As oportunidades proporcionadas por intercâmbios de estudo são diversas, desde a experiência com outro idioma, a convivência em outros contextos culturais e diferentes visões e experiências profissionais relacionadas a área de estudo de cada intercambista. Muitos estudantes sonham com essa oportunidade que envolve alguns meses para decidir, planejar e conversar com familiares e amigos. O processo pré-intercâmbio foi assim com a aluna de Jornalismo Katiana Campeol. Com o auxílio de professores e amigos, o destino escolhido foi a Universidade da Beira Interior, na cidade de Covilhã, no norte de Portugal. No início de fevereiro ela desembarcou para um intercâmbio de seis meses.
Entretanto, algumas semanas depois as notícias sobre um novo vírus começavam a vir da China e apenas 45 dias depois de sua chegada, Katiana embarcava de volta ao Brasil. Ela deixou parte de seus sonhos na Europa: “meus objetivos eram conhecer uma visão diferente sobre alguns conceitos de comunicação que eu gostaria de estudar e também uma forma de crescimento pessoal, com novos desafios”.
De acordo com a SAI (Secretaria de Apoio Internacional) assim como Katiana, outros 51 alunos da UFSM se encontravam em Intercâmbios de estudos quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a pandemia do novo coronavírus. Em meio a diversas incertezas e até mesmo medos, muitos alunos conseguiram regressar ao Brasil antes de as fronteiras serem fechadas, outros, de acordo com a SAI, receberam orientações para buscar a embaixada brasileira mais próxima, mas optaram por permanecer no país em que estavam.
Além de enviar muitos alunos, a UFSM também recebe estudantes de diversas instituições estrangeiras para programas de intercâmbio no Rio Grande do Sul. Ainda segundo a SAI, 16 alunos se encontravam no Brasil quando declarada a pandemia, destes, 8 voltaram para seus países de origem, mas, houve quem preferisse ficar. A uruguaia Rocío Vairo veio para o Brasil em março cursar um semestre de Design Gráfico na UFSM, segundo ela “ pensamos nas opções de voltar para meu país, mas eu prefiro ficar aqui ainda. Como Uruguai é um país perto, não tenho problema, a fronteira agora ta aberta.”
A adaptação a um novo país é sempre um processo complicado, no caso da Katiana, ainda houve a facilitação do idioma, mas outros desafios ainda existiram: “Os primeiros dias foram os mais difíceis, estando sozinha em um lugar completamente diferente, mas me adaptei facilmente, principalmente porque eu morava com outras meninas, também brasileiras.”
A recepção das primeiras notícias
Assim como no caso da Katiana, Rocío afirma que a amizade entre intercambistas foi um fator muito importante para lidar com a situação: “tivemos muito medo, eu ainda tenho. Foi difícil, e muito triste, todas as emoções juntas. Mas nós nos ajudamos, então ninguém esteve sozinho, sempre falamos, e tentamos ficar todos juntos”.
Já a estudante brasileira em Portugal, conta que ela e outros intercambistas ficaram sabendo das primeiras notícias mais preocupantes no início de março, quase um mês depois de terem chegado. “Logo nossas rotinas lá começaram a mudar também, as aulas presenciais foram suspensas, não saíamos na rua a não ser para ir ao mercado e havia um clima de tensão muito grande.”
O sentimento de ter um sonho interrompido é inevitável para esses estudantes que se planejaram por tanto tempo para seus intercâmbios, voltando para seu país de origem ou não, a experiência foi afetada pela pandemia. Katiana voltou para o Brasil 45 dias depois de chegado lá, em fevereiro. Rocío preferiu ficar no Brasil, mas suas expectativas de estudos na UFSM acabaram sendo influenciadas pela pandemia, apesar de ter continuado com aulas remotas, ela afirma que “a pandemia foi muito ruim, porque minha ideia de vir para cá e conhecer gente, conhecer a língua, as aulas principalmente, e isso não pode acontecer agora, só fico em casa.”
Há ainda de se questionar sobre a atuação dos países e suas instituições de educação ao enfrentar a maior crise sanitária do último século, Rocío afirma que professores da Universidade a procuraram para verificar a situação da estudante no Brasil, mas tanto governos Uruguaio e Brasileiro, segundo as entrevistadas, não cumpriram seu papel em buscar e proteger seus cidadãos. Katiana conta que quando começou a pensar a voltar para o Brasil, tentou contato com a embaixada brasileira, que só retornou os emails com mensagens automáticas e apenas semanas após ela ter retornado. Ela lamenta o fato de não ter tido apoio da Embaixada: “Não nos foi dada nenhuma alternativa de acompanhamento ou retorno para o Brasil que não fosse de nossa própria iniciativa ” .
Passados seis meses das primeiras notícias sobre a pandemia do coronavírus no Brasil, o país se encontra no segundo lugar do mundo em números de mortes, atrás apenas dos EUA. As decisões tomadas pelo governo brasileiro são questionadas no mundo científico e político enquanto o vizinho brasileiro, Uruguai, é considerado um exemplo no combate a pandemia com apenas 45 mortes. O respeito às medidas de proteção também se mostraram mais eficazes que no Brasil: “eu senti diferenças sim, no Uruguai a gente tem muito medo e as medidas de precaução são diferentes também”.
A estudante brasileira afirma que em Portugal houve alguns casos de desrespeito às normas estabelecidas, mas logo a maioria da população portuguesa teve consciência da gravidade da situação. “ E essa acho que foi uma das principais diferenças que percebi entre os dois países nessa situação, na credulidade com que os Portugueses recebiam as notícias e seguiam as recomendações para ficar em casa e se proteger, em poucos dias todo o comércio e shoppings estavam fechados, apenas os serviços básicos de farmácia e mercado estavam funcionando.” Já sobre o Brasil ela diz que “ Houve muita preocupação em flexibilizar a abertura de locais públicos, para que a economia não fosse tão afetada, e as interferências políticas em um momento onde a prioridade deveria ser a saúde da população. O Brasil foi um dos últimos países a ser atingido pelo coronavírus e poderia ter se preparado melhor para atuar em defesa da saúde de seus cidadãos, o que, infelizmente, não aconteceu.”
Intercâmbios podem ser realizados por meio de convênio da AUGM (Associação de Universidades Grupo Montevidéu), que integra universidades de Brasil, Uruguai, Chile, Bolívia, Paraguai e Argentina. Além da AUGM, a UFSM possui convênios bilaterais com 33 países na África, Europa e Ásia, além de outros países do continente Americano.
A UFSM está com seus programas de intercâmbios suspensos em 2020 e, segundo a SAI, serão retomados em 2021, já que é necessário avaliar tanto a evolução da pandemia no mundo quanto os debates na própria Universidade sobre a organização do calendário para o próximo ano. Para mais informações sobre os programas acesse o portal da SAI.
Reportagem: Anderson Silveira
Crédito: Arquivo pessoal