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Os delírios de consumo da geração Z



A relação dos millenials com a tecnologia e o consumo excessivo na era digital

Teresa Vitória Valvassore Juvêncio

Fotos: Teresa Juvêncio

Sabe aquela ansiedade em receber uma encomenda? Guilherme* abre o aplicativo para rastrear a entrega da sua compra mais recente. Liga e desliga a tela. Entra nas redes sociais para ver se o tempo passa. E durante a espera, que parece infinita, já vê posts de pessoas utilizando o mesmo produto que ele encomendou. A ansiedade aumenta. A campainha toca, afinal. Celular em mãos, quer logo mostrar aos amigos o novo produto. Na era digital, ao que parece, de que adianta ter se você não pode mostrar?

Só que, ao voltar para as redes, já se depara com um novo item que desperta seu interesse. Muito mais novo, muito melhor do que o que acabou de adquirir. Então pensa: como pode a ansiedade de duas semanas de espera se resumir a dois minutos de euforia? O ciclo se inicia novamente. Ele precisa de um novo produto.

O que acabamos de descrever é algo recorrente na vida de muitos jovens.  Nosso personagem, o estudante universitário Guilherme, de 25 anos, é do noroeste do Rio Grande do Sul e tem relação intensa com a internet. Na verdade, ela começou quando ele tinha dez anos, idade na qual criou o primeiro perfil em rede social.

Guilherme faz parte da chamada Geração Z, que compreende o grupo de pessoas nascidas entre os anos de 1997 e 2010, bombardeadas por telas, estímulos e infinitas possibilidades na palma da mão. Possibilidades que trouxeram também altas expectativas para a geração da tecnologia e da ansiedade. Na era da internet, parece que todo mundo “é alguém”. Mas há um preço para o pertencimento.

O fenômeno por trás disso já tem nome: Fear of Missing Out (F.o.M.O). O psicólogo Bruno Dani, de Frederico Westphalen (RS), explica que a nova psicopatologia está relacionada ao medo de ficar de fora de coisas que as pessoas ou a mídia dizem ser importantes. O caso é mais comum, principalmente, entre os millennials.

Segundo um levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas, em 2019, para 41% dos jovens brasileiros, as redes sociais causam sintomas como tristeza, ansiedade ou depressão. Guilherme costuma passar a maior parte do dia online, acompanhando conteúdos sobre tecnologia. Por conta disso, gosta de comprar produtos relacionados, como periféricos*, skins de jogos e P2W.*

Todo mundo em pânico de ficar de fora

De acordo com um artigo publicado em 2021, na revista científica World Journal of Clinical Cases, o termo F.o.M.O surgiu em 2004 e está diretamente relacionado à saúde mental dos usuários da internet, sendo caracterizado por uma constante ansiedade. O psicólogo Bruno Dani também explica que o usuário acaba passando tempo excessivo em frente às telas, tentando fazer parte de uma comunidade fora de sua realidade, o que prejudica gravemente a autoestima, a socialização e a percepção da própria identidade.

O F.o.M.O pode ser desenvolvido por meio de diversos fatores pré-existentes, como a depressão, a necessidade de validação, a vontade de compensação sobre a falta de algo na vida real (na fase atual ou na infância), e a baixa-autoestima na era dos likes, que possui grande impacto no psicológico.

Os alertas do psicólogo são recorrentes entre a comunidade científica. O uso de redes sociais nos leva a um fator preocupante. A Royal Society for Public Health considerou o Instagram “a rede mais nociva aos jovens”, devido ao impacto na saúde mental.

Plataformas digitais como Instagram e TikTok desempenham um papel significativo na amplificação dos gatilhos que geram o consumismo desenfreado na era digital. “Os pesquisadores chamam de ‘produção de desejo’. Não necessariamente eu preciso daquele produto, mas a mídia diz pra mim que aquilo é importante, é útil, gera a sensação de pertencimento e faz com que eu compre”, diz o psicólogo.

Tá chovendo publi

Para Guilherme, que gosta de acompanhar influenciadores digitais que falam de moda, estilo de vida e principalmente tecnologia, estar sempre por dentro das tendências virou necessidade. O universo virtual, com seus feeds infinitos, cheios de conteúdos patrocinados e usuários com vidas desejáveis, apresenta produtos que parecem imprescindíveis.

Essas plataformas se tornaram espaços propícios para exposição e promoção de produtos, levando, principalmente as pessoas da Geração Z, a se sentirem constantemente tentadas a consumir. E consumir em 2023 é tão fácil. Em apenas dois cliques, um no aplicativo de compras e outro no aplicativo do banco, é possível ter a sensação de estar mais perto da vida daquele influenciador que está sempre tão feliz e realizado.

A psicóloga Karen Gomes, especialista em comportamento jovem e impacto das redes, explica que as mídias sociais têm grande influência no comportamento humano, de modo que ditam as “regras” de como se vestir, se comportar e o que consumir.

Entre as diversas compras online, Guilherme tem até um óculos de realidade virtual no valor de 4 mil reais. Também já chegou a comprar um aparelho de DJ, mas se arrependeu em seguida. Além de não ser DJ, diz que só comprou porque “viu na internet”.

Clube da dopamina

A vida das pessoas acaba girando em torno das redes, e esse é o problema, completa a psicóloga Karen Gomes. E, como uma droga, elas geram vícios, pois afetam a mesma área do sistema dopaminérgico. A busca constante por se sentir aceito, a ilusão atrelada ao consumo, a compra como compensação pelas frustrações do dia a dia ou até mesmo algo relacionado à infância são fatores que se sobrepõem.

Guilherme usa todo seu dinheiro em compras online. “É que eu não podia comprar as coisas quando eu era criança. E hoje que posso, compro tudo”, justifica, explicando que é uma satisfação interna. A psicóloga esclarece que se houve algum tipo de escassez na infância, a tendência é o subconsciente procurar suprir as necessidades quando houver condições. “Isso acaba ficando na memória afetiva, e quando você cresce já têm condições de satisfazer esses pequenos desejos. Não há problema em fazer isso. O problema está no excesso”, explica. É como colocar um preço na sua satisfação: “Ah, eu quero estar bem, aí vou lá e compro”, conclui Karen.

É aí que se cria um chamado “sistema psicológico”, em que somos estimulados por essa dopamina do ciclo de compra, a partir de uma necessidade do cérebro em suprir essa “carência”, cada vez mais intensa, em uma tendência que pode se tornar um vício. O psicólogo Bruno Dani fala que as pessoas tendem a entender a “falta” como não ter algo material, mas existem as faltas emocionais, e pode não ser suficiente supri-las via o consumo.

A fuga das telas

Tudo isso vêm de fora. Você se espelha no que vê. E as telas, nas quais os millennials têm passado a maior parte de suas vidas, viraram vitrines, de objetos, personalidades e corpos. A mudança não está fora, está dentro. E ambos os psicólogos, Bruno Dani e Karen Gomes, acentuam a importância da  autorreflexão e do autoconhecimento para a lidar com a realidade de forma saudável. E, se possível, com acompanhamento psicológico.

Guilherme relata que é satisfatório comprar, mas que após cada compra já aparece um novo item, gerando um novo desejo e um comportamento ansioso. E é justamente esse comportamento, impulsionado pela sociedade de consumo, que gera os diversos distúrbios que acompanham os adultos e os futuros adultos.

Gui pode continuar comprando seus itens e conta que é realizador pagar para estar inserido no que ele mais ama: a tecnologia. Assim como para outros jovens é poder comprar roupas com que se sintam bem ou finalmente ter aquele brinquedo dos sonhos que seus pais não podiam dar nos anos 1990. A internet possibilita ter acesso a coisas que você não teria de outro modo. O problema é acabar se tornando refém disso.

As possibilidades da era digital podem ser fantásticas, mas perigosas. Quando falamos em pessoas, falamos de seres sociais buscando sentir algo, pertencer a algo. Em um mundo cheio de conexões digitais, essa é a conexão que nos torna mais humanos. A Geração Z cresceu imersa em telas de todos os tamanhos, com a sensação do mundo ao alcance dos dedos.

A tecnologia hoje é o que se faz mais presente nas vidas desses jovens, sendo uma ferramenta que favorece ao invés de desencadear transtornos. A chave está no equilíbrio e na maturidade com que abordamos essa nova era. Guilherme conta que hoje já não compra mais com tanta frequência e que suas amizades foram fundamentais nesse processo de encontrar a harmonia entre o mundo digital e o mundo real. “Um amigo meu me fez não comprar esses tempos um pacote de skins. E… foi muito feliz, isso. Ia ser um dinheiro que, tipo, ia para o ralo”.

E é esse tipo de processo que abre espaço para uma conexão muito mais real, aquela que transcende as telas e permite compartilhar momentos, emoções e experiências autênticas além das redes.

Frederico Westphalen, RS


*   Nome fictício

** Fotos ilustrativas: modelos Maria Mariana Silva  e Kelvin Verdum

*** Todos os intertítulos desta reportagem, assim como seu título, foram inspirados em filmes que marcaram a vida e infância da Geração Z, entre os anos 1990 e 2000.


*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O texto não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.

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