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A importância de cultivar a sétima arte



Christian Fonseca, Mariana Saldanha e Mauricio Mello

As experiências das salas de cinema, que marcam vidas com momentos únicos, até hoje são relembradas. Wilson Ferigollo, 84 anos, morador de Frederico Westphalen é um admirador dos filmes de faroeste e durante muitos anos foi um cliente fiel do Cine Floresta e do Cine Jussara. Ele já ganhou prêmios por frequentar o lugar todos os dias e até ganhou um mês de entrada grátis para assistir aos filmes.

Com o fim do Cine Jussara em 1989, ele passou 30 anos sem uma sala de cinema e sem apreciar as experiências cinematográficas que tanto amava. A chegada do Cine Globo em 2019 trouxe à tona um sentimento de nostalgia para Wilson e uma oportunidade para as novas gerações criarem um sentimento de paixão pela cultura do cinema, a qual foi perdida na cidade.

O frederiquense diz que a experiência da sala de cinema foi  importante para toda a sua geração. Desde o cheiro da pipoca até a imersão na sala, o cinema tem o poder de transportar o telespectador para vários lugares diferentes, às vezes até mesmo para locais internos da própria mente. Essa é uma experiência capaz de fazer qualquer pessoa fugir completamente da realidade. 

Wilson relembra uma história muito famosa em sua época, que aconteceu em Seberi, uma cidade próxima de Frederico. Um senhor estava assistindo um filme de faroeste, e nele havia a cena de uma onça que estava correndo atrás de uma menina. O homem levantou no meio da projeção e falou: “Já que ninguém vai salvar essa menina, eu salvo”. Tirou o revólver do bolso e atirou na tela do cinema.

É por causa de vivências como essas que a possível falta delas preocupa o professor do departamento de ciências da comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Cássio Tomaim, que estuda cinema com foco em documentários, em especial documentários brasileiros. Tomaim acredita que as pessoas estão perdendo a experiência do audiovisual que apenas as salas de cinema conseguem transmitir. “O que eu temo muito enquanto sociedade é que cada vez mais nós estamos abrindo mão, em termos culturais, de espaços coletivos de consumo cultural, como é o cinema e como era a locadora”, conta.

Wilson Ferigollo no cinema de Frederico Westphalen. Foto: Maurício Mello

Com o início do streaming no Brasil, em 2011, muitas empresas viam nessa  nova ferramenta de distribuição de filmes e séries como uma ameaça. Porém, para o atual gerente administrativo do Cine Globo, Samuel Schuch, 28 anos, vê o cinema como meio cultural e acredita que os serviços de streaming não representam uma ameaça, mas sim uma ajuda. “O streaming até agora está ajudando, não é uma ameaça, ao contrário, na verdade é um incentivo”, comenta.

Com valor mais acessível e o fácil acesso, a pandemia acelerou o crescimento das plataformas. Houve a possibilidade de alcançar muita audiência e, com isso, auxiliar as obras do audiovisual a chegarem a um público maior. Porém, muitas pessoas acabaram abandonando as salas de cinema pois preferiram o aconchego do seu lar.

“O cinema tem a capacidade de nos despertar um sentimento diferente de qualquer outra coisa”, como o próprio Wilson relata. Ir à sala de cinema se tornou um sentimento nostálgico. Essa incrível ferramenta de contar histórias, de levar o telespectador para outro mundo não pode ser substituída pela tela da TV, do celular ou do computador. 

O professor Cássio considera o cinema um objeto de cultura, capaz de envolver entretenimento, conhecimento, difusão de ideias e uma ferramenta que utiliza a capacidade do ser humano de contar histórias, diz que o cinema também pode ser visto como o produto de uma época. De acordo com Cássio, um filme diz muito sobre a época em que foi produzido, já que nos permite visualizar todo o contexto histórico e social do período, principalmente os filmes do gênero documentário que são baseados em fatos e pessoas reais.

Para ele, uma eficaz forma de combater essa ameaça, seria por meio de políticas públicas que reconhecesse mais o valor do cinema, a partir de iniciativas em escolas, levando mais vezes alunos ao cinema como forma de preservação cultural, ou a partir de uma dinâmica diferente de aulas em disciplinas como por exemplo história, para que usem filmes de época ou até documentários para uma melhor compreensão de estudo em sala.

Wilson Ferigollo manuseia seu acervo de negativos fotográficos da história do cinema. Foto: Christian Fonseca.

Mediante tantas informações e perspectivas diferentes do que é o cinema e de tudo o que ele pode oferecer e agregar para a sociedade, nota-se uma carência de investimentos e políticas governamentais. Recentemente, com a Lei Paulo Gustavo (lei complementar nº 195, 8 de julho de 2022), houve a destinação de R$ 3,862 bilhões a estados, municípios e o Distrito Federal para incentivar a produção no setor cultural. No Rio Grande do Sul, o valor aportado foi de 104,3 milhões de reais, para ser repassado entre as 497 cidades gaúchas. Desse total, 74,25 milhões de reais foram destinados a projetos audiovisuais.

Essa é uma esperança para que haja mais projetos de incentivo cultural que possam trazer maior visibilidade e investimentos para o cinema, pois também é uma forma de valorização da arte. De acordo com o Anuário Estatístico da Agência Nacional de Cinema (Ancine), em 2017 dentre os 20 filmes com maior público nas salas brasileiras, apenas um era nacional.

Nos anos de 1964 a 1989, como relembra Ferigollo, os filmes favoritos da época eram os mexicanos. A falta de visibilidade nos filmes nacionais prejudicou o crescimento do cinema brasileiro no cenário internacional. Isso explica porque as obras domésticas jamais ganharam um Óscar e tiveram poucas indicações, como o filme O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. Outro filme nacional só foi conseguir uma indicação, na mesma categoria, 33 anos depois, em 1996 com o filme O Quatrilho, de Fábio Barreto.

A partir desse episódio, o Brasil começou a se fazer mais presente na premiação cinematográfica mais aclamada do mundo. Lançado em 30 de agosto de 2002, o filme brasileiro com maior número de indicações na história foi Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, indicado a melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor edição e melhor fotografia. Infelizmente não levou nenhum, mas é um dos filmes nacionais mais reverenciados, tanto no Brasil quanto no mundo. A indicação mais recente foi para o filme O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, na categoria de melhor filme de animação.

O cinema vai muito além das telas, como pensa Ferigollo, é uma ferramenta de educação e manifestação da capacidade que as pessoas têm de contar histórias, de acordo com o professor Cássio. Como cultura, para Samuel Schuch, é uma forma de escapismo para as pessoas, permitindo que elas possam se desconectar da realidade e se envolver em mundos imaginários.

Ao se deparar com tantas perspectivas únicas sobre o que é o cinema e sua grande amplitude além de somente um meio de entretenimento, como é comumente visto pela maioria das pessoas, para os amantes das telas, o cinema  faz trazer novas histórias e novas vivências, e aí fica a pergunta para o leitor: O que é cinema para você?

Frederico Westphalen, RS

*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O texto não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.

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