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Colação Virtual



As medidas sanitárias de afastamento social decretaram a necessidade de uma adaptação nas cerimônias de formatura nas universidades. Agora, o auditório é a tela do celular ou do computador. Os cumprimentos são virtuais, mas o simbolismo da ocasião e a emoção permanecem.

Desde que fora aprovada para o ingresso na Universidade Federal de Santa Maria em 2014, a estudante Fahena Martins nutria o sonho de uma formatura com toda a pompa. Não era pra menos. Fahena faz parte da Centésima turma de Medicina. Se ingressar no curso mais disputado é uma grande conquista, sonhar obter o diploma numa cerimônia rodeada de amigos, familiares, professores é algo que ajuda a manter o foco nas tarefas e desafios que se apresentam no decorrer da graduação. Entretanto, para a turma de formandos do primeiro semestre de 2020, não seria nada como eles imaginavam.

Fotografia vertical e colorida de duas mulheres de pele branca que se abraçam pela cintura. A mulher na esquerda da imagem tem pele branca, faixa etária de cerca de 20 anos e rosto redondo; tem olhos escuros e sobrancelhas grossas; tem cabelos ondulados, com comprimento abaixo do peito e na cor castanho claro com mechas na cor loiro escuro; sorri amplamente e usa batom nude; veste  toga de formatura e capelo pretos com detalhes em branco no babado ao centro da toga e nas bordas do capelo; e detalhes em verde escuro na faixa da toga na cintura e, no capelo, em detalhe em formato circular, sob um símbolo de cobra dourada; ela está com a mão na cintura. Ao lado, mulher de pele branca e faixa etária em torno de 40 anos; tem rosto redondo, olhos escuros e sobrancelhas grossas; tem cabelos lisos com leve ondulação nas pontas, comprimento no ombro e na cor castanho claro; usa batom nude e sorri amplamente; usa brincos redondos, gargantilha e colar dourados; o colar é longo tem detalhe de franjas no centro; veste casaco de tricot branco, com detalhes de pelinhos em branco e bege na parte central, sobre uma blusa branca. O fundo da imagem é uma parede branca.
Fahena Martins com sua mãe no dia da formatura em Medicina.

Colar grau é uma cerimônia cheia de simbolismos e emoções. Encerra uma etapa importante da vida de jovens e apresenta uma nova fase de desafios profissionais. Para um grupo de estudantes de Medicina fazer parte da turma de formandos número 100 parecia uma distinção única e ainda coincidia com o ano no qual a universidade completa 60 anos da sua fundação. Um vírus novo que começou a se manifestar na China no final de 2019 e depois tomaria o mundo acrescentaria um novo ingrediente à formatura desses estudantes.

Poucos meses depois, no dia 07 de maio, exatamente às 10h 12min e 26seg iniciou a transmissão da primeira formatura online da UFSM. O protocolo teve que ser antecipado e ocorreu num formato inovador. Os formandos da universidade localizada no centro do Rio Grande do Sul estão espalhados por diversas cidades do Brasil, conectados entre si pela internet. A pandemia do Covid-19 e a necessidade de disponibilizar profissionais para ajudar no combate ao coronavírus obrigou os 59 acadêmicos de medicina a anteciparem a formatura em alguns meses. O calendário previa que a formatura devesse ocorrer a partir da metade do ano, após a conclusão do semestre letivo. Para poderem colar grau antecipadamente e obedecer a convocação das autoridades sanitárias, tiveram de correr para concluir as últimas etapas da formação, incluindo aí disciplinas e estágios obrigatórios.

Na sala dos Conselhos, nono andar da Reitoria, espalhados a uma distância segura entre si, as autoridades e professores se fazem presentes à cerimônia. Cada um acompanha e se conecta por um notebook. Fahena Martins, escolhida para ser a oradora da turma e João Felipe Marafiga Brutti, juramentista são os únicos alunos a estarem neste mesmo local e vestem a tradicional toga. A mãe de Fahena lhe acompanha, mas precisa permanecer do lado de fora, vendo o desenrolar da cerimônia pela conexão do celular ou espiando pela porta de vidro da sala onde acontece a enxuta cerimônia.

Fotografia vertical e colorida de uma mulher em pé atrás de uma porta de vidro. Ela tem pele branca, cabelos claros, lisos e na altura do ombro; usa uma máscara branca e veste blusa branca e calça jeans clara; segura um celular nas mãos. Na frente da porta de vidro, duas mesas de tampo branco atrás de uma cadeira com estofado azul; a porta de vidro está ao centro, cercada por parede branca. Acima da porta, uma placa verde com a frase “Saída” e uma flecha que aponta para cima. Na parte superior da imagem, teto branco e duas lâmpadas circulares ligadas.
Mãe da formanda Fahena Martins acompanha a solenidade pelo celular do lado de fora da Sala dos Conselhos na UFSM.

O protocolo assemelha-se ao roteiro tradicional: o Reitor declara aberta a cerimônia, é executado o Hino Nacional. Logo após, o formando João Felipe Marafiga Brutti faz o juramento, ao que os colegas repetem “assim o prometo”. As vozes dos formandos que falam a frase ficam se repetindo por vários segundos, fruto dos atrasos da conexão, mas nada que atrapalhe o evento. Em seguida, um a um, em ordem alfabética, os alunos são chamados e recebem a outorga do professor Arnaldo Teixeira Rodrigues. Naquele momento cada acadêmico torna-se oficialmente médico. Alguns comemoram de forma mais ruidosa e é possível ouvir na transmissão a comemoração dos familiares que os acompanham próximos aos seus computadores.

As irmãs Kelly e Karen Vincenzi são gêmeas. Entraram no curso de Medicina, na mesma universidade, no mesmo ano e se formaram juntas. Karen recebe a diplomação e logo em seguida é a vez da sua irmã Kelly. “Estávamos na mesma sala, cada uma com seu computador, uma do lado da outra, nossos pais também estavam presentes. Foi um dia muito especial, apesar  de ter sido on-line, foi muito emocionante”, conta Karen. Atualmente, as gêmeas seguem caminhos diferentes: Karen, reside em passo Fundo e mantém foco nos estudos para as provas de residência, enquanto Kelly está trabalhando na cidade de Mormaço (RS) com Saúde Familiar e no atendimento aos pacientes com coronavírus.

Fotografia vertical e colorida de duas mulheres de pele branca e na faixa etária de 20 anos. A fotografia enquadra elas da cintura para cima. Em primeiro plano, na direita da imagem, mulher de pele branca e rosto angular; tem olhos castanhos e sobrancelhas arqueadas; cabelos lisos, na altura do ombro e na cor castanho escuro; tem boca grande e usa batom vermelho; veste blusa social de mangas compridas na cor laranja claro. Ao seu lado, na esquerda da imagem, outra mulher: ela é branca e tem rosto angular; tem olhos castanhos e sobrancelhas arqueadas; cabelos lisos, com comprimento na altura do peito e na cor castanho escuro; tem boca grande e usa batom vermelho; veste blusa social de mangas compridas na cor branca; está com o braço direito apoiado sobre uma superfície marrom, ao lado de um celular branco. O fundo da imagem é composto por uma parede verde clara e uma porta aberta com guarnição na cor marrom claro.
Karen Vincenzi (de branco) junto à irmã Kelly Vincenzi em casa no dia da formatura de ambas em Medicina pela UFSM.

Após a chamada nominal de todos novos médicos, é a vez de Fahena fazer seu discurso. Fahena, 24 anos, natural de Santa Cruz do Sul, é a oradora da turma. Ela resume bem o momento que passam: “Não é nada do que nós planejamos. É um momento histórico, assustador e de muita tristeza. E é exatamente por isso que estamos nos formando hoje” diz a jovem médica em sua fala transmitida para um público de 3 mil pessoas. Seus colegas concordam com a cabeça e aplaudem ao final. Ainda antes da formatura, Fahena já fazia estágio no atendimento aos casos suspeitos de Covid-19. Após graduar-se, voltou a residir em Santa Cruz do Sul onde foi contratada para atender no Programa Saúde da Família. O namorado de Fahena, o médico Francisco de Sousa Rio, também colou grau no mesma cerimônia que ela e é mais um que partiu para o mercado de trabalho: atua meio período diretamente no combate ao coronavírus e meio período presta assistência na área da Saúde da Família no município de Venâncio Aires. Há vagas e muita demanda por profissionais nestas áreas e a pandemia imprimiu maior urgência à chegada ao mercado. A centésima turma de medicina da UFSM ajuda a suprir essa necessidade.

Incertezas do “novo normal”

Com a interrupção das atividades presenciais e a proibição de realizar eventos com aglomeração, a formatura à distância através da internet tornou-se a única possibilidade. Outros cursos da UFSM repetiram pela internet o cerimonial inaugurado pela centésima turma da Medicina: Enfermagem, Ciências Contábeis, Agronomia, Técnico em Zootecnia do Colégio Politécnico e, em Frederico Westphalen houve uma cerimônia de colação de grau conjunta que reuniu mais de um curso. Recentemente, também houve formatura pela internet para os cursos de Pedagogia e Medicina Veterinária. A alteração no calendário acadêmico deixa uma expectativa de que a partir de outubro os outros cursos adotem a mesma modalidade. Enquanto durar a adoção dos protocolos sanitários e medidas de segurança coletivas estão proibidas a realização de eventos presenciais como as formaturas. Apenas é possível realizá-las na modalidade videoconferência ou de gabinete com a presença de no máximo dois formandos, conforme explica Instrução Normativa 05/2020 da Pró-Reitoria de Graduação da UFSM. 

A indefinição de datas e de protocolos sanitários implica que os estudantes tenham que tomar decisões importantes. Uma formatura é normalmente um processo programado durante muito tempo e pode envolver agendamento de serviços e fornecedores como produtoras, fotógrafos, restaurantes, entre outros aspectos. A estudante de jornalismo Laura Coelho de Almeida é integrante da comissão de formatura do curso de Jornalismo. Ela ingressou na UFSM em 2017 e deverá se formar  ao final do segundo semestre de 2020. Laura conta que a turma vinha acompanhando com ansiedade o andamento da pandemia e dos protocolos sanitários na esperança de ainda conseguirem fazer uma formatura no formato tradicional. Mas a perspectiva não é muito animadora a medida que o tempo passa. Assim, os formandos tiveram que realizar uma negociação com a produtora que iria fazer os convites, quadros, fotos de pré-formatura e cobertura da colação de grau e alteraram o pacote de fotografias para uma modalidade que contempla apenas fotos pré-formatura, excluindo o pacote de cobertura da cerimônia.

Pensando na realização do sonho de ter uma formatura presencial tradicional, Laura revela que alguns colegas até manifestaram a possibilidade de atrasarem sua formatura por mais um semestre, mas a própria indefinição do que aconteceria mais pra frente e, claro, as perspectivas de ingressarem no mercado de trabalho ou continuar os estudos na pós-graduação parecem ter demovido essa ideia de todos. “Essa é a grande tristeza de todos os formandos. Todos queriam a formatura tradicional e agora não vai ser possível. A gente passa 4 anos esperando por esse momento e quando chega a nossa vez não tem como acontecer, mas é uma coisa que já estou conformada. O importante é concluir a graduação”, completa Laura.

As indefinições que obrigaram a alterar as formaturas para o modelo de videoconferência não são só frustrações. A modalidade online permitiu ampliar o público que assiste à cerimônia. O Centro de Convenções da UFSM, local onde ocorreria a formatura, possui lotação máxima de 1200 pessoas. Na colação de grau da Medicina, muito mais pessoas acompanharam o evento, foram mais de 3 mil espectadores e a cerimônia ainda fica disponível no site Farol da UFSM para quem quiser assistir posteriormente. Um mural permitia a interação virtual do público que mandava mensagens de felicitações. Fahena, a oradora da turma conta que suas amigas organizaram uma live entre elas para acompanhar o evento e que seus familiares, que moram em outros estados, puderam acompanhar a cerimônia. Se fosse presencial, ela relata que muitos não poderiam comparecer. 

Daqueles que concluem um curso no ensino superior, muito antes de imaginar que saiam dominando todos os conteúdos da área, espera-se capacidade de adaptação e vontade de seguir aprendendo e de vencer os desafios da carreira. A pandemia ocasionada pelo Covid-19 colocou à prova a Universidade e seus alunos. Aquilo que é planejado, muitas vezes simplesmente não acontece por um motivo alheio. Foi assim que a formatura por videoconferência roubou o lugar daquilo que Fahena imaginava. No entanto, a exigência de se adaptar e contornar as dificuldades sempre serve de lição: “penso que nós profissionais devemos estar prontos. Eu acho que a pandemia veio para trazer a saúde em voga de novo, que a gente tem que se cuidar. Como ser humano, nós somos frágeis” finaliza a médica.

Reportagem: Rafael Happke

Fotografias: arquivos pessoais e reprodução do site Farol-UFSM

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