Sete anos de história dedicados à preservação da cultura riograndense

Jéssica Ribeiro – ribeirojessica77@gmail.com
Kelem Freitas Duarte – kelemdf@gmail.com

Criado em 22 de novembro de 2005, o Departamento de Tradições Gaúchas (DTG) Noel Guarany surgiu como projeto de extensão do Centro de Ciências Rurais (CCR), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Com o interesse de acadêmicos de outros Centros da Universidade, o DTG abriu as portas para alunos de toda a Instituição. Durante quase oito anos de atuação, o Departamento expandiu-se dentro e fora da Universidade. Aberto a toda comunidade, hoje ele conta com cerca de 200 sócios e aproximadamente 40 alunos que participam das atividades promovidas.

Desde 2009, quando foi filiado ao Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) como entidade estudantil plena, o DTG coleciona destaques no cenário da 13ª Região Tradicionalista. Além da filiação, houve ainda nesse mesmo ano, a conquista do primeiro lugar no Desfile Farroupilha Temático de Santa Maria, a participação no Encontro de Folclore da Argentina e na final do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart). O ano de 2013 também representa um ano importante para o DTG, visto que a construção da nova sede tem previsão de ser concluída ainda este ano. Atualmente, o Departamento está localizado no Prédio 43 do CCR, mas, com a conclusão das obras, o espaço será transferido para a antiga Casa do Veterinário, no Centro de Eventos da UFSM. No entanto, o escritório do Departamento continuará nas dependências do CCR.

Para a elaboração das atividades, o DTG é dividido em três departamentos: artístico, campeiro e cultural. O departamento artístico fica responsável pela invernada de danças, o que inclui grade de ensaios e apresentações em eventos e concursos. O campeiro organiza rodeios com provas de lidas de campo, como é o caso dos torneios de tiro de laço. O cultural, por sua vez, agrega os demais departamentos e organiza eventos que promovem temáticas sociais e culturais para a comunidade em geral, com o intuito de dar visibilidade ao nome do DTG. Além disso, esse departamento também é responsável pelas prendas e peões. Em sua história, três prendas e um peão do DTG conquistaram títulos regionais.

O DTG Noel Guarany também tem se destacado em âmbito estadual no meio tradicionalista. Neste ano, o Peão Farroupilha Rafael Silva conquistou o 3º lugar no Entrevero Cultural de Peões – Fase Estadual. Rafael participa das atividades do DTG desde 2009, é formado em Química pela UFSM, e atualmente faz Mestrado em Química Orgânica também na Universidade. Ele conta que basta dedicação e muito amor pela tradição para atingir seus objetivos: “Vi que concorrer e ser peão da entidade era uma coisa que poderia me ajudar a ganhar mais conhecimentos, expandir relações, conhecer mais gente. Há um acréscimo muito grande na nossa vida.”

Além disso, quando questionado sobre a contribuição que as atividades ligadas à cultura gaúcha trouxeram para a sua vida, Rafael afirma: “Ter orgulho e ciência da terra onde nasceu vem a completar a frase: ‘Quem sabe de onde veio sabe para onde vai’. Então, quem tem passado, certamente vai ter futuro. Aprender com os legados que vieram com os gaúchos antes de nós, também é um dos grandes prêmios que se ganha ao participar do movimento.”

A história do DTG Noel Guarany mostra que a cultura gaúcha não precisa de data específica e nem de espaço para ser cultuada. Basta a união de estudantes para que os valores e as tradições sejam preservadas nos tempos atuais.

Noel Guarany

A escolha do nome do Departamento de Tradições Gaúchas da UFSM não foi por acaso. Encantados com a personalidade de fibra e revolucionária do poeta missioneiro Noel Guarany, seu nome foi escolhido. É notado por sua criticidade, pois para ele não bastava
apenas criticar o que está errado em seu meio, era preciso tentar de alguma forma promover mudanças. Noel também teve importância no movimento estudantil, o que condiz com os princípios do DTG.

A gestão 2013/2014 da patronagem do DTG Noel Guarany é comandada por uma figura feminina, algo ainda incomum em muitas entidades tradicionalistas. Tainá Severo Valenzuela é formada em História pela UFSM e atualmente faz Mestrado em Patrimônio Cultural, também na Instituição, além de ocupar o cargo de patroa do DTG.

.txt – Quando surgiu a necessidade de um espaço destinado ao tradicionalismo dentro da Universidade?

Tainá Valenzuela – Quando o DTG surgiu, a ideia era destinar um espaço para os alunos que vieram de cidades do interior, onde participavam de atividades desse tipo e que tinham dificuldade em se inserir em entidades tradicionalistas de Santa Maria.

.txt – O Departamento desenvolve várias atividades, elas atingem tanto o meio acadêmico quanto a comunidade. Como é essa rotina de trabalho?

Tainá – A gente trabalha tanto como entidade tradicionalista quanto extensão. Para o MTG nós somos entidade estudantil plena e para a Universidade, programa de extensão. Nós conseguimos vincular as duas coisas, temos vários programas em que nos inserimos como projeto, sempre vinculados ao tradicionalismo. Como projeto de extensão, temos a obrigação de trabalhar fora dos muros da Universidade. A maioria dos
envolvidos no DTG são estudantes, e têm que dar conta da grade de horários de aula. Para o DTG, tem as questões relacionadas aos projetos que desenvolvemos, em termos de trabalhos em escolas, manutenção do espaço físico do DTG, ensaios com a invernada e a participação nos eventos em geral.

.txt – Há incentivo da Universidade para o desenvolvimento
das atividades?

Tainá – Há total incentivo. A Universidade nos oferece bolsas para os projetos, material de almoxarifado, construção da nova sede e bolsistas também são contratados. No início foi difícil, mas a gente mostrou durante os anos que queríamos fazer algo sério e alguns resultados positivos que obtivemos dentro do Movimento (MTG) nos ajudaram bastante. O respaldo cresce ao longo dos anos.

.txt – Como é a procura do público em participar das atividades do
DTG?

Tainá – Para participar das atividades não precisa ser estudante da UFSM, por se tratar de Projeto de Extensão e por ser entidade estudantil plena é aberta à comunidade. A maioria dos participantes são estudantes, mas a procura dos alunos não é grande. Nós estamos sempre fazendo campanhas e projetos para divulgação, mas não encontramos um motivo para tão pouca procura.

.txt – Tu és considerada uma exceção pelo fato de ser mulher e
ocupar o cargo de patroa em um DTG. Como tu avalias o espaço
feminino dentro do MTG?

Tainá – A mulher tem ganhado muito espaço, mas ainda há algumas divisões. Os concursos de prendas valorizam muito a figura feminina. Tem muita guria que está atuando e ganhando espaço. É um movimento natural da inserção da mulher em cargos mais destacados. Não é generalizado, mas ainda esbarra na aceitação.

.txt – Como tu avalias a participação do Departamento de
Tradições Gaúchas na Ciranda de Prendas e, mais recentemente,
no Entrevero de Peões?

Tainá – Este ano nós teremos a quarta prenda que irá concorrer. No ano passado, pela primeira vez, tivemos tanto peão quanto prenda nos dois concursos, sempre adultos porque nós não conseguimos mirim e juvenil para participar. Foi a primeira vez que nós tivemos um peão participando. Nós temos ido bem nos concursos, tem sido bem proveitosa a nossa participação. São oito anos de DTG e três prendas regionais, um saldo bem positivo.

Bastidores da .txt

Nosso processo de apuração teve, no mínimo, três etapas. A primeira foi a entrevista com a patroa do Departamento de Tradições Gaúchas Noel Guarany, Tainá Valenzuela. A conversa foi informal e aconteceu nas dependências do DTG, no Centro de Ciências Rurais da UFSM, no dia 04 de junho. Entre mates e histórias, Tainá nos contou sobre o funcionamento do DTG e também sobre sua trajetória.

Em uma tarde chuvosa de domingo, nos deslocamos até a Sede Campeira do CTG Sentinela da Querência, onde foi realizada a segunda etapa da apuração. Por lá, aconteceu no dia 16 de junho o 8º Rodeio Crioulo que a invernada campeira do DTG Noel Guarany promoveu. Acompanhamos durante boa parte da tarde várias armadas de laço.

Uma segunda entrevista foi feita no dia 21 de junho. Conversamos com o 3º Peão Farroupilha do Rio Grande do Sul, Rafael Silva que nos contou sobre o amor às tradições, os usos e costumes do gaúcho e os desafios enfrentados em sua trajetória no tradicionalismo.

Nas duas entrevistas ficou clara a dificuldade de inserção da cultura gaúcha no espaço universitário, no entanto, isso não impede os integrantes do DTG de perpetuarem a cultura do nosso estado.

Confira a entrevista na íntegra com Rafael Silva, o 3º Peão Farroupilha do Rio Grande do Sul:

O DTG Noel Guarany também vem se destacando em âmbito estadual no meio tradicionalista. Neste ano, o Peão Farroupilha Rafael Silva conquistou o 3º lugar no Entrevero Cultural de Peões- Fase Estadual. Rafael é formado em Química pela UFSM, e atualmente faz Mestrado em Química Orgânica também na UFSM, além de participar das atividades do DTG desde o ano de 2009. Ele conta que basta dedicação e muito amor pela tradição para atingir seus objetivos.

.txt – O que te motivou a participar do DTG e consequentemente do Movimento Tradicionalista Gaúcho?

Rafael Silva – A principal porta de entrada do movimento é a parte artística. Eu sempre tive essa vontade de participar de um grupo artístico (invernada). Já tinha feito teatro na escola, já tive uma banda, gostava de cantar. Mas nunca tinha dançado. Fui me informando, vi que o pessoal jovem daqui da Universidade participava, e então decidi participar do DTG.

.txt – Em que momento tu pensastes em participar do Entrevero e se tornar Peão do RS?

Rafael – O tradicionalismo não é só se cultuar a arte ou as danças. Há muito mais coisa que a gente pode se envolver que são de extrema importância tanto para a manutenção quanto a perpetuação da cultura. Eu também me identifiquei com essa parte de buscar mais conhecimentos sobre esse mundo a parte em que vivemos. Muitas vezes participar como dançarino, declamador ou cantor acaba sendo superficial.  A parte cultural eu acho que é a mais importante pois ela agrega todas as outras seções. Vi que concorrer e ser peão da entidade era uma coisa que poderia me ajudar a ganhar mais conhecimento, expandir relações, conhecer mais gente. Há um acréscimo muito grande na nossa vida.

.txt – Como foi a tua preparação para o Entrevero?

Rafael – Nós peões temos mais enfoque na lida campeira, dedicamos mais tempo para a prova campeira, que é a que vale mais no nosso concurso. E muitos tem dificuldade por vir da artística. Eu cheguei a morar no interior, mas não de praticar aquelas lides que são cobradas, e a gente vê um contraste de quem sempre morou na cidade, e tem que demonstrar essas lides. Mas os treinos já são uma prova que mostram que não precisa ser um grande campeiro, nem exímio declamador, ou cantor. Tem que ter esforço.

.txt – Antes de ingressar na Universidade qual era o teu contato com a Tradição Gaúcha?

Rafael – Minha família já participou, mas o máximo que eu tive de contato foi um curso de dança de salão que eu fiz em uma entidade próxima da minha casa. E ali foi quando eu esbocei uma vontade de participar, só que por alguns problemas eu deixei para depois.

.txt – O que tu destaca dentro do Movimento Tradicionalista Gaúcho? O que a  vinculação à ele te proporciona?  

Rafael – Para pessoas que não conhecem o movimento e por ventura tem vontade de conhecer e de participar, é um meio que a gente vai encontrar muita cordialidade, vai encontrar amizade. As pessoas trabalham em prol de um determinado objetivo, isso vai cria um ambiente onde há o resgate principalmente de coisas que são muito falhas hoje na nossa sociedade, que são os valores. O movimento tem muito disso, o respeito para com o próximo, não só da nossa idade mas com os mais velhos. Esses valores morais estão faltando, por que vemos a degradação da nossa sociedade. O MTG não é a solução mas ele com certeza trabalha para ajudar a sociedade a reencontrar esses valores que vão se perdendo ou se invertendo ao longo do tempo. É um ambiente que nos proporciona confraternizar, fazer amizades e formar lideranças.

.txt – Qual a contribuição que as atividades ligadas à cultura gaúcha trouxeram para a tua vida?

Rafael – Ter orgulho e ter ciência do lugar onde nasceu, da terra onde nasceu eu acho que vem a completar a frase: ‘Quem sabe da onde veio sabe para onde vai’. Então quem tem passado, certamente vai ter futuro. Aprender com os nossos legados que vieram com os gaúchos antes de nós também é uma dos grandes prêmios que se ganham participando do movimento.