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eSports: esporte ou diversão



Como os profissionais driblam o preconceito com esportes eletrônicos e lotam arenas por onde passam

Conrado Araujo, Emanuel Santos e Lucas José Bortoluzzi

Fotos: Emanuel Santos

A realidade de viver de esportes eletrônicos é recente, mas hoje há atletas que rodam o mundo para seguir o sonho de dedicar a vida aos chamados eSports, ganhar grandes premiações e ter uma gama de seguidores pelas redes sociais. É o caso de Lucas Flores, 18 anos, mais conhecido por seu nickname, “Netuno”.

Jogador de League of Legends, Netuno iniciou sua carreira nos eSports no Flamengo Academy, grupo que funciona como “categoria de base” da equipe profissional. Ele começou profissionalmente aos 18 anos, porém joga League of Legends desde os 13 e, aos 15, alcançou o “elo” mais alto do jogo.

Os primeiros games foram feitos para simular o tênis, com uma bola e um risco na tela. Em 1958, o Tennis for Two (tênis para dois) ganhava vida. Um tempo depois, aquilo que seria chamado de fliperama começava a surgir, em 1971, com o lançamento do Computer Space, logo depois, do Pac-Man, que saía “comendo bolinhas” e fugindo de fantasmas pela tela.

O primeiro campeonato de eSports oficial do qual se tem registro foi realizado em 1972, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. O jogo em questão foi Spacewar!, em uma competição chamada Olimpíada Intergaláticas de Spacewar. A premiação foi um ano de assinatura da revista Rolling Stone.

O campeonato foi criado e disputado pelos próprios alunos do laboratório de inteligência artificial da faculdade. Já em 1980, a produtora de jogos Atari criou o primeiro campeonato em larga escala de Space Invaders. O evento teve cerca de 10 mil participantes e grande repercussão na mídia, o que ajudou na popularização dos jogos e dos campeonatos.

A partir daí, foi surfar a onda dos games, que tomaram conta do mundo. Ter um console, com a oportunidade de se divertir e de competir, ganhou popularidade, ao ponto de fazer surgir empresas voltadas para esse universo que se estruturava.

A popularização do jogo League Of Legends, conhecido como LOL, por volta de 2013, com suas partidas intermináveis que não deixavam os jovens saírem do computador, mostrou que a prática era mais do que competir. Ali se criava uma comunidade de jovens, adultos e idosos, todos online.

A explosão do LOL foi tão grande que passou a se organizar de forma orgânica e natural. Logo as primeiras notícias de campeonatos estaduais e nacionais começaram a surgir. Conquistar o mundo não era mais um bordão do futebol.

As lan houses começaram a crescer, não só para o uso das redes sociais e jogos da época, mas também como espaço para competir. O desejo ascensão poderia surgir em um bairro qualquer, ao custo de algumas moedas por horas de internet, e que, pouco a pouco, dariam vazão a um sonho cada vez mais real para adolescentes de todo o mundo: viver do esporte eletrônico.

Do amador ao profissional

Se ficarmos nas entrelinhas ou no popular “em cima do muro”, não vamos desmistificar a realidade de um atleta de eSports, que vai além do desgaste físico e mental, envolvendo a sua vida pessoal e o seu cotidiano. Talvez ainda seja um esporte elitizado, mas os jogos eletrônicos atingem camadas que a nossa perspectiva social não alcança.

Estar online permitiu aos jovens como Lucas sonharem com um mundo diferente. Saber chutar uma bola não é obrigação, mas pode te restringir de algumas experiências. No entanto, mesmo o maior esporte do mundo não tem o desejo de competir com as novidades. Não à toa, também dentro dos consoles há uma comunidade bem estruturada e dando vida aos desejos de jovens de alguma maneira entrar em campo.

O processo de ascensão e mudança de um jogador casual a um jogador profissional é algo que exige uma rotina de treinamentos e busca por aprimoramento das habilidades dentro do jogo. É quando o atleta passa a tratar o game com seriedade.

Além disso, assim como no futebol, as equipes de eSports possuem olheiros, conhecidos como scouts. Esses olheiros trabalham observando as partidas dos jogadores bem “ranqueados”. Lucas explica que, após uma análise de desempenho, o scout recruta o jogador para fazer testes na equipe.

 A rotina desse tipo de profissional é igual a de um emprego formal, com local de trabalho e carga horária. As equipes possuem um escritório como centro de treinamento. Algumas equipes preferem a “gaming house” como local de trabalho e moradia para o time. Netuno conta que os treinos duram em média oito horas, porém sempre tem algumas horas extras.

Conciliar a vida pessoal e profissional é um dos desafios dos pro-players, pois jogar está muito ligado ao lazer da vida pessoal. Esse momento de prazer é a porta de entrada da maioria dos jogadores de eSports. Lucas relata que sempre tenta fazer algo que gosta nos momentos livres e tenta ficar “fora do trabalho”, embora ele continue jogando LOL nas horas vagas como diversão e também para melhorar sua habilidade dentro do jogo.

Os jogos virtuais permitem ao usuário criar um perfil dentro do jogo. Isso possibilita uma liberdade “artística” ao jogador de construir sua identidade virtual. Lucas disse: “Escolhi Netuno como nick porque gosto muito de mitologia greco-romana. Achei Poseidon feio, então peguei a parte Romana, que é Netuno”. No mundo digital, a criação desse tipo de identidade se tornou um fator relevante para pensar a sociedade atual, visto que hoje, famosos da internet são reconhecidos e chamados mais pelo seu “nickname” do que pelo seu nome verdadeiro, o que também reforça a privacidade de informações pessoais.

O cenário dos esportes eletrônicos

“A meu ver, esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento”. A frase da ex-ministra dos esportes, Ana Moser, desencadeou protestos de atletas de eSports pelo Brasil. A indústria, que hoje envolve negociações milionárias em patrocínios, transações de atletas e toda uma estrutura de psicólogos, nutricionistas e até motoristas, saiu não somente em defesa de si própria, mas também em defesa da profissão e do trabalho.

No Brasil, o cenário do eSports cresce a cada ano. Não é à toa que no país se encontra o maior centro de treinamento de esportes eletrônicos do mundo. Hoje, existem mais de 800 equipes de esportes eletrônicos pelo planeta, e grande parte delas se encontra no Brasil ou possuem grupos formados por brasileiros.

Os esportes eletrônicos se dividem em algumas modalidades: Moba, FPS, Battle Royale, Fighting Games, Cards e Simuladores. A maioria desses jogos são disputados em equipes, geralmente de cinco jogadores. O LOL se encaixa na categoria Moba, na qual entram jogos de batalhas em arena, em que o time deve destruir as bases inimigas.

As modalidades FPS e Battle Royale são os famosos “jogos de tiro”, ou seja, o objetivo desses games é eliminar a equipe inimiga ou sobreviver a partida inteira. Essas categorias, juntamente com o Moba, são as mais populares entre os jogadores e fãs no Brasil.

A equipe de Netuno, Los Grandes, é uma das maiores organizações (orgs) de eSports do país, com mais de 8 milhões de seguidores nas suas redes sociais. As orgs brasileiras já chegaram a arrecadar mais de 1 milhão de  dólares em premiações. Hoje a equipe com maior lucro é a Team Liquid, que ultrapassa os 44 milhões de dólares.

O grande trunfo das organizações de eSports é ter diferentes times para cada modalidade de esportes eletrônicos, o que acaba interferindo na formação da equipe. Hoje, por exemplo, a Team Liquid possui uma equipe de Rainbow Six, formada por brasileiros, e uma equipe de CS:GO, formada por americanos e canadenses. Ter essa gama de times em diversas regiões do mundo possibilita às organizações ganharem mais fãs e disputarem mais campeonatos durante o ano.

Em média, hoje um pro-player recebe entre 2,5 e 30 mil reais mensais, valor que, geralmente, recebe acréscimos devido a patrocínios e o dinheiro ganho por meio das redes de streaming que o jogador possui.

Todo esse cenário criou uma cultura envolta nos eSports e ampliou a cultura digital. Assim como o futebol e o basquete, vários fãs possuem produtos, como camisetas, e além disso os times possuem itens dentro dos games. As “skins”, como são chamadas, são itens cosméticos dentro dos jogos que podem ser colocadas nos personagens, incluindo vestimentas e até pinturas nos equipamentos do game.

Lucas acredita que esse cenário está bem inserido com a geração atual e vai prosperar para a próxima, porque o público que assiste os eSports é bastante jovem. Netuno vê positivamente essa cultura gamer, pois compreende que ela abre muitas portas, embora o esporte seja um pouco elitizado.

Os eSports vieram para ficar. Não entraram para concorrer com o futebol ou outros esportes, que simbolizam o sonho de vários jovens de mudar de vida, mas para estar do lado deles. Com o passar do tempo, provavelmente veremos cada vez mais a ascensão desse movimento, a ponto de ser algo que não poderá mais ser ignorado ou refém de preconceitos.

*Frederico Wesphalen


OPINIÕES DE UM TELESPECTADOR

Pedi esse espaço para desabafar. Como um jovem que cresceu nos anos 2000 e 2010, também tive preconceito com os jogos eletrônicos. Vi meus amigos deixarem de habitar as ruas, durante o fim da tarde, para passar horas vendo bonecos em uma tela. Nunca me senti tão conectado com minha avó como nessa época, éramos uma dupla de velhos, que achava isso o fim dos tempos.

A frase “onde esse mundo vai parar?” é, possivelmente, a mais dita por pessoas do século passado. Para o meu alívio, não paramos em lugar nenhum. Meus amigos continuam normais e ainda sentam para uma partida ou outra, a diferença é a cerveja no lugar da água.

Gosto de contar que durante o difícil ano, no qual o coronavírus nos prendeu em casa, eu me peguei acordando de madrugada para acompanhar os campeonatos de eSports. CS:GO, para ser mais específico. E me lembrei dos relatos de meus pais, que acordavam para assistir Ayrton Senna correr na Fórmula 1. Sim, eu não assisti, mas sei que ele era imbatível, mesmo na chuva.

Eu de fato me peguei vibrando, na frente de uma tela, sem saber jogar, apenas assistindo. Confesso para você: foi mais forte do que torcer pelo meu time do coração. A única dúvida que fica rondando meus pensamentos hoje, é se eu tivesse aceitado essa paixão ainda durante a ascensão dos eSports. Talvez tivesse mais um assunto na minha roda de amigos.

Ainda assim, muito obrigado, esportes eletrônicos. Nostalgia e euforia são sentimentos melhores do que críticas vazias.

Emanuel


*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O material não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.

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