Nova geração de leitores preserva o hábito da leitura e transita entre livros físicos e plataformas digitais.
Texto e Fotografia: Gabriela Menezes
A estudante Ana Carolina Poncio de Oliveira, 14 anos, de Frederico Westphalen (RS), tinha apenas dois anos quando começou a explorar o universo mágico dos livros, folheando páginas cheias de imagens que despertavam sua imaginação. Crescendo em um lar onde os pais incentivaram a leitura, ela desenvolveu uma paixão precoce pelas histórias que moldaram sua infância. Hoje, mesmo em um mundo digitalizado, ela se adapta e encontra novas formas de se conectar com a literatura, equilibrando a preferência pelo toque físico dos livros com a praticidade dos e-readers ou dispositivos eletrônicos de leitura.
Na estante do quarto, cada livro abre uma porta para outro mundo, compartilhado com amigas por meio de clubes de leitura e de resenhas informais. É neste ambiente que Ana Carolina navega, entre páginas impressas e telas digitais, preservando o hábito de leitura, apesar das constantes distrações tecnológicas do cenário atual.
Com o avanço da tecnologia, o hábito de leitura transformou-se profundamente. Sabemos que, hoje, a leitura não se limita aos livros físicos; ela navega por e-books, artigos online, redes sociais e audiolivros. Mas a presença da tecnologia não significa que os índices de leitura tenham diminuído. Pelo contrário, estamos lendo mais, de formas diferentes. “Apesar da disputa entre vídeo e texto, a leitura ainda mantém sua primazia em certos tipos de conteúdo por sua capacidade de informar com rapidez e qualidade”, pontua Ana Rüsche, professora e escritora, de São Paulo. Rüsche observa que a internet intensificou o contato com o texto escrito, facilitando a leitura para as novas gerações.
Ana Carolina representa bem a nova geração de leitores que, mesmo com o surgimento de diversas tecnologias, não abandonou o hábito da leitura tradicional. “No Kindle [e-reader da Amazon] é muito legal de ler, porque ele tem uma leitura diferente da tela do celular ou do computador, o que faz com que a leitura flua. Mas, ainda assim, eu acho que prefiro o livro físico, porque tem aquilo da capa, do material do livro, eu gosto de folhear”, comenta Ana Carolina.
A jovem também é um exemplo de como a literatura pode se adaptar bem ao mundo digital. Para ela, a transição para o digital não significa uma ruptura, mas uma extensão de sua forma de ler. Lavinia Neres, escritora e revisora de textos acadêmicos e literários, de Santa Maria (RS), reforça essa visão: “Um suporte não substitui o outro; eles coexistem. A pessoa que lê o livro digital também pode ler o físico em determinado momento. O importante é o acesso à leitura, independente do meio”, argumenta.
Plataformas como Kindle, Skeelo, Wattpad e diversos aplicativos de leitura desempenham um papel fundamental nessa transição. Elas oferecem acesso instantâneo a milhares de títulos, facilitando a vida dos leitores atuais. Segundo a pesquisa da Associação Brasileira de Livros Digitais (ABLD), o número de leitores de e-books no Brasil dobrou nos últimos cinco anos.
Apesar das vantagens da leitura digital, as distrações causadas pela tecnologia são um desafio constante. O estudo publicado pela American Psychological Association (APA), em 2021, mostra que 60% dos jovens entre 18 e 29 anos relataram dificuldades em se concentrar na leitura de livros devido às constantes notificações e distrações dos dispositivos móveis. Por essa razão, Ana Carolina menciona que prefere ler livros físicos, evitando as interrupções constantes do celular. “A única coisa que atrapalha, talvez seja a distração que tem, não só comigo, é difícil encontrar pessoas que tenham esse hábito de leitura e eu acho que isso é muito por causa do celular, porque é muito mais fácil pegar um celular e começar a mexer do que um livro”, comenta.
No contexto brasileiro, um outro dado que ressalta as desvantagens da leitura digital é o declínio geral no número de leitores nos últimos anos. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o país perdeu mais de 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019. A porcentagem de leitores caiu de 56% para 52%. O impacto das redes sociais e da internet é notório, pois 82% dos leitores gostariam de ter lido mais, mas quase metade (47%) citou a falta de tempo, em grande parte devido ao aumento do uso da internet, que passou de 43% para 62% como atividades preferidas no tempo livre.
Comunidades leitoras
Até a motivação para a leitura está em transformação. Antes, incentivados por pais e professores, adolescentes e jovens agora são inspirados por filmes, amigos e influenciadores digitais na escolha das leituras.
Plataformas como Instagram e TikTok estão criando uma nova geração de leitores. Os influenciadores literários têm um grande poder de recomendação, e as opiniões que compartilham impactam diretamente nas escolhas dos jovens. Marina Freitas, editora formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e pesquisadora em leitura compartilhada na internet, ressalta o papel das redes sociais na promoção da leitura: “muitas das leituras que eram e que apareciam entre os vídeos mais relevantes, também eram leituras divulgadas pelas listas da Bienal do Livro e canais como Publish News”, comenta.
A pesquisa realizada pelo IPEC na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em 2022, com visitantes acima de dez anos, exemplifica essa ideia: dos 13 livros mais lidos, citados por 75% dos visitantes, apesar da grande pulverização em títulos, pelo menos oito foram fenômenos de vendas divulgados por booktokers [influenciadores de leitura do TikTok], segundo as editoras expositoras.
A popularidade dos clubes de leitura on-line e dos influenciadores literários têm um impacto notável na forma como as pessoas descobrem e discutem livros. “Nas minhas redes sociais, uma das coisas que mais aparece é livro. No TikTok, vejo vídeos sobre livros em si, e também conteúdos criativos relacionados,” diz Ana Carolina. Inspirada por um vídeo no TikTok sobre “livro viajante”, uma iniciativa onde um grupo de pessoas lê e faz anotações em um mesmo livro, passando-o entre si, ela reproduziu essa ideia com suas amigas, criando, assim, um clube do livro.
Thais Nunes, criadora e membro de um clube de leitura local, compartilha a importância dessas comunidades. “Os clubes de leitura nos ajudam a manter o hábito de ler e oferecem um espaço para discussões sobre os livros. É uma forma de socialização que enriquece nossa experiência de leitura,” diz Thais. Ela acrescenta que os clubes reúnem pessoas de todas as idades, desde professoras aposentadas até uma menina de 14 anos, mostrando que, apesar dos diferentes perfis, todos compartilham o amor pela leitura. “Acho que todo sonho do leitor é ler um livro e conversar com alguém que também o leu,” completa.
O livro físico ainda carrega grande valor simbólico. É objeto colecionado, exibido em estantes e passado de geração em geração. Ajuda a criar um legado cultural e pessoal. Além disso, oferece terreno para a leitura sem distrações digitais, permitindo imergir completamente na narrativa sem notificações ou interrupções.
A história de Ana Carolina exemplifica como leitores contemporâneos transitam entre o físico e o digital. E mostra o quanto a literatura inspira, informa e permanece fundamental. O futuro da leitura parece abrigar uma coexistência harmoniosa entre o papel e as telas. O hábito da leitura se diversifica, com leitores fluindo conforme necessidades e preferências.
O digital traz novas funcionalidades, interatividade e personalização do conteúdo. As bibliotecas digitais e os serviços de assinatura de livros, como Kindle Unlimited e Scribd, estão se popularizando, oferecendo acesso ilimitado a um vasto acervo por um custo acessível. Independente do suporte, a literatura continua uma fonte inesgotável de conexões, de conhecimento e de prazer. Cada nova tecnologia, portanto, é apenas um novo capítulo, nunca o final da história. O