Novos caminhos se abrem para a emissora que completará cinquenta anos de existência em 2018
REPORTAGEM: Rafael Favero; Felipe Backes FOTOGRAFIA: Amanda Xavier e arquivos da Rádio
“É com imensa satisfação que declaro instalada a Rádio da Universidade, neste momento e dentro dos princípios que nortearam nossa atuação ao estabelecermos, no coração do Rio Grande do Sul, a primeira Universidade criada no interior do Brasil”. Desta maneira, o fundador da UFSM, José Mariano da Rocha Filho, inaugurava a Rádio Universidade, no dia 27 de maio de 1968. Estava dado o primeiro passo para uma nova dimensão dentro da entidade. “Destruímos simbolicamente as paredes de nossas salas de aula e os muros de nossa Universidade!” – o discurso de inauguração do reitor foi transmitido ao vivo e deixava evidente a empolgação que a novidade representava para uma instituição que tinha o pioneirismo como uma de suas principais caraterísticas. Hoje, passado quase meio século do ato inicial, a Rádio Universidade busca se reinventar no cumprimento de seus objetivos.
Anos 60: Primeiros Passos
Tudo começou em meados dos anos 60. Para incentivar a tendência entre as universidades brasileiras de estabelecer o ensino à distância, o Governo Federal realizou, em 1966, no Rio de Janeiro, um encontro preparatório para determinar diretrizes e formar profissionais para a instalação de emissoras televisivas universitárias. O escolhido por Mariano da Rocha para participar do evento foi o professor Quintino Oliveira, recém-formado em Medicina Veterinária pela instituição e radialista santa-mariense. “Juntamente com representantes de várias universidades brasileiras, participei desse curso, em que nós aprendemos como ensinar qualquer disciplina pela TV. Nasciam os Cursos à distância”, conta Quintino. Segundo ele, a Universidade já preparava o terreno para a instalação da TV, inclusive com a compra de equipamentos.
Contudo, o Governo Federal na época barrou os projetos e impossibilitou o sonho de uma TV Universitária. Ciente da negativa, o reitor começou a lutar por um canal de rádio. Para auxiliá-lo nesse processo, designou Antonio Abelin para cuidar da parte burocrática, Wilson Aita para a parte técnica e compra de equipamentos e o próprio Quintino Oliveira para estabelecer a programação educativa da emissora.
A inauguração ocorreu no terraço do sexto andar do prédio da então reitoria da Universidade, que se localizava na Rua Floriano Peixoto, no centro de Santa Maria.A solenidade de abertura foi simples, com a leitura do discurso de inauguração pelo reitor-fundador Mariano da Rocha e pelo próprio Quintino Oliveira. O primeiro grupo de radialistas foi escolhido a dedo. “Toda a equipe foi formada por convites para profissionais reconhecidos. Começamos só com profissionais”, relata Quintino.
De início, uma parceria com a Fundação Padre Landell de Moura foi firmada para que a emissora passasse a transmitir aulas que correspondiam ao atual Ensino Médio, uma espécie de curso pré-vestibular no rádio. Ao Centro de Artes e Letras (CAL), coube a execução de programas que tratassem de música erudita. Porém, a linha musical ia além: tocava-se música popular, brasileira ou não. Qualidade era o critério. Como complemento, havia o noticiário da UFSM – local, regional, nacional e internacional.
Anos 70 e 80: uma programação consolidada
Toca discos, trilhas, prefixos e comerciais entravam por cartucheiras. O que os ouvintes recebiam em casa pelo seu aparelho dependia totalmente do operador de áudio. As mixagens, as gravações, a transição da música para a locução; da gravação para o intervalo, enfim, a plástica do som estava nos dedos do técnico, independentes de bits digitais. Assim era o rádio romântico daquela época.
Nem sempre foi possível sintonizar a UFSM nos 800 AM. Até 1976, a emissora operava em 1320 Khz, com uma potência dez vezes menor que a de hoje, um quilowatt. No entanto, o Ministério das Comunicações deliberou uma frequência exclusiva para uso das rádios educativas no Brasil. Assim surgiu os 800 Khz e os 10 quilowatts de potência, marcas que identificam a Rádio Universidade. “Em 800 AM, não somos obrigados a baixar a potência à noite. As outras, que são comerciais, têm que baixar a potência quando chega o pôr do sol. Isso é uma norma. Nós temos um alcance muito maior quando anoitece”, afirma Carlos Roberto Dornelles, responsável técnico e, na época, operador de áudio da Rádio. Além de modificar a frequência, a Rádio Universidade mudou de local. No dia 26 de novembro de 1981, foi transferida para o Campus de Camobi, no décimo andar do prédio da Reitoria, onde permanece até hoje.
Foi nos anos 70 que se originou um dos projetos que mais marcaram os profissionais e os ouvintes da então jovem rádio. O “Era Uma Vez”, comandado pela locutora Maria Elena Martins Mello, foi a única produção infantil para rádio que a cidade já teve. “Até hoje tem gente com 60 anos que fala que era ouvinte do programa. A Maria Helena tinha um fã clube do programa com carteirinha. Foi um programa que marcou demais”, conta Roberto Montagner, radialista da emissora. O Era Uma Vez manteve-se no ar até 1996. Outro programa que marcou os 800 AM foi o “Antes Que a Natureza Morra”, apresentado durante mais de 26 anos por James Pizarro. Segundo uma matéria do Jornal Folha da Manhã, publicada em 1978, o Antes Que a Natureza Morra foi o primeiro no Brasil a pautar assuntos de ecologia através do rádio.
Em 1981, surgiram os programas mais antigos que ainda permanecem na grade da emissora. Em junho daquele ano, começava o Faces do Brasil, protótipo do Informe Cultural, exibido até hoje, às 13h, de segunda à sexta, apresentado por Roberto Montagner. Em outubro de 1981, Sérgio Carvalho gravava o primeiro Radar Esportivo, com entrevistas com Léo Batista e Fernando Vannucci, então da TV Globo, e Ruy Carlos Ostermann, da Rádio Gaúcha. Atualmente, o Radar Esportivo é um projeto de extensão dos Cursos de Comunicação e é produzido e apresentado pelos próprios acadêmicos.
Anos 90: Rádio Escola e a Queda da Torre
Os anos 90 foram marcados por mudanças na Rádio Universidade. O jornalismo começou a fazer parte da programação e passou a dividir espaço com os programas educativos. Foi a partir da gestão da diretora Áurea Evelise Fonseca, de 93 a 97, que a Rádio começou a criar a identidade de programação que possui atualmente. “As manhãs começaram a ser essencialmente jornalísticas e, de preferência, ao vivo. Dessa forma, música só ia ser tocada no final da manhã em um programa jornalístico-cultural, antes de um noticiário ao meio dia e do programa do sindicato”, conta Áurea. Além disso, coberturas de eventos externos também entraram na grade da emissora, como as eleições e os tradicionais festivais nativistas.
Outro fato marcante da época foi o desenvolvimento do projeto Rádio Escola, que passou a incluir os estudantes de Comunicação Social da UFSM na Rádio. Quem assumiu o projeto foi o professor Paulo Roberto Araújo. Sob sua chancela, em 1995, o projeto foi posto em prática. Na época, colocar um estudante no ar, ao vivo, era tido como loucura por professores de outras universidades. “Eles achavam uma ideia absurda, mas eu sempre defendi isso. Eu sempre pensei: se os alunos da área da Saúde têm toda a prática deles dentro do Hospital, em funcionamento, porque na Comunicação não pode ser assim?”. O carro-chefe do projeto era o programa RadioAtivo, que ia ao ar toda quarta-feira, com duas horas de debates sobre os mais variados assuntos. “Quarta-feira era dia de agito na Redação”, relembra Áurea.
A Rádio vivia um de seus melhores momentos, quando um imprevisto aconteceu. Em fevereiro de 1994, a torre de transmissão caiu e deixou a rádio fora do ar por duas semanas. A torre ficava na sede campestre da Associação dos Servidores da UFSM (Assufsm), próximo à BR 392. Devido ao solo extremamente úmido, houve infiltração nas bases de sustentação e a estrutura não conseguiu suportar o peso da torre. Para manter a Rádio no ar durante o tempo em que a nova antena era construída, a solução encontrada foi uma antena horizontal, feita com arames e que restringia o sinal a poucos locais da cidade.
O novo parque de transmissões seria inaugurado apenas em novembro do ano seguinte. A torre, que se localizaria na “área nova” da universidade, continha seis cabos verticais (monopolos) ao redor da estrutura metálica. “Ela se torna uma torre mais grossa e melhora a qualidade do áudio, tem uma resposta de frequência melhor que as outras, com graves melhores e agudos melhores”, explica Dornelles. Essa nova antena, aliada aos dez KW de potência, garante um raio de 200 km de alcance do sinal. “À noite reduz um pouco, mas em compensação aumenta lá na área reflexiva, acima de 300 ou 400 quilômetros”, completa Dornelles.
Já no final da década, iniciou-se o processo de modernização da emissora. Em 1997, chega a tecnologia Minidisk (MD), que substituiu as cartucheiras. Em junho do ano seguinte, a Rádio preencheu todas as horas do dia com programações e, em setembro de 1999, passou a transmitir ao vivo toda a sua programação também via internet – esses eram apenas indícios do que estava por vir.
Anos 2000 : A Era Digital
Os anos 2000 marcaram a informatização da Rádio Universidade: a emissora adquiriu uma moderna mesa de áudio e a transmissão dos programas passou a ser feita por computador. Em 2006, ocorreu a modernização dos microfones e a otimização dos estúdios, com remodelações no espaço físico. Atualmente, “tudo é digital. Não trafega mais áudio pelos fios”, lembra Dornelles. “Os consoles recebem digitalmente, tudo em bits e trafegam em bits, e só se transforma em áudio lá no transmissor. Isso nos oferece uma qualidade muito boa, uma estabilidade muito boa, uma pureza, uma fidelidade”, conclui.
Em termos de equipamento, a Rádio Universidade está muito bem servida. A emissora utiliza o mesmo sistema que grandes rádios do Rio Grande do Sul e do país: “Estamos evoluindo. Eu diria que é a melhor estrutura de Rádio de Santa Maria, sem desmerecer as demais, apenas comparando”, afirma Dornelles.
O Futuro: Uma Rádio FM
No início dos anos 2000, algumas emissoras educativas do Brasil demonstraram interesse em adquirir um espaço em FM. Em 2003, a UFSM enviou um ofício ao Ministério das Comunicações pedindo um canal de rádio, que já havia sido previamente destinado à cidade pela Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel. O pedido foi registrado e só agora, em 2017, o sonho está em vias de se tornar realidade. “Eu imaginei que seria mais rápido, pois como seria uma rádio educativa, sem fins lucrativos, e era a Universidade Federal pedindo, ou seja, era o Governo pedindo para o próprio Governo. Mas era muita burocracia. Era uma briga constante” relata o ex-diretor da Rádio, Celso Franzen.
Agora, 14 anos depois, o prefixo em frequência modulada (FM) será efetivamente implantado. Carlos Roberto Dornelles afirma que 95% do equipamento necessário já está comprado, incluindo um transmissor italiano top de linha no mercado, e que as demais demandas técnicas estarão resolvidas até o final do semestre. Resta ainda a instalação da torre e uma reforma na casa que receberá o equipamento de transmissão, ambos no Morro da Caturrita. Os estúdios já têm lugar definido: o atual estúdio de gravação da Rádio AM será o estúdio principal da FM.
A nova rádio vai operar na frequência 107.9, com 3 KW de potência. O sinal da Rádio Universidade cobrirá melhor Santa Maria. Os morros que as ondas do AM ultrapassam, dessa vez, refletirão as ondas do FM, fazendo com que os ruídos praticamente desapareçam. Vale lembrar que a Universidade irá manter sua rádio no dial do AM, pelo menos por enquanto, já que a migração é uma realidade da qual não se pode fugir. A UFSM ainda estará nos rincões mais longínquos, nos bons e velhos rádios à pilha e estará também cada vez mais perto da sua cidade, nos rádios dos carros e nos celulares.