Entre os dias 10 e 13 de setembro deste ano, a região Noroeste do Rio Grande do Sul (RS) foi atingida pela chamada chuva preta, evento climático que assustou e despertou curiosidade em parte da população. Em seu site oficial, no dia 11 de setembro, o Governo do RS alertou a população sobre a possibilidade da chuva preta: “A piora na qualidade do ar ocasionada pelas queimadas é agravada pela atual presença de vento norte na Região Metropolitana, pela massa de ar quente, seco e estável, somadas à ausência de chuvas, dificultando a dispersão dos poluentes”.
Esse evento incomum chamou a atenção dos moradores do Noroeste do estado. Residente em Frederico Westphalen há 50 anos, Valdecir Bernard relata ser a primeira vez que presencia o fenômeno. O agricultor alega que a fuligem das chuvas pretas vem prejudicando as lavouras que ele cultiva, sujando as plantações de milho e de fumo.
Mas afinal, o que é a chuva preta? É ácida? Ela é realmente preta? Por que isso aconteceu? Acontecerá novamente? Nossa equipe foi atrás das respostas.
O QUE É A CHUVA PRETA?
O geólogo e analista ambiental Nilson Ferreira recebeu o jornal Noroeste em Pauta para esclarecer algumas dessas dúvidas em sua sala na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), campus de Frederico Westphalen, instituição na qual é mestrando em Ciências e Tecnologia Ambiental, além de desenvolver projeto de monitoramento ambiental sob orientação da professora Malva Andrea Mancuso.
Nilson explicou que a chuva preta ocorre quando a água da chuva passa pelos poluentes suspensos na atmosfera e se mistura com eles, ficando, assim, carregada de carbono e escurecendo sua coloração. Normalmente, ela acontece em grandes polos industriais, como Londres, Paris e, aqui no Brasil, São Paulo. Metrópoles onde o acúmulo de carbono e matérias orgânicas na atmosfera é facilitado pela queima de combustíveis fósseis nas fábricas. Ou seja, é preciso uma série de fatores para que aconteça esse tipo de precipitação em nosso estado.
QUAIS RISCOS ELA APRESENTA?
Quando um novo episódio climático é noticiado, logo surgem preocupações e inseguranças. Um dos maiores temores da população era a possibilidade de a chuva ser tóxica ou ácida. Nilson revelou que o pH da água determina isso. Normalmente, ele se encontra entre 5 e 6,5. Já na coleta do período em que a chuva preta caiu, foi registrado pH entre 4,9 e 5,1, aumentando sua acidez.
Ele explicou que os riscos à saúde dos humanos são mínimos, porque temos como prever quando a chuva preta vai acontecer e nos abrigarmos, mas alertou: “Para quem capta a água diretamente para o consumo, não é aconselhável consumir água da chuva quando você tem esses eventos, porque há uma quantidade de poluentes muito grande ali”.
Acerca das plantas, Nilson contou que o solo pode sofrer com grande acúmulo de poluentes, pois absorve a chuva que recebe, o que pode dificultar o processo de desenvolvimento das vegetações.
Já em relação aos animais, recordou que eles não têm como fugir da chuva, ficando expostos às impurezas e se submetendo a riscos como, por exemplo, acabar bebendo essa água com fuligem, o que causaria vômitos, náuseas e perda de apetite.
A maior preocupação do geólogo veio ao falar dos corpos hídricos, ou seja, das lagoas e lagos. “Nesse período de chuva preta muito grande, imagina como é que fica a parte microbiológica dos lagos, que são águas paradas e que não têm pra onde escorrer, e você vai colocar uma quantidade de carbono muito grande ali”, refletiu. O acúmulo de carbono deixa a água contaminada, afetando as plantas e podendo resultar na morte dos animais aquáticos.
COMO A ÁGUA É EXAMINADA?
Nilson contou aos nossos repórteres que é responsável pela base de coleta de chuva localizada no campus da UFSM em Frederico Westphalen. De acordo com ele, existem diversas bases espalhadas pelo mundo. Mensalmente, a água é coletada, examinada e tem seus dados enviados para a Agência Internacional de Energia Atômica, na Áustria, para colaborar com o monitoramento ambiental global. Este tem como objetivo identificar a composição química da chuva e detectar os locais de onde ela vem, além dos processos que controlam as mudanças de fase da água em seu ciclo.
COMO EVITAR QUE SE REPITA?
Sabendo que esse tipo de evento é consequência, principalmente, das queimadas nos períodos de estiagem, o indicado é que o fogo nas zonas florestais seja combatido com mais eficiência, o que depende de ações dos governantes.
De acordo com a Agência Gov, portal de notícias governamental dedicado à cobertura diária das ações do Governo Federal, o presidente Luís Inácio Lula da Silva promoveu, na primeira quinzena de setembro, uma série de reuniões com especialistas e ministros para discutir medidas coordenadas de enfrentamento à grave emergência climática do país, resultando na ampliação da verba destinada à causa climática, no aumento de recursos para a Polícia Federal investigar e combater os incêndios criminosos e na contratação, pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), de novos serviços especializados no combate ao fogo.
À população, as recomendações são simples, como não desmatar as florestas, evitar poluir a natureza e denunciar quando presenciar qualquer tipo de crime ambiental, ligando para o 193 (Bombeiros) ou o 190 (Polícia Militar).
Texto escrito por Eduardo Freitas e Gabriel Pinto