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A resistência persiste



No dia 17 de agosto de 2017, descobriu-se pichações de suásticas no Diretório Acadêmico do Direito (DLD). Já em 14 de setembro, tomou-se ciência de novas pichações racistas no mesmo local. Essas ofensas, além de atacarem uma população inteira, foram direcionadas a dois estudantes negros do curso de Direito. Um processo administrativo e um inquérito na Polícia Federal foram iniciados para tentar identificar os responsáveis.

Em 21 de novembro de 2017, encontrou-se mais desenhos de suásticas, dessa vez no Diretório Acadêmico de Ciências Sociais. “Dois meses depois, aconteceu o segundo caso […] nos reunimos novamente, e puxamos uma nova assembleia de estudantes negros da Universidade. Naquele momento nós decidimos fazer um ato na reitoria, que foi no mesmo dia que teve o Consu (Conselho Universitário). A gente fez atos e falas e viu que não teria um diálogo com a instituição, então decidimos pela ocupação”, relata o integrante do coletivo Afronta Robson Daniel da Rosa.

A ocupação no hall da reitoria se estendeu por uma semana, dos dias 24 de novembro de 2017 até 30 do mesmo mês. Conforme Robson Daniel, “Nossa intenção era que a instituição desse um pronunciamento oficial em todas as redes sociais, só que não houve um pronunciamento de fato que falasse ‘nós vamos tentar o máximo possível realizar a pauta de vocês’. O máximo que tivemos foi uma nota da reitoria, falando que sentiam muito. Mas sentir muito não vale, nós precisamos ações concretas – foi por isso que ocupamos, pois não houve diálogo. O reitor disse em um dos dias de ocupação que era uma “ocupação subterrânea”. O máximo que fizeram foi apoiar um evento.”

Entre os estudantes que estavam na ocupação, havia membros de comitês e coletivos pertencentes a movimentos negros. Unidos por lutas e pautas semelhantes, entregaram uma carta de reivindicações ao reitor Paulo Afonso Burmann. Dentre as solicitações, estava a necessidade da implantação de cotas na pós-graduação e um posicionamento mais firme da instituição em relação à prevenção e à punição a quem comete violência racial. Entretanto, segundo membros dos movimentos negros Comitê pela Liberdade do Rafael Braga, Protagonismo Negro, Afronta e Racismo Basta, além de alunos dos diretórios acadêmicos de Ciências Sociais e de Direito, os pedidos não foram atendidos.

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Apesar disso, como conta o membro do Diretório Livre do Direito (DLD) Leonardo da Silva, a partir desses ataques racistas, os movimentos negros ganharam mais visibilidade. “Eles [os alunos mencionados nas pichações] disseram que queriam usar isso para dar um boom na causa, e os movimentos começaram a ganhar visibilidade.”, diz Leonardo. Adriano Cirqueira, também do diretório de Direito, adiciona: “As pessoas negras têm uma união maior desde aquele momento. Eu senti uma força maior”.

Robson Daniel concorda: “em setembro, quando aconteceu o caso no Direito, o Afronta estava um pouco parado. A gente retomou as atividades, começou a fazer debates e movimentações”. Ele explica que os movimentos entendem o racismo como um problema estrutural e, com ataques, foi importante que todos os movimentos se unissem: “a gente se uniu com as vítimas do primeiro caso e com os movimentos, para discutir o que a gente faria. Nesse momento a gente lançou uma nota e foi organizado uma movimentação antirracista, que durou cerca de 10 horas”.

Assim como para o coletivo Afronta, para a membro do Comitê pela Liberdade do Rafael Braga, Victórya Vieira, embora não se tenha conseguido uma conquista plena das reivindicações feitas, a ocupação teve essa conquista importante: a aproximação entre os movimentos. Na avaliação da estudante, o movimento estava muito disperso e com a ocupação houve união: “foi na primeira ocupação negra na UFSM que a gente teve o auxílio um do outro e a gente pôde se enxergar, pôde se unir, pôde estar um do lado do outro. […] O mais importante foi ver que sim, nós estamos juntos. Mostrou que a gente tem força e que não vai ser um caso ou dois de racismo que vai acabar com o movimento ou que vai nos calar”.

Andressa Goulart, do programa da Rádio Universidade entitulado Protagonismo Negro, pondera, pois diz que desde as pichações não há uma mudança no comportamento, mas sim na visibilidade dada para a situação: “Tudo aquilo que aconteceu causou um sentimento de revolta e medo constante. Eu acho que os estudantes negros tinham muito medo de circular na Universidade e fora, pois, toda a situação dá a entender que pode acontecer algo que nos agrida fisicamente ou psicologicamente.”

Já para um dos universitários atacados nas pichações que ocorreram no Diretório Livre do Direito e criador da campanha “Racismo Basta”, Elisandro Ferreira, a ocupação poderia ter um êxito muito maior se todos os estudantes negros se unissem e defendessem juntos as suas pautas: “Tu podias ter 500 negros ali e talvez uns quatro, cinco brancos… eles [administração] vão expulsar 500 negros da Universidade? Expulsem. Expulsem os 500 negros da universidade. ‘Por quê? Os negros invadiram a universidade porque tiveram manifestação racista com os nomes deles lá no diretório livre’. Quem é que está com a razão? Essa ocupação não foi nada desordenado. Não foi nada de vandalismo. Essa ocupação foi um sinal de desespero e de pedido de socorro”.

Elisandro falou também que falta força de vontade da Universidade no que diz respeito a causa racial: “É uma universidade federal, é uma universidade pública, nós negros fazemos parte dessa sociedade, desse público, digamos assim. E hoje, estamos num país que, eu me atrevo a dizer, 75% é negro ou mestiço. Então a universidade pode fazer sim [tomar iniciativas mais incisivas e assegurar apoio concreto]”.

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Segundo dados do IBGE divulgados em dezembro de 2015, mais da metade da população brasileira (54%) é de pretos ou pardos. Infelizmente, a Pró-reitoria de Graduação não respondeu aos diversos pedidos sobre o número de cotistas da UFSM.

Atitudes da Universidade diante da situação

Assim como Elisandro, todos os representantes dos movimentos entrevistados criticaram o comportamento da Universidade diante de suas pautas e problemáticas. Questionada sobre os apontamentos e críticas direcionadas pelos alunos à UFSM e sobre o não cumprimento das reivindicações entregues na ocupação, a assessoria do Gabinete do Reitor refutou as afirmações: “Todas as ações demandadas pelos estudantes foram ou estão sendo implantadas, exceto aquelas de longo prazo que necessitam de toda uma processualidade para serem instauradas”. Uma das ações referenciadas é a criação da Comissão de Acompanhamento e Permanência de Estudantes Negros e Negras da Universidade Federal de Santa Maria, formalizada através da Portaria nº 87.569, de 26 de janeiro de 2018.

Os alunos afirmam que uma das reivindicações, que exigia da reitoria a criação de uma campanha institucional contra o racismo, não aconteceu: “Foi uma iniciativa do Elisandro, teve apoio da Universidade, mas não foi realizado por ela. No máximo tem um banner da campanha “Racismo Basta” no site oficial da UFSM. Mas a gente não acha que campanha acaba com o racismo, e sim que conscientize as pessoas, e por isso nós nos organizamos”, diz Robson Daniel. Os membros do DLD, Adriano e Leonardo, também citam a mesma campanha como exemplo do descaso da universidade: “O Elisandro começou a campanha do “Racismo Basta” e pressionou a reitoria por apoio, não foi algo que a reitoria disse ‘vamos fazer’”, diz Adriano.

Contudo, o Gabinete do Reitor diz que “a campanha “Racismo Basta” foi assumida como campanha institucional pela reitoria, e consta em destaque na página principal do site da UFSM. O Gabinete do Reitor vem dando apoio na impressão de peças gráficas e na realização de diversas ações”. Segundo o Gabinete do Reitor, não foi avaliada necessidade de desenvolver outra campanha com o mesmo objetivo, já que foi considerada que esta atinge o objetivo principal que é “o de conscientizar a todos a sobre a causa, respeitando o protagonismo do povo negro e dando enfoque para seu lugar de fala em um espaço institucional”.

Entretanto, o autor da campanha contesta essa declaração. Segundo Elisandro, “a única vez que eles (reitoria) apoiaram com peças gráficas foi para o seminário do dia 21 e 22 de novembro de 2017. Eles foram três vezes levar a mim e uma colega até a Assembleia em Porto Alegre e não fizeram mais nada”. Para ele, dizer que o objetivo é alcançado apenas pela campanha é errôneo, pois ela não é suficiente para objetivos tão sérios e complexos: “A Universidade não tomou partido. Quem deu a cara a tapa e está tentando fazer alguma coisa somos nós. Sem dinheiro e com algum apoio de fora da UFSM e de alguns sindicatos e simpatizantes desta causa”.

Uma das ações imediatas da reitoria foi a implementação das câmeras no Diretório Acadêmico do Direito, mas os alunos pensam que chegou tarde demais – como relata Leonardo: “A câmera foi bem paliativa. Essa estratégia de vigiar a gente se sabe há muito tempo que não dá certo. Se a Universidade tivesse um suporte para quem sofreu racismo, como um espaço em que os negros pudessem debater, seria outra coisa. […] A câmera vai gravar quem entra e sai da sala. A gente vai punir depois que aconteceu ou vai prevenir?”.

O diretório do Direito abriu uma denúncia no Ministério Público e na Comissão Permanente de Sindicância e Inquérito Administrativo (Copsia), que integrou todos os ataques à mesma denúncia. Em entrevista a essa reportagem, o órgão afirmou que a sindicância administrativa ainda está em investigação e que qualquer especificidade só poderia ser relatada aos envolvidos no caso. Elisandro, uma das vítimas dos ataques, a nosso pedido, também entrou em contato para saber como anda o processo. Contudo, segundo ele, foi dito o mesmo.

No caso das pichações no diretório de Ciências Sociais, a coordenadora do curso de Bacharelado em Ciências Sociais, Janaína Xavier, relata que o apoio aos alunos foi imediato: “A Coordenadora da Licenciatura, Maria Clara, acompanhou os estudantes a Polícia Federal e lá foi feita uma denúncia. No outro dia, tivemos uma reunião com o reitor, que se colocou à disposição para dar os encaminhamentos institucionais para esse tipo de coisa”.

De acordo com a Assessoria do Reitor e alguns entrevistados, dentre eles o universitário alvo de um dos ataques, a Universidade ofereceu apoio psicológico aos estudantes que tiveram seus nomes mencionados nas pichações. Porém, o estudante avalia que não houve um atendimento adequado em razão do despreparo do profissional que o atendeu.  Problemas estruturados na sociedade brasileira não permitem uma compreensão completa dos profissionais, em sua maioria brancos, do impacto que uma ofensa racista pode causar em estudantes negros. “Outra reivindicação inclusive foi psicólogos negros e negras para atender os alunos, pois eles têm uma maior compreensão de racismo. Mesmo sendo branco, que possua uma formação interdisciplinar, que [desenvolva] mais empatia”, explica Leonardo.

Outra reivindicação dos estudantes é a aplicação da lei 10.639/03, conforme o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (2009), que propõe o ensino da cultura afro-brasileira desde o ensino básico até o superior. Ela também não foi plenamente implementada na UFSM e está sendo constantemente requerida pelos estudantes que fazem parte dos movimentos negros.

A política de cotas na pós-graduação é uma das poucas demandas que se encontra em andamento e será encaminhada para aprovação no Conselho Universitário, mas ainda sem previsão de data. O curso de Ciências Sociais também promove eventos que discutem racismo, gênero e ações afirmativas. A ideia desses eventos surgiu nas reuniões para discutir as pichações e o primeiro aconteceu no mês de junho. Além disso, a UFSM realizou, no mesmo mês, um curso de combate ao racismo institucional voltados aos servidores da universidade.

Conforme pesquisa realizada com 40 estudantes negras e negros da UFSM, 25% deles já sofreu algum tipo de violência racial. Dessa porcentagem, 100% não denunciou.

 A Lei

– A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal Estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. De acordo com o código, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

– O crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo:

·                    recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial

·                    impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso

·                     negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros.

O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.

 BASTIDORES

Abordar uma questão como a discriminação racial não é fácil, ainda mais com manifestações racistas ocorrendo há menos de um ano na universidade. Pensamos no tema após nunca mais termos ouvido nada sobre as denúncias realizadas em 2017 – se houve punidos, quais foram as campanhas efetivas da universidade, como anda o desenrolar da denúncia, et

Uma das maiores frustrações, em nosso ponto de vista, foi a resposta da UFSM. A campanha “Racismo Basta”, que pensávamos ser criada pela instituição, na verdade  foi idealizada por um aluno, como revelado na reportagem. (Também não há planos da UFSM criar uma campanha própria, o que foi uma reivindicação na ocupação da reitoria que ocorreu em 2017) Os alunos negros da universidade se sentem desprotegidos e não valorizados, com razão.

Entrevistamos membros do Diretório Acadêmico do Direito (Adriano e Leonardo), onde a primeira pichação racista ocorreu. Como não existe mais uma chapa no Diretório de Ciências Sociais, falamos com Janaína Xavier, coordenadora do curso Bacharelado, pois os membros da antiga chapa não se sentiram confortáveis em conversar. Também falamos com Elisandro, mencionado em uma das pichações, Victórya Ferreira (Movimento pela Liberdade de Rafael Braga), Robson Daniel (integrante do coletivo Afronta) e Andressa Goulart (programa da Rádio Universidade Protagonismo Negro).

Reportagem: Naiady Machado Lima e Poliana Corrêa

 

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