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A casa dos estudantes também é das mães



Kauane Müller – kauanemuller@yahoo.com.br
Nathalie Martins – nathalie.am@hotmail.com

Na casa do estudante universitário há doze mães que lutam pelo direito de morar com seus filhos.

 

Vidas que se completam

Helena Silva Oliveira mora na Casa do Estudante Universitário desde 2011. Rafaela nasceu em 2013. A gravidez foi a surpresa que aquele ano preparava para a estudante de Agronomia, agora com 21 anos. Naquele momento, o medo e as dúvidas assustaram a jovem mulher que planejava fazer a graduação.

Quando Rafaela nasceu, Helena não sabia se as duas poderiam morar sozinhas em um apartamento da Casa. Apesar disso, a grande dúvida da mãe era se ela precisaria trancar o curso ou se poderia continuar estudando, mesmo com a filha pequena. O susto inicial diminuiu após uma conversa com a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis: o curso não teria que esperar, Rafaela ocuparia uma vaga na Casa do Estudante e as duas poderiam dividir um apartamento.

Mas ainda havia outros medos: o terror de não ter uma relação estável e de muito tempo estar junto, mas não ser um namoro. A tranquilidade veio com o pai de Rafaela, com o tempo e a construção de uma relação de amizade e parceria, que tem tudo a ver com as responsabilidades com a filha, divididas entre os dois: as despesas, o cuidado e o tempo que Rafaela passa com cada um.

E teve a família: “Meus pais queriam levá-la, mas eu consegui um voto de confiança para que ela ficasse comigo, que eu ia dar conta aqui”. Com a ajuda de muitos, Helena está conseguindo cuidar da pequena. Quando sua filha nasceu, a bisavó da menina permaneceu com elas na Casa porque Helena não podia ficar sozinha e nem fazer muito esforço. Os padrinhos da menina são estudantes e também moram na Casa. Cuidar de Rafaela é uma tarefa que eles cumprem quando a mãe e o pai têm algum compromisso.

Helena não encontrou impedimento nem com a permanência dela e da filha na Casa, nem em relação ao auxílio-creche. O valor paga metade do que é gasto com a escolinha de educação infantil que a menina frequenta desde os três meses. O pai completa a mensalidade da creche e a mãe custeia os gastos com a alimentação. Tem também o pediatra, pois Rafaela já teve convulsão duas vezes e precisou de atendimento imediato. É um gasto extra com médico particular, mas a escolha dessa opção foi pela segurança no atendimento, que não é oferecida quando se procura o posto de saúde, segundo Helena.

Sobre a dupla rotina, Helena conta que as funções de mãe e estudante se completam. “Tenho que levar ela para a escola porque eu preciso ir para a aula. Se estou na aula, tenho que fazer as minhas coisas porque preciso buscá-la depois. Não posso parar muito, mas estou dando conta. Uma coisa vai completando a outra”, afirma.

Pelo direito de ser mãe

“Quando eu vim com ela para Santa Maria, vim com uma mão na frente e outra atrás, eu não tinha nada, não tinha ninguém para me ajudar. Já tinha ganhado fraldas e roupinhas, mas precisava de gente para ajudar nos primeiros meses. Isso eu não tinha”. É assim que começa a história da pequena Nastácia, filha de Melissa Fernanda Copetti, 26 anos, aluna de Filosofia da UFSM e moradora da Casa do Estudante Universitário.

Melissa também é mãe de Edgar, que nasceu em 2006, quando ela já morava na Casa para cursar o ensino médio no Colégio Politécnico. A história de uma mulher, mãe e estudante se mistura com a história de seus filhos. É assim que a narrativa de Melissa é percebida por quem a ouve, enquanto ela, à vontade, amamenta a pequena Nastácia.

Aos 17 anos, Melissa não sabia que podia enfrentar a decisão da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), quando não foi permitido que ela morasse com o filho pequeno. Embora, nessa época, outras mães já morassem com seus filhos e filhas na Casa sem o conhecimento da instituição, o medo de que elas fossem expulsas fez com que Melissa baixasse a cabeça. A luta veio depois, quando algumas mulheres passaram a reivindicar o direito de morarem com suas crianças, concedido a partir de 2009.

Edgar foi morar com a bisavó e, aos seis anos, com o pai, com quem deve ficar até a formatura de Melissa. “Eu faço licenciatura e bacharelado, então já demoraria um pouco mais para me formar, mas tive que atrasar a faculdade porque a Nastácia veio de surpresa. Quando Edgar nasceu, eu estava em um relacionamento e engravidei, mas, dessa vez, desde o início, eu sabia que o pai biológico dela não assumiria. Ele foi embora da cidade, nunca mais veio falar comigo”, relata.

A luta das mulheres pelo direito de morar com seus filhos trouxe resultado: a PRAE, que antes alegava que a Casa do Estudante não era lugar para criança, agora não apenas permite a moradia, como ajuda a mantê-la. A mesma assistente social que disse à Melissa que ela não podia morar com Edgar levou um carrinho de bebê para sua filha e conseguiu os documentos para que elas ganhassem uma geladeira, que Melissa só passou a ter depois do nascimento da menina. Agora ela sabe que não precisa mais se intimidar.

Melissa e Nastácia vivem com o valor do auxílio-creche desde que a pequena tinha um mês. Quando completou um ano de idade, passou a ter um pai legalmente, que cuidava dela no Ateliê Casa 9, enquanto a mãe fazia estágio. Ele não mora em Santa Maria, mas, quando está na cidade, fica com a menina para que Melissa possa ir às aulas. Nastácia não frequenta uma escolinha, porque não há dinheiro. O auxílio recebido não paga um turno em uma creche privada. A mãe também não trabalha, pois não tem onde deixar a filha.

Melissa forma-se neste ano em Filosofia – bacharelado e licenciatura, mas não tem certeza sobre o que vai fazer depois. Talvez ela faça um curso de pós- -graduação, mas precisa ser em uma universidade que assegure sua moradia e a de seus filhos, além de garantir escolinha para Nastácia. A UFSM, por enquanto, não é este lugar.

 

PRAE garante moradia a filhos de estudantes

Para entender como funciona a garantia da permanência das mães e pais estudantes e de seus filhos e filhas, conversamos com o pró-reitor de Assuntos Estudantis João Batista Dias de Paiva.

.TXT – Quais são os direitos que uma mãe estudante tem como moradora da Casa?

Paiva – O artigo segundo da resolução 025/2014 regulamenta que a moradia estudantil PRAE UFSM é um direito do estudante, incluído no Programa de Benefício Socioeconômico da PRAE. Ele pode ser extensivo a filhos menores de 12 anos, em que se enquadra a definição de criança, cuja necessidade deve ser comprovada por meio de parecer social feito pela PRAE. Isso é um direito assegurado pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Não há como fechar os olhos para isso.

.TXT – Como uma estudante que vai ter um filho deve proceder?

Paiva – Ela deve procurar a assistente social da PRAE para receber a orientação pertinente. O objetivo da resolução é justamente acolher as crianças que já estão lá e acolher estudantes que chegam grávidas à universidade e que tenham direito de morar na Casa.

.TXT– Existe algum auxílio da Universidade quanto à creche?

Paiva – Uma vez definida a necessidade de a criança permanecer com a mãe, a Universidade provê um auxílio-creche. Para receber o auxílio, tem que ser moradora da Casa do Estudante, preenchendo todos os requisitos legais, ou seja, a questão da vulnerabilidade social. O auxílio é concedido para a criança. Então, se mora, por exemplo, você e o seu namorado, e os dois têm uma criança, ela recebe um auxílio. Assim como, se você mora sozinha e tem uma criança, a criança recebe um auxílio-creche, pois ele é concedido para a criança, não para os pais. Nós não concedemos o auxílio-creche indiscriminadamente. As pessoas têm que comprovar que se inscreveram e que não conseguiram vaga, pois pagamos o auxílio para as crianças que estão em excedente da rede pública municipal. Esse auxílio é equivalente a uma e meia bolsa PRAE, o que corresponde a R$375,00 para cada criança, baseado no princípio de que a escola é um direito da criança.

.TXT – E a alimentação dessas crianças? Elas podem comer no restaurante universitário?

Paiva – Se as crianças podem estar junto das mães, certamente elas podem levá-las onde quiserem, até mesmo dentro da sala de aula. Uma criança nessa idade come colheradas do prato da mãe mesmo, então nós nunca pensamos em evitar a entrada dos bebês no Restaurante. Se for formalizar é um processo enorme, então não é algo que seja considerável do ponto de vista quantitativo, nem do ponto de vista do custo da comida que essas crianças comem. De fato, nós nunca discutimos essa questão.

 

Bastidores.TXT

A editoria de entrevista contava, em sua estrutura, com uma entrevista de caráter institucional, que ocupava duas páginas, e essa era a ideia inicial para se desenvolver a pauta das mães que moram na Casa do Estudante Universitário da UFSM. A entrevista seria, então, centrada na figura do pró-reitor de assuntos estudantis. Para humanizar o relato, porém, conversaríamos com quatro mães e, em uma página, transcreveríamos as respostas de duas perguntas feitas a cada uma delas.

Durante a apuração, conhecemos Helena e Melissa, as mães que aparecem na matéria. As histórias delas e das suas crianças nos emocionaram muito. Elas – e as outras dez mães que moram na Casa – são mulheres e estudantes como nós e querem a garantia do direito de morar com os seus filhos.  Distantes da objetividade no relato, cobrada no texto jornalístico, optamos por nos aproximar da vida dessas mães: nos envolvemos com as suas histórias, passamos a problematizar, nos nossos círculos cotidianos, as pautas que elas nos trouxeram e, mais do que isso, escrevemos sentindo cada palavra, nos colocamos no texto. Para que isso acontecesse, optamos, junto com a professora, por mudar a estrutura da editoria e escrever, além da entrevista com o pró-reitor, um perfil para cada mãe. O mais importante foi a visibilidade e a oportunidade de falar sobre essas mulheres de forma sensível e humana.

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