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ENTREVISTA COM EDITOR LEANDRO MÜLLER



Leandro Müller (acervo pessoal)

Em mais uma entrevista da série que contempla estudiosos e atuantes na área da editoração, a O QI conversou com Leandro Müller, pesquisador do mercado editorial, doutor em Comunicação (UERJ / Université Clermont-Auvergne), mestre em Comunicação (UERJ), graduado em Publicidade (UFRJ) e graduado em Filosofia (UERJ / Universidade do Porto). Além disso, ele é autor de obras como “Como editar seu próprio livro: um manual básico para quem quer publicar ou ser publicado”, “O consumidor de livros: prática de comportamento em livrarias”, e “Pequeno Tratado Hermético sobre Efeitos de Superfície”. Conforme o site da NESPE (https://www.nespe.com.br/), Leandro passou cinco anos na equipe docente da pós-graduação em Editoração do IUPERJ. Ele também esteve à frente da coordenação do curso por 2 anos.

Leandro conta que a paixão pelos livros surgiu quando ele estava no Ensino Médio. “A paixão pelos livros surgiu tardiamente, marcada antes pela aversão aos livros. Infelizmente não nasci em uma família de leitores e, em nossa casa, não tínhamos livros, salvo um dicionário e uma enciclopédia em três volumes. Assim, foi na escola meu primeiro contato com a literatura (…) aquela que considero minha primeira leitura viria aos 14 anos, ‘Senhora’, de José de Alencar. Achei o livro tão chato que só voltei a me aproximar de um livro aos 19 anos”. Essa reaproximação foi intensa: “Acabei ingressando na Escola de Comunicação da UFRJ, por ser uma instituição federal. Em janeiro de 1998, na rodoviária de Volta Redonda, enquanto aguardava o ônibus para viajar e realizar minha matrícula, deparei-me na banca local com uma recém lançada coleção da Folha de São Paulo cujo livro era de um autor completamente desconhecido e de nome estranho: Fiodor Dostoiévski. Adquiri Crime e Castigo por R$6,90 e li ininterruptamente. Não tenho memória de quantos dias se passaram, mas eu apenas lia. Faltando 20 páginas para o fim, já às quatro horas da manhã, cochilei sobre a obra, despertando às seis horas e finalizando a leitura. Ao término, eu chorava copiosamente, não por ser uma história particularmente triste, mas porque eu tinha me tornado um grande amigo e confidente de Rodion Românovitch Raskólnikov e nunca mais o encontraria novamente. Naquele mesmo ano, como minhas aulas começaram em 26 de outubro, li mais de 100 livros. Empréstimos, bibliotecas, sebos. Graciliano Ramos, Machado de Assis, Camus, Herman Hesse, Goethe, e uma enorme lista de autores brasileiros e estrangeiros, além de muitos e muitos livros policiais. E nunca mais parei de ler”.

Ao relatar a possibilidade de usar o gosto pela editoração em uma perspectiva profissional, Leandro fala sobre os desafios do ramo. “Dediquei meu tempo na universidade para montar uma editora, sem entender nada do assunto. Meu trabalho final foi uma revista de filosofia (nos moldes de algumas revistas francesas), que pretendia lançar nas bancas de jornais. Terminei meu curso em 2002 e fui empreender, mas sem sucesso, pois minhas bases e conhecimentos de negócios eram muito frágeis. Então surgiu a oportunidade de trabalhar na livraria da Travessa, na qual entrei e saí por diversas vezes, ficando ao todo por praticamente sete anos. Paralelamente à carreira de livreiro, dediquei-me aos estudos informais de edição e escrita. Eu ajudava colegas a publicar livros e acabei eu mesmo publicando alguns”. Foi em 2011 sua primeira experiência como professor em uma sala de aula: “Recebi um convite da professora Michelle Sales para dar algumas aulas na pós-graduação ‘O mercado do livro’, no IUPERJ, na qual ela era a coordenadora. A convite dela, assumi a coordenação do curso em 2014. (…) Foi a partir de então que passei a pensar no mercado editorial como um ramo de atividade, embora já fizesse parte dele há mais de 10 anos”.

Na sequência, foi questionado de que modo as suas formações influenciaram em sua abordagem na pesquisa, na escrita e na edição de livros, assim Leandro comenta: “É importante contextualizar que, naquela época, eu queria ser escritor. Era a profissão que eu imaginava para mim, logo, os primeiros cursos que me vieram à cabeça foram aqueles que comumente relacionamos à escrita: publicidade, jornalismo, letras. Porém, ainda no segundo período, tive uma aula com o incrível professor Edwaldo Cafezeiro, que tomou conhecimento da minha ambição literária. Lembro até hoje textualmente de sua resposta ao meu comentário ‘quero ser escritor, estou pensando em fazer uma faculdade de letras’. Ele disse: “Não faça essa bobagem, menino, vá estudar filosofia”. No mesmo ano entrei para a graduação em Filosofia na UERJ. Já a formação em Publicidade e Propaganda contou mais para mim como uma experiência de vida, em um contexto em que eu saia da casa dos meus pais e vinha morar sozinho na capital do estado. Eram os anos do aprendizado de ser adulto. E como nunca quis trabalhar com publicidade, nem com jornalismo (e de fato nunca trabalhei), a faculdade serviu como um percurso formativo humano e social. Evidentemente, essa formação humanística moldou grande parte do meu pensamento e da forma de abordar e interpretar a realidade”.

Sobre a troca de experiências no ambiente acadêmico, Leandro recorda com carinho da convivência: “Foi um dos momentos mais marcantes na minha trajetória profissional, especialmente a troca com os alunos, grande parte deles ainda presentes até hoje como colegas profissionais do livro. Muitos se tornaram editores, agentes literários, revisores de textos, diagramadores, e ainda nos esbarramos. Desde minhas primeiras experiências com autopublicação em 2004, percebi que eu gostava muito de ajudar as pessoas e compartilhar meus conhecimentos. Ser professor unia essas duas coisas. Por isso, desde 2011 tenho atuado como professor, sempre criando novos cursos, dando aulas, criando comunidade de pessoas interessadas em aprender mais sobre o fazer do livro”.

Leandro também conta sobre uma iniciativa própria, o prêmio Leandro Müller de Literatura, inaugurado em 2004: “Percebi que se tornou um importante instrumento de memória, para que eu pudesse acompanhar minha própria construção intelectual com o passar dos anos, saber que tipos de leitura eu frequentava em dado momento da minha vida e como elas me afetaram. Criei de forma que o prêmio fosse outorgado, ou seja, imposto e sem possibilidade de recusa. Claro que como uma brincadeira, pois os vencedores normalmente não tomam ciência de que foram premiados e, mesmo se tomassem, não há vantagem alguma em vencer esse prêmio, salvo minha gratidão pessoal”.

Sobre os desafios de se trabalhar no campo da editoração, Leandro opina: “Considero o mercado brasileiro muito ‘internacionalista’ e vejo isso como uma acomodação dos editores, que preferem arriscar menos trazendo/traduzindo obras já testadas em mercados estrangeiros. Evidentemente, não se pode ignorar que o público leitor brasileiro também tem muito interesse nos formatos importados, especialmente aqueles influenciados por outras indústrias criativas como o cinema e os jogos. Mesmo assim, defendo que apostar mais em nossos escritores nacionais deveria ser um investimento a ser feito com mais intensidade, principalmente pelos grandes grupos editoriais. Sobre as oportunidades, muitas virão em decorrência do surgimento de novas tecnologias e modos de leitura. Contudo, vejo uma tendência da autopublicação e da publicação independente ganhar cada vez mais espaço. Inicialmente ocupando as brechas deixadas pelo mercado editorial, mas depois, se tornando uma alternativa mais interessante para muitos autores do que se associar com editoras. É importante que o editor mantenha-se atento para continuar sendo relevante para o público”.

Leandro finaliza com dicas para todos os aspirantes ao setor editorial: “Façam cursos, leiam bastante, assistam tutoriais. Busquem o conhecimento formal além da experiência prática. Mas, principalmente, estabeleçam e cultivem conexões com profissionais. Procurem ir a lançamentos de livros, leiam autores novos, comprem livros e criem sua própria comunidade”. A íntegra da entrevista com Leandro Müller, em que ele comenta também sobre o processo criativo envolvido em suas atividades profissionais, estará disponível na 13° edição da Revista O QI. Não perca!

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