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Rostos negros na universidade



A promoção da igualdade e da representatividade passa pela presença da diversidade racial no ensino superior.

Texto e foto: Tainara Laís Teixeira Pompermaier Gonçalves

“Eu era a pessoa negra, meus colegas me viam como uma pessoa negra”, Maria Luíza Lima, estudante do sétimo semestre de Jornalismo na UFSM, campus Frederico Westphalen, reflete sobre como sempre se reconheceu como pessoa negra devido ao contexto ao seu redor. Para Maria Luíza, representatividade é poder se ver em diferentes espaços e sentir felicidade ao ver que pessoas como ela “estão simplesmente vivendo e sendo felizes”. Diferente do ensino médio, onde era a única aluna negra de sua turma, na universidade ela encontrou mais colegas negros, o que trouxe uma nova experiência de pertencimento.

A representatividade, em seu sentido literal, para o Priberam Dicionário significa “1. Caráter do que é representativo”. 2. Qualidade reconhecida a uma pessoa, a um grupo, a uma entidade ou a um organismo, mandatado oficialmente por um grupo de pessoas para defender ou representar os seus interesses ou exprimir-se em seu nome”. Mas qual a definição de representatividade para estudantes negros do ensino superior?

Eloísa Andrade, estudante do oitavo semestre de Relações Públicas, define representatividade como algo pessoal e político, um direito de ocupar espaços e lutar por eles para representar outros. Mariana Marçal,  estudante do sétimo semestre de Jornalismo, destaca a importância de as pessoas negras ocuparem cargos de chefia e serem mais presentes em áreas como bolsas de pesquisa e extensão. Já Maurício Ferraz, estudante do sétimo semestre de Relações Públicas, enfatiza que representatividade para ele é se ver em espaços desejados, incluindo tanto pessoas negras quanto membros da comunidade LGBTQIAPN+, defendendo a diversidade em todos os setores.

O Coordenador do Observatório de Direitos Humanos da UFSM, Victor de Carli Lopes, diz que a representatividade é muito mais do que pessoas negras estarem inseridas em alguns espaços. “Muitas vezes se a gente só tem pontualmente uma pessoa, ela não consegue se mexer de toda estrutura racista que nós temos”, acrescenta.

Segundo o censo do IBGE, a população de pretos e pardos no Brasil passou de 50,7% em 2010 para 56,1% em 2022, tornando-se a maioria no país. No entanto, essa maioria ainda ocupa apenas 48,3% das vagas nas universidades, sejam públicas ou particulares, evidenciando uma disparidade. Victor comenta sobre a percepção equivocada de que as cotas são vistas por muitos como “esmola” ou um meio injusto de acesso à educação superior.

A Lei nº 12.711/2012, a Lei das Cotas, promulgada em 29 de agosto de 2012, destina 50% das vagas disponíveis em universidades públicas para estudantes com deficiência, pretos, pardos, indígenas e quilombolas. Também abrange alunos de baixa renda e provenientes de escolas públicas. Essa ação afirmativa surgiu com a finalidade de minimizar os impactos do colonialismo e da escravatura, e equalizar os direitos à educação para esses estudantes.

O REAL PERTENCIMENTO

O desenvolvimento do pertencimento e de se enxergar em um lugar ou grupo, se dá pela  presença de pessoas, locais ou elementos, que consigam trazer à tona o sentimento de identificação. O ser humano é um ser social que necessita fazer parte de determinados grupos, que representem suas ideologias e suas identidades, como estilo musical e a forma de arrumar o cabelo, por exemplo, assim como a negritude, e tudo que ela carrega consigo.

“As condições das pessoas negras não estão em nosso curriculo formal, eles acabam muitas vezes vindo por estudantes negros que leem adicionalmente o que é o curriculo oficial, e tentam, às vezes, interpelar nas aulas, impor e falar sobre isso”, afirma Victor. Outro ponto é a criação de bolsas e de projetos direcionados especificamente para pessoas pretas e pardas, fazendo com que elas estejam inseridas nesses ambientes e consigam desenvolver melhor suas habilidades profissionais.

A construção de uma representatividade racial nas universidades depende de políticas públicas e ações afirmativas eficazes. Essas iniciativas devem garantir que pessoas negras tenham acesso ao espaço acadêmico, proporcionando estrutura e suporte para que possam permanecer, criar laços e se sentir parte da instituição. Nessa perspectiva, Maurício relata que seu maior desafio na universidade é a permanência, já que quase não há iniciativas institucionais que promovam a integração de estudantes negros. Ele destaca a ausência de apoio ou ações específicas do campus voltadas para essa questão.

Há uma grande lacuna em cargos de técnicos administrativos, docência e posições de chefia que deveriam ser ocupados por pessoas negras, o que evidencia a falta de formação e suporte institucional para que essas pessoas possam acessar esses espaços. Maurício, relata que, ao longo de seu curso, apenas a disciplina de Legislação e Ética abordou questões indígenas e africanas, enquanto as demais aulas foram baseadas exclusivamente em perspectivas coloniais e eurocêntricas. Isso revela a carência de discussões mais inclusivas e representativas no ensino.

A totalidade dos entrevistados não possui nenhum docente negro. Todos sentem carência da presença deles nas salas de aula, quando questionados sobre a temática. “Eu acho que no nosso campus falta essa representatividade de professores também. Se a gente for falar de acolhimento de estudantes negros daqui, a gente também tem que falar de colhimento de professores, porque se a gente não se sentir representado nem dentro da sala de aula, como a gente vai se sentir fora dela?”, indaga Eloísa.

MOVIMENTO NEGRO

Com o propósito de diminuir as brechas de representatividade, promover o auto-reconhecimento racial, acolhimento e a minimização da solidão dos estudantes negros nos ambientes academicos, os coletivos negros se apresentam como um objeto de aquilombamento, rede de apoio, construção de laços afetivos e valorização dos saberes e da cultura negra. “Quanto mais a gente tem interação com essa nossa rede de apoio, é que essa rede de apoio, de alguma forma, nos representa e assim nos fortalece”, fala Maurício.

Os encontros dos coletivos são espaços de diálogo, aceitação e descoberta de novas identidades raciais, onde se discutem questões como a responsabilidade das universidades em oferecer uma formação anticolonial e momentos de validação da presença negra. Nessas reuniões, a negritude é abordada para englobar colorismo e ancestralidade, promovendo a troca de histórias de vida e o acolhimento de inseguranças. Além disso, os encontros destacam a importância dos movimentos sociais e como a música e a arte funcionam como atos de resistência, seja criticando o racismo ou celebrando a felicidade das pessoas negras apesar das adversidades históricas.

O AFRONTA é o primeiro coletivo negro da UFSM, criado em 2010 em Santa Maria, por estudantes que estiveram presentes no  2° Encontro Nacional de Negros e Negras da UNE (ENUNE). No dia 23 de novembro de 2023, o Coletivo Parada Preta, do campus de Frederico Westphalen, criado em 2017 por estudantes dos cursos de comunicação, realizou a Primeira Feijoada Quilombola, com o intuito de fortalecer as raízes e contar experiências vividas.

 “Muitas vezes é um processo que se tem na universidade mesmo, de uma consciência racial. Às vezes as pessoas entram sem saber, sem se entender como negras”, expôs o coordenador do Observatório de Direitos Humanos da UFSM. É importante que esses coletivos existam e tenham garantia de que continuarão existindo. Victor diz que atualmente, os coletivos enfrentam dificuldade na permanência e adesão de membros. É preciso que os estudantes entendam sua relevância para o movimento estudantil negro, permitindo que sejam construídas pontes para que as lutas da causa não sejam perdidas.

Segundo dados do Senado Federal, o número de pretos e pardos nas universidades públicas aumentou cerca de 400%. Mariana relata que, ao chegar na universidade, havia poucos negros, mas, com o tempo, a presença deles se tornou comum, sem mais causar estranhamento. Ela também nota que a cidade de Frederico Westphalen está mais acostumada com pessoas de fora. Esse aumento é uma revolução social, provando que a Lei de Cotas e ações afirmativas estão funcionando como reparação histórica, promovendo equidade racial e diminuindo a desigualdade gerada pelos 300 anos de escravidão no Brasil.

Para alcançar uma verdadeira equidade de oportunidades, é essencial superar a complacência de permitir que apenas alguns negros ingressem e permaneçam na universidade. Sem isso, a representatividade negra continua sendo ilusória, parecendo uma exceção, e não uma regra. Embora a população brasileira seja majoritariamente preta e parda, o número de pessoas brancas na graduação permanece desproporcionalmente maior, evidenciando a falta de uma equivalência real no acesso ao ensino superior.

FREDERICO WESTPHALEN, RS

SANTA MARIA, RS

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