REPORTAGEM: PAOLA BRUM E TAÍSA MEDEIROS
“No dia que vim para a UFSM, me disseram que eu seria encaminhada para as casas do Centro de Eventos. Eu nem sabia o que era. Peguei a chave e me disseram -vai lá dar uma olhada, vê se tu gosta do espaço porque teve gente que não gostou e foi alugar apartamento- Aí eu disse a ela que nem precisava olhar porque eu não tinha onde ficar. Respondi: -Eu tenho que ficar em qualquer lugar que vocês me derem-” Este é o relato da aluna de Ciências Sociais, Alexia Donida, mas poderia ser o de vários outros ingressantes.
Quem necessita de moradia estudantil enfrenta alguns obstáculos para consegui-la, principalmente no início de 2016, ano atípico para a universidade. Pela primeira vez na história da UFSM, foram preenchidas 96% das vagas disponíveis, contra a média de 70% até 2014. São quase 600 pessoas a mais, segundo dados da Pró-reitoria de Graduação (Prograd).
Tal índice de preenchimento se deve ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), adotado pela UFSM como forma de ingresso no último ano, em substituição ao Vestibular. Essa marca é vista como um sucesso para a instituição, pois ter quase a totalidade das vagas ocupadas é positivo por ter seu acesso ampliado. No entanto, enquanto o número total de alunos aumenta, proporcionalmente, a quantidade dos que necessitam de assistência estudantil também cresce, e a universidade não se preparou a tempo para atender a essa demanda. Isso causou, no começo do ano, a superlotação da Casa do Estudante Universitário (CEU) e, por conseguinte, da União Universitária. Com isso, muitos chegaram à UFSM e se depararam com a escassez de vagas.
Segundo o representante do DCE, Mateus Klein, havia muita gente sem ter onde morar, que pedia solução à Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae). “Não tinha mais alojamento, o DCE da UFSM e a diretoria da Casa do Estudante estavam lá para resolver esse problema. A proposta da reitoria foi alugar casas em Camobi para acomodar essas pessoas. Só que elas vêm de fora de Santa Maria e até do estado, não conhecem a cidade”, comenta Mateus. A solução encontrada para resolver rapidamente o problema foi hospedar estes estudantes em casas da parceria público-privada no Centro de Eventos (CE) da UFSM provisoriamente, enquanto aguardam vaga na CEU e União.
Fotografia: Mirella Joels
Atualmente, são quatro casas ocupadas no CE com cerca de 10 pessoas cada uma, que dividem o mesmo quarto. No entanto, esse número já foi maior: na casa ocupada por Alexia, já chegaram a morar 18 universitários no começo do ano. Hoje moram mais três junto com ela. O número diminuiu bastante porque algumas tiveram o Beneficio Socioeconômico confirmado e conseguiram vaga na CEU, outras preferiram alugar um apartamento ou se mudaram para a União.
A moradia para pessoas com baixa renda é um direito, previsto no Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), o qual tem como objetivo viabilizar a igualdade de oportunidades e a melhoria no desempenho acadêmico. A Prae segue as diretrizes desse plano através do Benefício Socioecônomico (BSE) destinado aos estudantes cuja renda familiar é de até 1,5 salário por pessoa. Aqueles que possuem o benefício têm direito a morar na Casa se vêm de outra cidade, desconto no Restaurante Universitário (RU), auxílio transporte e compra de material pedagógico. Para adquirir, é preciso comprovar a renda através da avaliação econômica da documentação do aluno e análise social feita por assistentes sociais. Normalmente, o benefício pode demorar alguns meses para ficar ativo pela falta de documentos ou a não aprovação em um primeiro momento. Para abrigar os alunos que se encontram nessa situação, existe a União, localizada em cima do RU, a qual serve de alojamento provisório para até 200 pessoas que aguardam o BSE ou já o possuem, mas aguardam uma vaga na Casa.
No início do ano, a União chegou a abrigar mais de 200 estudantes e ficou superlotada. Atualmente, segundo dados da Prae, há, em média, 100 vagas disponíveis. Porém, grande parte prefere permanecer no CE enquanto aguarda lugar na Casa. Constatada a existência de vaga, surge um novo obstáculo: ser aprovado na entrevista com o morador do quarto. “Lá eles fazem uma entrevista pra ver se tu se adequa ao apartamento. Quem não se adequa vai ficando, tem gente que chega a estar há um ano na União. Tu percebe que ou é negro ou homossexual, ou mais pobre, ou trans. As minorias são muito rejeitadas”, desabafa Alexia. Segundo a representante da diretoria da CEU, Bruna Klein, a estratégia da entrevista faz com que a escolha seja feita por afinidade. Aqueles que são rejeitados, posteriormente, passam por um sorteio que acontece a cada 15 dias. Quem possui o BSE há mais tempo tem preferência.
Também moradora da Casa, Bruna comenta que foi um choque a quantidade de pessoas em busca de moradia no início do semestre. Segundo ela, a procura dobrou. “A gente esperava que fosse vir mais gente, mas não tanto. E ao mesmo tempo deu muita raiva porque a reitoria já havia sido avisada disso, vínhamos alertando eles que a demanda seria muito maior, mas não fizeram nada”, comenta.
Acumula-se ainda a demanda que virá no início do segundo semestre de 2016. Novas vagas serão abertas para os inscritos no Sisu, e, concomitantemente, mais alunos precisarão de assistência estudantil, principalmente no quesito moradia. Para evitar esses problemas, é preciso que se pense em alternativas para abrigar todos os estudantes em situação de vulnerabilidade social. Segundo a pró-reitora adjunta de Assuntos Estudantis, Jane Dalla Corte, a universidade está preparada. Uma casa foi alugada no bairro Camobi com espaço para acomodar 50 pessoas.
Para o representante do DCE, Mateus Klein, o aluguel não é a melhor alternativa uma vez que outros campi da UFSM já usam a estratégia de concessão de bolsas auxílio-moradia. Mateus ressalta que este tipo de benefício auxilia na especulação imobiliária e aumenta a média de preço dos aluguéis nas cidades. “Para o DCE essa não é a política mais correta. A mais correta é a moradia na universidade”, afirma o estudante de Relações Públicas.
Além disso, seguem as obras para a construção de novas moradias para os estudantes nos diversos campi. Serão mais três blocos da CEU no Campus, com capacidade para 62 moradores cada, e uma Casa do Estudante Indígena com espaço para 94 universitários. Em Palmeira das Missões e em Frederico Westphalen serão criadas mais 36. Já em Cachoeira do Sul haverá um bloco com 90 vagas. “A gente está fazendo um investimento muito grande em moradia para poder receber esses estudantes” comenta a pró-reitora.
A previsão de conclusão das obras em Santa Maria é para 2017. No entanto, é preciso levar em conta os cortes de gastos anunciados pelo reitor, que subtraem cerca de R$ 57 milhões do orçamento da universidade. A diretoria da CEU se preocupa com a possibilidade desses cortes resultarem no atraso das obras: “Não faço ideia do que vai acontecer, mas espero que continue se não o pessoal não vai ter onde morar, e ano que vem chega mais gente”, ressalta Bruna.
Apesar da moradia estudantil ser a única alternativa para muitos se manterem na UFSM, as condições dos locais, muitas vezes, limitam o desenvolvimento acadêmico. A principal dificuldade é encontrar um lugar sossegado para estudar e descansar. Essas atividades, essenciais para um bom desempenho, são quase impossíveis quando cerca de dez estudantes dividem o mesmo quarto, como é o caso de quem mora no CE. Alguns adaptam sua rotina para não serem prejudicados e passam o mínimo de tempo possível em casa: “Se eu chego durante o dia, fico estudando e de noite tenho aula. Chego em casa às 23 horas, deito na minha cama, coloco uma música e nem me estresso”, detalha Alexia Donida. Porém, quando tem festa no CE, sai de casa por causa do barulho.
Mesmo que a UFSM seja referência nas iniciativas de assistência estudantil, quem é contemplado pelo Benefício socioeconômico deve estar consciente de seus direitos e cobrar pela execução deles. Mais do que apenas um teto, um estudante precisa de um lugar que o acolha justamente para o propósito a que veio: formar-se como cidadão crítico e profissional capacitado.
Relato de Apuração
Após diversos debates em sala de aula, concluímos que a moradia estudantil era um assunto que precisava ser discutido, por mais complicado e amplo que fosse. Falar desse direito dos estudantes é, também, honrar a oportunidade de estar no ensino superior. No entanto, para uma formação acadêmica efetiva é preciso que se ofereça condições adequadas para a permanência dos alunos. Questionar, lutar, pesquisar e debater são atitudes que devem ser tomadas quando não são assegurados os direitos.
A partir de conversas com alunos, funcionários e responsáveis pela habitação, percebemos uma universidade que tem muito a evoluir no quesito, com lacunas principalmente no que tange a melhoria da União Estudantil e nos apartamentos das Casa do Estudante. É com esse intuito que queremos mostrar essa realidade, para que algo seja feito.