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Estrelas no interior



Atletas de alto rendimento que brilham na seleção brasileira de atletismo

 

Texto e Fotografia: Jéssica Thaís Hemsing

 
Atleta Camila realizando o lançamento do disco. Ao fundo, Cleison e Tainara.

 

Todos os dias, nas primeiras horas da manhã, seu João pedala com sua bicicleta na pista da Associação JBS de Itapiranga. O local está sempre movimentado, de trabalhadores à amantes do esporte. Quem transita por lá, como seu João, talvez não imagine que divide o espaço com atletas da elite do atletismo brasileiro. Camila Flach, 18 anos, e a prima dela, Tainara Mees, 19, compartilham o mesmo sonho: viver do esporte. Se manter no alto rendimento requer compromisso e muito treino, por lá, de segunda a sábado, são realizadas repetições incansáveis. Camila compete nas provas de campo, arremesso de peso e lançamento de disco, já Tainara disputa provas combinadas, o heptatlo.

Nascidas e criadas em uma cidade pequena, do extremo oeste de Santa Catarina, Itapiranga tem um pouco mais de 17 mil habitantes e faz divisa com a Argentina e o Rio Grande do Sul. Assim como em muitas cidades do país, em Itapiranga o esporte é muito praticado em diversas modalidades. No entanto, apesar da prática generalizada, a profissão de atleta não é muito comum. 

Cleison Back é o grande incentivador da dupla. Ele conheceu as atletas na escola onde trabalhava, quando as convidou para participar de um projeto do município voltado ao atletismo. Cleison percebeu que Camila e Tainara tinham potencial físico. O projeto começou em 2018, e os resultados chegaram no mesmo ano com Tainara, e no ano seguinte com Camila.

No início, tinham pouca infraestrutura, tudo era cuidadosamente planejado por Cleison para que pudessem, dentro de suas possibilidades, aprimorar seus treinamentos. No começo, o treinador se deslocava até a comunidade de Popi, interior do município, para realizarem os treinos em um campo. Camila e Tainara residem em Popi, e percorriam dois quilômetros de bicicleta para chegar ao local.

Conforme o tempo passou, os resultados foram justificando os investimentos realizados. Com os resultados positivos, surgiu a necessidade de um espaço maior e melhor. Inicialmente eram dois treinamentos por semana, que passaram a ser realizados seis dias por semana. Assim, foi estabelecida uma parceria com a Associação JBS, onde a equipe usufrui de uma pista de corrida. Com tudo isso, em menos de quatro anos, os três foram convocados para representar a Seleção Brasileira de Atletismo em competições nacionais e mundiais.

Atleta Tainara realizando o lançamento o dardo.

O caminho

Camila e Tainara sempre tiveram contato com vários esportes, mas a paixão pelo futebol está no sangue. A família toda é praticante. As duas contam que, antes mesmo de descobrirem as habilidades no atletismo, frequentavam escolinhas de treinamento de futebol. Camila sorri e conta que seu sonho era ser jogadora profissional de futebol: “Ainda bem que minha mãe não me deixou jogar bola” , reflete.

No decorrer dos treinos, mesmo já tendo conquistas relevantes, a escolha das provas era um assunto delicado. Camila sempre foi corredora, e foi na busca da sua segunda prova, em um dia de treino qualquer, que Cleison pediu para Camila arremessar o peso pois ela era “fortinha”. Foi nesse momento que Camila arremessou muito perto da marca campeã estadual do Jogos Escolares. Isso foi o suficiente para o arremesso de peso ser sua prova escolhida. Depois de alguns meses, Camila foi campeã brasileira no arremesso de peso, e, na mesma competição, foi segunda colocada no lançamento de disco.

Tainara transitou de provas de velocidade e salto em distância para o heptatlo, que é um conjunto de tudo. Ela conta que sempre tinha negação com a prova . “Heptatlo era uma prova que eu sempre falava que eu nunca na minha vida ia fazer, mas nunca, porque competir dois dias, fazer um monte de prova, fazendo a prova de fundo que é 800 metros, que é muito puxado, eu pensava nossa eu nunca vou fazer isso na minha vida. É, me lasquei”, ressalta com um sorriso no rosto. 

Treinador Cleison e atleta Tainara realizando o aquecimento.

A rotina

A vida de um atleta profissional é muito exaltada e pouco observada. De um lado, treinos diários. Do outro, cobranças insistentes. Camila e Tainara aumentam seus rendimentos a cada temporada, mas as cobranças também. Por disputarem modalidades individuais, a exigência interna está muito presente.

A preparação mental é necessária para um bom desempenho. Treinos, alimentação e descanso são os pilares que estão interligados no dia a dia. Cleison fala sobre a comparação que a sociedade determina entre as profissões. “Eu acho que o atleta precisa ser mais determinado ainda. Ele é atleta 24 horas por dia, porque aquilo que ele come, a quantidade que ele come, o tempo que ele dorme, a qualidade do sono, a qualidade do treino, o momento e as alterações hormonais das meninas interferem muito em todo o processo”, explica.

Hoje, Camila e Tainara contam com o apoio de fisioterapeuta, nutricionista e psicóloga. A importância desses acompanhamentos afeta diretamente o desempenho delas. A fisioterapia é indispensável para acompanhar os treinamentos intensivos, na precaução e tratamento de lesões. A nutricionista esclarece as linhas a serem seguidas para o melhor desempenho possível. Assim, enquanto esses fatores moldam o corpo, a psicoterapia molda a mente. É neste momento que as frustrações do trabalho (no atletismo) e da vida pessoal são conduzidas de maneira equilibrada e leve.

A psicóloga é o suporte principal para conduzir principalmente os momentos de adversidade, como lesões. Camila se lesionou durante uma temporada e fala com propriedade sobre a importância dessa profissional nesses momentos. “Tem que preparar tua cabeça e começar a recuperar mentalmente,  porque cabeça e corpo estão interligados, né? Então se a tua cabeça não estiver bem, tua lesão automaticamente vai ter um processo mais longo, tem que começar pelo psicológico mesmo”, relata.

A família

A família desempenha um papel fundamental na evolução de um atleta. É ela quem é o suporte para lidar com eventuais dificuldades, seja em competições ou no dia a dia. A família fortalece sua identidade, agregando autoestima e motivação para o esporte. Tainara conta que no início, o suporte familiar foi crucial. “Às vezes eu não queria treinar, mas meu pai falava, vai treinar sim”, relata. 

O apoio foi fundamental em todos os momentos, mesmo que muitas vezes tenha sido involuntário. Elas moram longe do local de treinamento, e por muito tempo quem fazia o transporte para que pudessem treinar eram os pais. Camila relembra a época em que eram menores de idade e não tinham liberdade de locomoção. “No começo, tanto os meus pais como os dela, levavam a gente todo dia. Era todo dia alguém indo para rua, deixando as suas coisas de lado para levar a gente para treinar”, ressalta.

A caminhada de quem vive do esporte é árdua. A cobrança por não estar presenciando de perto passos importantes da família, amigos e filhos é dura. De pequenas vivências no dia a dia a eventos únicos. Cleison descreve seu sentimento pelas abdicações necessárias das suas escolhas. “Saber que por você não estar com a tua família, não estar com os teus amigos, não é uma coisa que está errada, mas que naquele momento você está priorizando teu sonho, e se a tua família e os teus amigos também te entenderem nesse sentido, eles vão estar te apoiando incondicionalmente”, alega.

Treinador Cleison orientando a atleta Tainara.
PROVAS DE CAMPO E COMBINADAS

O atletismo é considerado um dos esportes mais antigos do mundo, mas foi somente no ano de 1928 que as mulheres passaram a competir também.

Camila Flach disputa provas de campo, como arremesso de peso e lançamento de disco. Ambas demandam força explosiva, habilidade técnica elaborada e uma compreensão refinada da mecânica do lançamento e arremesso. Mas, além de toda apresentação física, essas provas exigem controle emocional e intensa concentração psicológica. Saber manter a calma sob pressão é fundamental para alcançar marcas pessoais ou recordes.

Tainara Mees compete em uma das provas combinadas do atletismo, o heptatlo. É uma legítima maratona de habilidades, combinada com uma demonstração de excelência esportiva e determinação. O heptatlo consiste em sete provas disputadas ao longo de dois dias de competição. No primeiro dia, as provas são: 100 metros com barreiras, salto em altura, arremesso de peso e 200 metros rasos. No segundo dia, as atletas competem em: salto em distância, lançamento de dardo e 800 metros rasos. Por fim, o somatório de pontos de cada prova é que decide o resultado final. Esta prova testa a versatilidade das competidoras e destaca aquelas que têm a capacidade de se adaptar a diferentes situações. Um dos elementos essenciais do heptatlo é o alinhamento entre mente e corpo. Gerenciar o desgaste físico e mental ao longo de dois dias, mantendo o foco necessário, é uma prova adicional de resistência.

Verde, amarelo e azul

Vestir a camisa do Brasil é o sonho de todo atleta profissional. É muito mais que um uniforme. É ser honrado por seus resultados, por seus sacrifícios e por sua paixão pelo esporte. A oportunidade de viver esses momentos únicos foi conquistada pelo destaque em competições nacionais. O trabalho de Cleison com as atletas foi preciso. Em menos de quatro anos, vivenciaram a tão sonhada convocação para a Seleção Brasileira de Atletismo.

Cleison menciona o quanto o ano de 2021 foi especial. Foi o ano em que os três foram convocados pela primeira vez. Além da experiência de competir internacionalmente, Camila relata a felicidade que foi poder desfrutar da estrutura que o Time Brasil proporciona. “A gente ficou de boca aberta com tudo”, relembra. 

Apesar de ser uma emoção diferente a cada convocação, a responsabilidade e o compromisso de representar um país andam lado a lado. Tainara conta que depois de cinco convocatórias, ser convocada envolve coisas que não são observadas. “A gente querendo ou não vai criando o nosso nome dentro do atletismo brasileiro também, então tem toda essa questão, digamos assim, pressão de ir bem, de representar bem o Brasil, de manter o nível bom, de fazer o teu melhor resultado. E isso também implica não só para ti mesmo, mas em relação a, por exemplo, patrocínio, visibilidade”, explica.

Subir ao pódio é o ápice de um caminho repleto de dedicação e determinação. É o momento em que a emoção do reconhecimento do seu trabalho e de representar o país se misturam. Camila cita que poder vivenciar isso faz elevar cada vez mais o nível de seus sonhos. “Nossa, a melhor coisa, cantar o hino no pódio é uma sensação indescritível assim, você tá lá e perceber, tô aqui com a camisa do Brasil, representando o Brasil, numa competição internacional, é uma coisa que eu não sei nem falar em palavras, porque é a realização de um sonho mesmo”, relata.

Atleta Camila realizando o lançamento de disco.

O futuro

À medida que os treinamentos se intensificam, os sonhos se transformam em objetivos concretos. Cada treino, cada renúncia pessoal, é mais um passo em direção aos propósitos. Atletas de alto rendimento aprendem muito cedo que o caminho é trilhado por muita disciplina e uma resiliência inabalável. Quando perguntado às atletas qual palavra resume sua jornada, a resposta é unânime. “É resiliência, porque eu, por exemplo, tive muitos altos e baixos. Às vezes eu imaginava uma coisa e não acontecia, então, se eu não quisesse mesmo eu poderia ter desistido, mas aí eu pego isso como força” afirma Tainara.

Quando se trata da elite do atletismo, atletas podem parecer ter uma vida de glamour e sucesso, mas o caminho para o topo requer muitos sacrifícios. Dedicar horas intermináveis de treinos ao longo da semana e ao mesmo tempo abdicar de momentos de lazer com familiares e amigos exige determinação. Para alcançarem seus sonhos mais ambiciosos, a paixão é o impulso necessário. 

Camila abre seu coração sobre seu sentimento atual. “Amo o que eu faço. Adoro a sensação de estar dentro da pista e saber que eu sou realizada com o que faço hoje, mesmo abrindo mão de muitas coisas para fazer isso e mesmo que tem que saber lutar contra várias coisas, vários pensamentos, mas sei que é uma coisa que me faz muito feliz hoje, que realiza meus sonhos hoje” comenta.

Amor e dedicação são os pilares que sustentam nossos sonhos. Cleison explica suas ambições para o futuro. “2028 tem Olimpíadas, é o planejamento a mais longo prazo que a gente vai montar. Em 2028, vai ter que acontecer”, declara o treinador. Quando perguntada sobre seus sonhos, Camila afirma com confiança: “Eu não acredito que sonhos sejam impossíveis, porque se a gente consegue sonhar, a gente consegue realizar”.   O

 

Itapiranga, SC

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