A sucessão do legado rural por mulheres na região do Alto Uruguai.
Texto e foto: Joana Seger
“Das roupas velhas do pai
queria que a mãe fizesse
uma mala de garupa
e uma bombacha e me desse
Queria boinas, alpargatas
e um cachorro companheiro
pra me ajudar a botar as vacas no meu petiço sogueiro”
Os versos da canção guri, conhecida na voz do gaúcho César Passarinho, traduzem, em parte, as histórias aqui contadas. Só que nesta reportagem, são as gurias, de bota e bombacha, que estão seguindo o legado dos pais, assumindo a linha de frente em propriedades rurais na região do Médio Alto Uruguai.
A estudante Luani Aparecida Calegari, 19 anos, terceiro semestre do curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), campus Frederico Westphalen, é uma delas. Primogênita entre os irmãos, Rafaella, 11, e Davi, três anos, aos cinco já estava atenta aos passos do pai, Roberto.
Quando fala dele, Luani se emociona. Busca o acalento no calor do chimarrão. A cuia fica na mão durante toda a entrevista. Diz ter o mesmo jeito dele, mais fechado, mas que não deixa trancado o sentimento de amor e de gratidão. Hoje, ela já assume a criação especializada de terneiras, parte da produção leiteira, além dos terneiros que ficam para gado e a lavoura. Com a mãe, ainda divide as tarefas domésticas e o cuidado com os irmãos. Focada na inseminação, com curso realizado em 2022, ela diz que o incentivo veio da veterinária Ana Paula Ferigollo e do consultor Jeferson Vidal Figueiredo, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).
A irmã, Rafaella Calegari, é estudante do quinto ano do ensino fundamental. Chama a atenção pelos olhos brilhantes, curiosos e a inquietude corporal, que logo a colocam no centro da entrevista. “Ah! Morar no campo é bom, pelo menos não tem que ficar dentro de casa como na cidade. Dá para sair, ajudar também”. Rafa, como é chamada, explica que “ajudar” é ir para o chiqueiro. De modo lúdico, ela vê que, ao colocar a ração, consegue brincar com os porcos e subir na escada. A filha do meio já plantou alface, girassol, milho e algodão. Para vida profissional, vislumbra, sem hesitar, ser veterinária de pequenos animais. A família adotou cinco cães que a rodeiam.
O pai, o produtor rural Roberto Calegari, 48 anos, ensino médio completo, é natural de Frederico Westphalen (RS). Confiante na continuidade do seu legado, nota que Luani foi tomando gosto pelas questões da propriedade com as visitas para acompanhamento da produção pela Emater. Roberto lembra que, desde muito pequena, a filha mais velha já o acompanhava na lida. Hoje, tem plena confiança nela e credita o desempenho da propriedade ao envolvimento dela no manejo e nas decisões. Com a formação da filha, novas oportunidades e uma renda melhor devem ser alcançadas pela pequena propriedade. “Mas não é fácil, tem que ser persistente”, conclui.
A comunidade Linha Barra do Braga ainda segue a política de troca dia. As famílias se ajudam mutuamente, com rara necessidade de contratação de mão de obra externa. Nesses períodos, cada um organiza-se na rotina interna para contribuir com os afazeres dos vizinhos. São áreas não mecanizadas, a maioria de produção leiteira e criação suína, cultivando alimentos para consumo próprio, buscando-se minimamente o comércio alimentício na cidade. Sentem falta de políticas públicas voltadas à pequena propriedade, e estão preocupados com os reflexos climáticos, seja pela estiagem, seja pelo excesso de chuvas e temporais.
O agrônomo Jeferson, consultor da Emater em Frederico há 13 anos, pontua que para a sucessão rural acontecer, é necessária uma renda, um incentivo financeiro, para que as novas gerações permaneçam na propriedade. Além de assistência técnica e extensionista, os consultores buscam incluir crianças e jovens nas tarefas cotidianas de forma gradativa.
Para ele, a sucessão não é nada fácil quando se trata de choque de gerações. “Nós temos uma geração com setenta anos que talvez seja a mais difícil de lidar, de fazer aceitar que tem que dar salário aos filhos, de implantar mudança de manejos”, reflete.
O consultor também observa que muitos homens deixam o campo em função de suas mulheres. Elas preferem a vida urbana a permanecer na atividade rural, tocando o negócio conjuntamente. “Exige manhã, tarde, noite, não tem final de semana, não tem domingo, não tem feriado”, acrescenta. O êxodo para as cidades era comum. Os próprios pais criaram a geração que hoje tem entre quarenta, cinquenta anos dizendo que a vida no interior era difícil. Hoje, Jeferson, já vê uma migração de volta ao campo. “É algo importante, os filhos decidirem ficar porque os pais abriram as porteiras para o diálogo”, salienta. Para isso, o protagonismo feminino nas propriedades é a chance de futuro.
A força da agricultura está representada por famílias que colocam a produção agrícola como uma das principais atividades no Brasil, com grande destaque econômico na geração de renda e no Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Ainda há uma visão pessimista de muitas mulheres por não se sentirem reconhecidas e respeitadas no meio, porém os números já indicam um novo cenário em construção.
Indicadores sociais
Em 2020, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentaram dados sobre mulheres rurais no Brasil, baseados no último Censo Agropecuário de 2017. Dos 5,07 milhões estabelecimentos rurais, 947 mil (19%) eram dirigidos por mulheres, destes 104 mil na região Sul (11%). Com terras próprias somavam 755 mulheres (18%), onde a atividade econômica é 50% de pecuária e criação de outros animais e 32% de produção de lavouras temporárias. Produtoras rurais associadas às cooperativas eram apenas 8,6% à época.
Segundo o Censo, a área total de estabelecimentos no campo, em Frederico Westphalen, era de 18.592 hectares (ha), com 8.912 ha de lavouras e 4.613 ha com pastagens. A zona rural estava legalmente ocupada por 431 produtores individuais, com 70 mulheres, entre 25 e mais de 75 anos, colaborando nos resultados da produção familiar. Na faixa etária dos 45 aos 75 anos, 55 produtoras estavam na ativa.
Outro dado importante foi o número de pessoas com laço de parentesco com o produtor. Dos 995 estabelecimentos agropecuários, apenas oito não estavam sendo ocupados por pessoas da mesma família. Eram 2.593 produtores nesses espaços, com a atuação de 1.010 mulheres, das quais 32 com menos de 14 anos. E como em outros espaços, no meio rural elas se ocupam da produção, mas também do aprimoramento das atividades e do cuidado com os filhos, com a casa e o bem-estar da família.
De acordo com um estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas as mulheres respondem por quase um terço da população ocupada com o agronegócio, sendo que 34% delas em cargos de gestão na área. Isso representa mais de um milhão de mulheres no comando de mais de 30 milhões de hectares no país. A remuneração, todavia, é desigual. Elas recebem em média 20% menos, mesmo exercendo as mesmas funções dos homens, o que contribui para a dificuldade em conseguir crédito e insumos.
Transformações culturais, ao longo dos anos, diminuíram as situações desconfortáveis e intimidadoras. Em Frederico Westphalen, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais promove encontros de mulheres produtoras, e inclusive, possui uma Comissão de Mulheres, ligada à diretoria do Sindicato. Segundo o presidente Amarildo Manfio, o Sindicato está atento à sucessão feminina na região e busca oferecer formação e treinamentos específicos para as trabalhadoras. “Elas se sentem mais valorizadas como agricultoras familiares, vendo que têm um papel fundamental”, comenta.
A coordenadora do curso de Agronomia da UFSM campus Frederico Westphalen, Denise Schmidt, 53 anos, está na docência há 22. Formada em Engenheira Agronômica, relata que a média de mulheres na área vem crescendo progressivamente. “Nos últimos cinco anos, temos a média de 46% de ingressantes mulheres. Atualmente, o curso conta com 117 alunas, 42% do total de alunos do curso. Hoje, se observa aumento exponencial no número de vagas para cargos gerenciais dentro das fazendas e empresas ligadas ao agro. Independentemente do setor, é estratégico entender que a presença feminina só tem a agregar. A competência feminina é vista em todos os processos do agro”, comenta Denise.
Caminhos para a roça
Na região do Médio Alto Uruguai gaúcho, encontramos a Casa Familiar Rural, uma escola de ensino médio que prepara e qualifica jovens para a continuidade da agricultura familiar. Hoje, a escola conta com 70 jovens de 18 municípios nas três turmas, 15 são meninas. Em 2023, a escola formou 21 jovens, com oito mulheres compondo o grupo. Desses jovens, 15 seguiram para cursos de graduação na área.
A diretora, Dulcinéia Zonta, explica que a metodologia de ensino é a de alternância, criada na França, na década de 1930. Na Casa Rural, os estudantes conhecem a realidade das propriedades, fazem um levantamento do patrimônio familiar, o que já permite a reflexão de quanto tempo levariam para adquirir o montante, caso optassem pela vida na cidade. Esses jovens despertam para novos percursos ou para aprimorar aquilo que os pais já cultivam ao elaborar um projeto profissional com metas de curto a longo prazos, aplicados na própria terra. Conhecem os aspectos econômicos, o mercado local, a viabilidade de suas decisões e adquirem autonomia.
Na sala dos professores, tímidas e internamente eufóricas, aguardam oito gurias, todas alunas do primeiro ano do ensino médio. São Daianas, Karolines, Larissas, Alessandras, Marianas, Kétnis, Micheles e Alanas que ocupam seus lugares na produção agrícola e na Casa Familiar, que, na época da fundação, em 2002, só dispunha de alojamento masculino. A primeira mulher formada em Ciências Agrárias a trabalhar na escola foi Dulcinéia, que chegou em 2013. “Nosso objetivo não é formar jovens para o mercado de trabalho porque eles já têm um emprego, já têm as suas propriedades e desenvolvem o projeto de vida junto com a família”, esclarece Dulcinéia.
O agricultor Valdeir Sarmento, 52 anos, pai de duas mulheres, chegou a cogitar morar na cidade. As filhas, alunas da Casa Familiar, no entanto, manifestaram o interesse pela continuidade. Isso fez com que ele investisse outra vez na propriedade. O conhecimento de Valdecir veio dos pais. Agora, com auxílio das filhas estão conseguindo melhorar a genética das vacas, por exemplo. “Elas sempre dizem, o pai que decide. Mas eu converso com elas, a gente planeja juntos. Uma família não existe sem metas, uma de ser feliz e outra de trabalho”, reflete.
Formada em Agronegócio e com especialização em inseminação artificial, a primeira filha dos Sarmento, Debora, 23 anos, hoje está cursando Tecnologia em Agropecuária. Tentou a vida na cidade aos 17 anos, mas foi a partir de uma fala do presidente da cooperativa de créditos onde trabalhava, que decidiu retornar ao campo. “Era aniversário da cooperativa, e ele disse que no próximo ano queria ver todos ali, mas felizes no que faziam. Mas eu não estava feliz”, relembra. Para ela, é preciso perseverar, ter vontade de fazer diferente, ter determinação e ambicionar novos resultados. Em 2019, ela ganhou o prêmio Jovem Empreendedor Rural, oferecido pelo município de Frederico Westphalen e pela Emater local: “Significou muito, deu um gás. Tinha recém saído do banco. Para muitos foi um espanto: ‘nossa!’, sair do banco para trabalhar com vaca?”, recorda.
A aluna do terceiro ano na Escola de Ensino Médio Casa Familiar Rural, e irmã caçula de Debora, Helen, 17 anos, é coringa na propriedade da família: “Eu sou meio um faz tudo. Posso tirar leite ou tratar, ajudo onde falta mão de obra naquele dia”. A formação traz reflexos para o trabalho: “a gente sempre contribui com o que sabe. Como a gente estuda também, e recebe um incentivo, sempre vem com novas ideias, trazemos para a propriedade”. Nessa caminhada inicial como agricultora, já sentiu dificuldade por ser mulher. Foi ao realizar o curso de inseminação artificial junto com a irmã. Mas não desanimaram. “Desistir nunca é uma opção, não é? Às vezes, aparecem as dificuldades, mas a gente vai e enfrenta”, completa. O pai transmite conhecimento e incentivo. Entre lágrimas e sorrisos, contam que o trabalho e a família caminham juntos. O refúgio dos pais reafirma a certeza de que a propriedade familiar continua.
Bons ventos
O produtor rural Roberto Piovesan, 57 anos, também tem duas filhas, mas há um ano e pouco atrás olhava para a propriedade onde nasceu e não via lugar para as meninas. Por sorte, as previsões não formam assertivas. Hoje, a filha mais velha lida com suínos e a caçula com vacas e terneiras. Homem de poucas palavras e de sorriso fácil, ele compara as gerações e as histórias e reconhece a importância das filhas e da mulher. “Se não fossem elas, eu acho que não estava mais conseguindo tocar. Aqui é a minha vida. Está tudo aqui, desde o começo”, conta. Ao mesmo tempo que tenta motivar as filhas, sente falta do incentivo público para as estradas e infraestrutura básica, por exemplo. “Um acesso bem caprichado, não precisa muita coisa, só olhar mais para o agricultor que trabalha e que depende disso”, pondera.
Agricultora e artesã, Jéssica Maria Frizon Piovesan dos Santos, 31 anos, é a primogênita do Roberto. A conversa foi dividida entre suas histórias e a atenção com os dois filhos, Cecília, sete anos, e Miguel, cinco, que brincam livremente pela propriedade. Na lida, é a responsável pelo chiqueirão. Acredita que que a maioria das pessoas não valoriza a mulher do campo: “Dizem, ela é uma colona. Ela só está lá para ir na roça, parece que ela não pode se arrumar”.
Estudante de Medicina Veterinária no Instituto Federal Farroupilha (IFFAR), campus Frederico Westphalen, Larissa Frizon Piovesan, 18 anos, completou o ensino médio na Escola Casa Familiar Rural, onde começou a despertar para a atividade com os animais. A caçula dos Piovesan tem curso de inseminação artificial, atende a propriedade da família e as de vizinhos. “Hoje, toda a parte de inseminação, reprodução, ração das terneiras, das vacas, os pedidos para os animais é comigo”, explica. Mas pondera: “Quando tem alguma coisa para resolver, geralmente o pessoal chega e já procura o homem da casa”. A diferença está em pessoas como o consultor da Emater, Jeferson Figueiredo, “que conversa do mesmo modo com todos”.
Do anonimato ao compartilhamento do espaço e ao protagonismo, as meninas e mulheres igualzitas aos pais, dão eco a outros versos da canção de César Passarinho, lembrada na abertura da reportagem: “E de lambuja permita, que eu nunca saia daqui”.
Mantendo o rancho
O fôlego da família Gabbi da Silva vem da matriarca, Jurema Bulegon da Silva, 78 anos. As terras ficam na linha Peixeira, em Rodeio Bonito (RS), onde criou sozinha os onze filhos. Os caminhos dessa área, literalmente, foram abertos com a participação dela com enxada e picão, e levam às lembranças de gerações. O patrimônio, hoje, é conservado pelo filho Valdir e pela neta Caroline, que seguem cultivando essa história.
Alegria, força, entusiasmo pela vida, assim é a prosa com a vó Jurema. Ela conta que desde os cinco anos já pegava o arado de manhã cedo, e seguia até a noite lavrando os peraus. Ela estava trabalhando até quatro anos atrás, quando vendeu a terra para o filho Valdir, que chama carinhosamente de Dile. Fala que ainda chega a sonhar que está na lida. Se vê refletida na neta. “A Carol é igual a mim, porque eu não paro de lidar, eu não paro um dia”, conta.
Jurema nunca quis ir para a cidade. Quando visita as filhas em Ametista do Sul não vê a hora de voltar para casa. “Eu não quero estar lá parada na cidade, olhando pro céu. Aqui, nós pegamos o ar livre. De noite, é a coisa mais linda. Tu se entretém, tu distrai a cabeça, tu vai lá e faz uma horta, tu vê as galinhas, junta um ovo, cuida os porcos”, explica.
O sofrimento que passaram também foi pauta. Comentou que não tinha dinheiro, não tinha bolsa escola, não tinha bolsa família. Tinha que trabalhar de peão, na lavoura, no garimpo, tratando os bichos, dirigindo a carroça pelo perau, abrindo estradas. “Quantas vezes eu chorei na roça, porque a mãe quer ver os filhos comerem. Se a gente comeu, comeu. Nunca abandonei meus filhos, tudo em roda de mim”, relembra. Carol, então, aparece com uma foto antiga, com parte dos filhos de Jurema, e mais um álbum com boas recordações.
Filho, o produtor rural Valdir Gabbi da Silva, 47 anos, começou cedo no garimpo e na lida na roça. Foi para Novo Hamburgo (RS) com 16 anos, trabalhar numa fábrica de calçados. O sonho era comprar uma moto, então foi juntando dinheiro dos trabalhos realizados um ano e meio na cidade, bastou. “Saudade do lugar? Eu nunca gostei da cidade. Fui pra trabalhar, pra ganhar um dinheiro, né? O dinheiro que eu empreguei lá, segurei”, compartilha. A mãe, Jurema, representa a base. Comprou a terra que pertencia à mãe, em 2009, e já trazia a filha Caroline junto. “Eu levava ela na carretinha agrícola, carregada, e ela com duas caninhas lá atrás levando, me ajudando. Não que ela me ajudasse, mas eu tentando ensinar. Sempre a minha ideia. Já digo, me ajudar a fazer a diferença, é o ensinamento”, considera.
Valdir, com humor, prontamente fala sobre a confiança que tem na filha. “Só com os olhos fechados que eu confio. Com os olhos abertos não dá pra confiar muito não”, brinca. “Eu não estresso nada. Se eu tocar de sair viajar, alguma coisa, se ela tiver aqui, é tranquilo. Ela sabe fazer negócio, sabe como trabalhar”, completa. A comunidade já chegou a rotulá-lo de “provalecido” por carregar a filha ainda pequena, mas Caroline sempre frequentou a escola e hoje está na universidade. Os anos mudaram a visão e os comentários pela redondeza. Pensa na filha tocando o próprio negócio, todavia entende que ela pode sair, fazer um pé de meia, mas sempre ter o canto para voltar. Do seu legado, o maior é a educação, afirma. também é pai do Moisés, oito anos, a quem orienta a enfrentar os problemas de frente.
Caroline Gabbi da Silva, 19 anos, além de produtora rural, é estudante do terceiro semestre de Agronomia da UFSM-FW, decisão pela continuidade na propriedade veio por amor a tudo que o pai ensinou, além das histórias aguerridas da avó paterna. Com o incentivo da família, está segura da sua escolha. “Olhar para um pasto, ver ele verde, cheio de gado, sabe? Todo esse processo que tem de plantar cana e colher. Olha, uma coisa que eu tenho certeza, é que eu nunca vou abandonar a terra ali, sabe?”, comenta ela, enquanto fala dos planos: “Eu quero muito viajar, fazer estágio e tal. Mas, independente, do lugar para onde eu for nunca vou deixar a propriedade abandonada. Quero que continue de onde meu pai deixou, pra melhor. Essa é a minha ideia”, relata emocionada.
Menina de sorriso amplo, cuja delicadeza não comporta fragilidade, Caroline é assertiva, inquieta e trabalha muito. Traz consigo uma fala do pai, que nunca esqueceu. “Foi numa conversa aleatória que a gente estava tendo. Ele olhou para o pasto e disse: ‘eu vejo Deus nesse pasto’. E eu entendi totalmente o sentido daquela frase, sabe? Vejo Deus nesse pasto, desde a força que Deus dá pra gente trabalhar, pra plantar e a continuidade, tipo, de ter chuva pra regar, e está verde, está bonito, sabe?”, recorda.
A guria se assemelha ao pai pelo amor por aquela terra, a visão empreendedora e o valor pelo trabalho. Carol também ajuda na colheita da uva em uma propriedade vizinha. O brilho nos olhos da estudante só aumenta ao falar da lida. “Ia pro meio da lavoura com toda aquela turmada, sabe? Daí a gente colhendo ali, batendo papo, ver o dia desde o orvalho até chegar no meio-dia, aquele calorão, sabe? Não tinha coisa melhor, não tem ainda”, declara. Entre as incumbências dela na propriedade está a piscicultura. Ademais, tem o sonho de trabalhar na EMATER, visitar as propriedades, apresentar e aplicar o melhor. No meio da realidade da produção, as trocas com a avó Jurema aliviam o estresse. Quando pensou em desistir dos estudos e ficar no campo, lembrou dos ensinamentos da família: “Aonde chega a tua limitação, entra a tua fé”, finaliza.
Do anonimato ao compartilhamento do espaço e ao protagonismo, as meninas e mulheres igualzitas aos pais, dão eco a outros versos da canção de César Passarinho, lembrada na abertura da reportagem: “//E de lambuja permita/ que eu nunca saia daqui//”.
FREDERICO WESTPHALEN, RS
RODEIO BONITO, RS