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Relatos da busca por um lar



Scheila Avilla, Vanessa Onci, Vinícius Chequim

Foto: Scheila Avilla

Uma conversa entre duas adolescentes de 14 anos, no grupo de jovens da igreja, despertou em Sônia* o desejo em adotar uma criança. Isso porque, entre uma conversa e outra, ela descobre que a colega Vanda*, vivia em um local de acolhimento e ainda não havia sido adotada. Desta conversa, uma grande amizade surgiu e, com ela, o desejo de um dia poder ajudar outras crianças e adolescentes nessa situação.

Os anos se passaram, Sônia acabou a faculdade de enfermagem e, em razão do desejo de ser mãe, resolveu ser voluntária no abrigo da cidade onde morava, auxiliando diariamente no banho das crianças e na realização das tarefas escolares. Durante os finais de semana, levava duas crianças para sua casa, quando fazia passeios e atividades lúdicas, a fim de ajudar no desenvolvimento psicossocial daqueles que aguardam a constituição de uma nova família. Hoje, a legislação em vigor não permite mais esse tipo de atividade.

Em 2004, quando conheceu seu marido, em comum acordo, decidiram ter “um filho biológico” e “um filho adotado”. Depois de aproximadamente um ano tentando engravidar, descobriram alguns problemas biológicos que dificultariam esse processo. Nesta época, pouco se ouvia falar sobre “inseminação artificial”, era algo novo e de custo elevado, mas o casal resolveu buscar mais informações sobre a técnica, que poderia ser a peça chave na realização da gravidez. Foram três tentativas, repletas de expectativas que, infelizmente, se transformaram em tristeza. Mas, apesar de todo esse sofrimento, ainda havia a possibilidade da adoção. Neste momento, surgiu a opção de ampliar o cadastro de interesse adotivo para duas crianças. Foi um processo longo, aproximadamente oito anos, até que no mês de abril de 2022 veio o tão esperado contato telefônico. Era a comunicação de que havia chegado a hora do casal.

Júlia*, uma criança de sete anos, afastada dos pais biológicos, estava ansiosa para ser chamada de filha outra vez. A menina, que já havia passado por diversos traumas, desde banhos gelados no inverno até surras e falta de cuidado por parte de seus familiares, vivia em uma casa de acolhimento com seu irmão caçula, de apenas dois anos. Com a desculpa de ser uma “menina problemática”, havia sido devolvida em quatro processos de adoção anteriores. Em um deles, a menina e seu irmão foram adotados pela mesma família e somente Júlia foi entregue novamente ao lar. Esse histórico dificultou a adaptação com Sônia e o esposo. “Ela [a menina] vivia perguntando, quando a gente brigava e discutia por ela não ter feito alguma coisa na escola, se nós iríamos devolvê-la”, recorda Sônia.

Por outro lado, a convivência trouxe muitas coisas boas para a família, desde o desenvolvimento educacional até o acolhimento afetivo, algo que a menina, até este momento, nunca pode ter. “Ela tá sempre abraçando e beijando a gente, sempre dizendo que ama. Ela é um amor”, afirma Sônia. Atualmente Júlia vive junto de uma família que a ama e faz de tudo para vê-la feliz e, se tudo der certo, logo ganhará um novo irmãozinho, também adotado.

O processo de adoção

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, até o dia 25 de março de 2022, 3.751 crianças e adolescentes estavam aptas para adoção no Brasil e 33.046 pessoas aguardavam, interessadas em adotar. Ainda segundo esses mesmos dados, existem mais de 33 mil crianças e adolescentes abrigadas em casas de acolhimento e instituições públicas por todo o país.

O grande empecilho para esses dois grupos é a burocracia brasileira, que torna exaustivo todo este processo. A acolhida é algo demorado e pede uma certa paciência a quem expressa tal desejo, mas isto é necessário para a segurança do adotando. Na grande maioria das vezes, após iniciado o processo de adoção, esperam-se anos para que a guarda definitiva saia, já que são averiguados e seguidos todos os procedimentos, a fim de analisar se o novo lar é adequado para a segurança e conforto do adotado.

Foto: Scheila Avilla

O procedimento de acolhimento passa por diversas fases para se ter certeza de que a pessoa que pretende adotar tem condições financeiras e sociais. No entanto, acaba prolongando demais tal processo, o que leva ao desgaste psicológico dos interessados, pois criam expectativas de que logo sairão com seu filho, e o mesmo ocorre com as crianças, que anseiam a formação de sua nova família.

Mesmo com esses trâmites rigorosos, inúmeras crianças após serem adotadas passam por dificuldades, algumas são até “devolvidas” aos seus abrigos. Por isso, a burocracia e a averiguação das informações e conhecimento dos que vão adotar torna-se indispensável em todo o processo. Mas o drama dos adolescentes não termina por aí. Aqueles que completam a maioridade sem serem adotados, precisam enfrentar os procedimentos de saída obrigatória dos lares. Os abrigos e as instituições de acolhimento iniciam a preparação gradativa dos adolescentes a partir dos 14 anos, por meio da promoção do acesso ao mercado de trabalho, programas de aprendizagem e cursos técnicos profissionalizantes.

Os desafios da vida adulta

Quando estão próximos de completar 18 anos, jovens de todo o país, que residem em abrigos institucionais de menores, precisam se preparar para a saída obrigatória do local. Uma dessas pessoas é a Larissa*, uma menina de 17 anos, que vem buscando, diariamente, formas para lidar com os desafios da nova fase de sua vida.

A jovem vive em um lar de acolhimento no interior do Rio Grande do Sul desde seus 14 anos, pois foi retirada da família depois que a mãe permitiu que a jovem, assim como os irmãos dela, usassem drogas e decidissem o que queriam ou não fazer. O uso recorrente de entorpecentes gerou consequências muito graves na constituição familiar da jovem, uma delas foi a morte de seu irmão mais velho, que também era usuário de drogas. Após dias de sofrimento, abandono e dependência química, o Conselho Tutelar, junto ao Ministério Público, decidiu tirar a guarda da mãe de Larissa e de seus irmãos para levá-los a uma clínica de reabilitação.

Foto: Scheila Avilla

Três anos se passaram e a jovem tenta seguir sua vida estudando e trabalhando. No momento em que conversamos com Larissa, ela vivia seus últimos dias na casa de acolhimento, local onde encontra proteção, afeto e regras. Aos poucos, com a assistência do local, ela vem retomando seus estudos e busca se preparar para o processo de desligamento do local de acolhimento. “Eu guardo todo o dinheiro que recebo do meu trabalho no final do mês, para poder sair e ter o meu futuro”, enfatiza Larissa. Sobre como se vê daqui a alguns anos e quais são suas expectativas, a jovem diz que prefere viver um dia de cada vez e que, no momento, só pensa em sua nova casa e os desafios que a aguardam.

Assim como Larissa, outros adolescentes já passaram por esta mesma situação. No Lar São Francisco, de Frederico Westphalen (RS), desde que foi criado, em 2014, o abrigo já recebeu dezenas de crianças que estavam em situação de negligência ou abandono familiar nos municípios de Frederico Westphalen, Caiçara, Palmitinho, Pinheirinho do Vale, Taquaruçu do Sul, Vicente Dutra e Vista Alegre.

O processo de desligamento se torna um misto de emoções. “Quando eles estão pra completar dezoito anos, [o processo de desligamento] mexe muito com o psicológico, com ansiedade, alguns têm uma ansiedade pra sair do lar, outros têm aquele medo, aquele receio de tudo novo, como que vai ser”, conta a psicóloga Laís Kuskovski Battisti, que atua no Lar. Ainda segundo a psicóloga, o abrigo institucional dispõe de profissionais técnicos que auxiliam neste processo. “A gente trabalha toda essa questão de independência de dinheiro, de trabalho, de autocuidado, de cuidar, dos seus objetivos pessoais, de ter responsabilidade, dos próprios atos”, finaliza Laís Battisti.

Frederico Westphalen, RS

*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O texto não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.

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