seus direitos básicos preservados.

Reportagem: Pedro Vinicius de Souza

Contato: pedro.souza@acad.ufsm.br, @pedrxsouzx

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