REPORTAGEM: JÚLIA MAIA E LUCIANA TURCATO
Maria Helenita Nascimento Bernál saiu de casa para estudar em Santa Maria “com a cara e a coragem”. Em meio à música, educação e política (não partidária, ressalta) marcou a história da UFSM durante a Ditadura Militar, quando foi ativista pela moradia feminina na Casa do Estudante. Na infância, em Cachoeira do Sul, Helenita já demonstrava o sonho de ser professora: ao invés de brincar de bonecas, brincava de dar aulas. Em 1979, formada no Magistério, mudou-se para Santa Maria para cursar Educação Artística com habilitação em Música. Os pais a apoiaram, apesar de não terem condições de mantê-la financeiramente. Mesmo assim, Maria persistiu; sabia que o máximo que poderia acontecer era ter que voltar para casa.
Na UFSM, Helenita fazia parte do movimento estudantil, no Grupo Resistência. Esse grupo militava em oposição à reitoria, que na época era favorável à ditadura, e também ao Diretório Central dos Estudantes (DCE), no qual os membros eram escolhidos pela própria reitoria. Os encontros aconteciam sempre em lugares diferentes porque os contrários ao regime precisavam andar “falando de lado e olhando para o chão”.
Nesse tempo, as Casas do Estudante (CEU) I e II, tinham mais de 300 vagas, todas estritamente masculinas devido à maioria dos estudantes serem homens. Para as mulheres, havia a CEUs III e IV, porém cada uma com média de 15 vagas.
Diante deste cenário, o movimento estudantil passou a questionar a desigualdade na forma de acesso à Casa de Estudante. Em 1981, em acordo com a Diretoria da Casa, Maria Helenita – que já morava na CEU IV por não ter condições de manter uma moradia-, Jurema Zago e Elenizia Rossato ocuparam um dos quartos da CEU II com o propósito de iniciar um processo de moradia mista. Maria acredita que a reitoria não tentou impedi-las porque acreditava que não teriam coragem de continuar. Mas tiveram!
Poucos meses depois, a Diretoria da Casa propôs que houvesse também a ocupação da CEU II. Por motivos diversos, Maria Helenita foi a única que continuou no processo, então convidou a amiga Jussara Wolker para ir com ela. Antes disso, garantiu que outras mulheres ocupassem as vagas da CEU I, para dar continuidade à ocupação.
O apartamento ocupado por Maria Helenita e Jussara na CEU II foi o 1306. Possuía vagas para cinco pessoas e, em pouco tempo, todas foram preenchidas. No final daquele ano, outros ficaram vazios, e outras mulheres tiveram acesso à moradia. Isso garantiu a ampliação da ocupação, de forma que, mesmo sendo contrária, a reitoria não tinha mais como impedir.
A história de Helenita comprova que ela sempre agiu criticamente de acordo com os ideais que defende, e ensinou isso a seus filhos e alunos. Mesmo assim, nunca tratou com desrespeito quem se posiciona de maneira diferente.
Atualmente está aposentada como educadora musical, mas não pensa em parar. Continuou estudando música e, no final deste ano, completa sua segunda graduação: Bacharelado em Musicoterapia. Ainda pretende fazer mestrado e dar aulas até o fim de sua vida.
Hoje, aos 58 anos, Maria Helenita vive na sua cidade natal com o marido, que inclusive conheceu no tempo da faculdade, e que morava no bloco 12, ao lado do dela. Conta que é extremamente compensador saber que sua luta contribuiu para que as mulheres e homens tivessem os mesmos direitos de moradia na UFSM.
BASTIDORES
O interesse em retratar o perfil de Maria Helenita Nascimento Bernál se deu devido a importante contribuição desempenhada por ela na conquista da moradia mista na Casa do Estudante Universitário. Sua luta contribuiu para que o número de vagas femininas aumentasse e se tornasse institucionalizado.
Entramos em contato por telefone e marcamos uma data para a entrevista. De sua cidade, Cachoeira do Sul, Maria viajou para Santa Maria para que pudéssemos entrevistá-la pessoalmente. Em nossa conversa informal permeada por risadas e boas histórias descobrimos uma mulher sensacional.
Em nossa entrevista, Maria Helenita respondeu com muita simpatia e bom humor a todas as perguntas que fizemos. Recolhemos muitos dados e histórias riquíssimas. Infelizmente, no momento de construção do texto, alguns desses fatos precisaram ficar de fora, pelo pouco espaço que possuíamos.
Após a entrevista, realizada no Campus da UFSM, propomos para Maria Helenita visitar o quarto 1306, no bloco 13, apartamento que ela lembrava com muito carinho durante nossa conversa. Pedimos licença aos atuais moradores para que ela pudesse ver como está atualmente o quarto que ocupou anos atrás. Proporcionar esse reencontro foi uma experiência muito gratificante para nós.
Realizar este perfil foi muito compensador, visto que tivemos a oportunidade de conhecer a história da ocupação feminina que até então era desconhecida por nós, pelo fato de existirem poucos registros sobre o fato. Além disso, conhecer um pouco sobre a vida de uma mulher corajosa que sempre lutou pelos seus direitos e daqueles que precisavam.
Agradecemos a participação de nossa perfilada, que foi muito atenciosa em todos os momentos, bem como sua disponibilidade em locomover-se até o campus da UFSM e nos permitir entender melhor a importância do movimento estudantil e, principalmente, da luta feminina