Ir para o conteúdo Revista Meio Mundo Ir para o menu Revista Meio Mundo Ir para a busca no site Revista Meio Mundo Ir para o rodapé Revista Meio Mundo
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

Doce tradição



Ana Alice Viana, Luiza Nunes, Maria Eduarda Cardomingo

Foto: Luiza Nunes

– “Se a senhora pudesse mudar algo em Frederico, o que seria?

– “Que não tivesse tantas sorveterias!”

O comentário bem humorado é de Verônica Coutinho, 75 anos, que há trinta anos comanda uma sorveteria em Frederico Westphalen (RS). Nascida no município, filha de agricultores, teve uma infância tranquila e feliz, conta ela. Habituada a estar na ativa desde cedo, começou a trabalhar aos oito anos de idade, como babá. Quando era criança, o mais comum era o picolé, o amor pelo sorvete não veio desde cedo. Afinal, em uma família de onze irmãos, alguns tipos de doces ainda não estavam presentes no cotidiano. Aos onze anos mudou-se para Santiago, para estudar e, posteriormente, se casou. Em 1992, com a aposentadoria do marido, decidiu voltar para Frederico e comprar o estabelecimento, começando assim o seu legado. Um ato de coragem. Na época, lembra, não entendia sobre o negócio.

Pode-se dizer que foi um acaso que deu certo. Quando a sorveteria foi comprada, era a única da cidade que possuía máquinas, por isso o sucesso quase imediato, mas, é claro, com muito trabalho e dedicação. Para aprender a trabalhar com sorvetes e milk-shakes, Verônica fez dois cursos de capacitação nas indústrias em que comprava os ingredientes. Esse aprendizado foi, em seguida, passado para os filhos, Eduardo Coutinho Scalabrin e Ricardo Coutinho Scalabrin, que trabalham com ela atualmente. O que talvez muitos não saibam, é que o tão conhecido nome “Sorvetes Dona Verônica” só surgiu há alguns anos, antes simplesmente não tinha. Ainda assim, todos conheciam e gostavam, frequentando o local “sem título” no centro de Frederico.

Foto: Maria Eduarda Cardomingo

Hoje, com décadas de funcionamento, a fachada vermelha e amarela mostra um negócio que se expandiu, inclusive mudando para um local mais amplo, localizado na Rua do Comércio, no centro, próximo à Praça da Matriz. Essa mudança possibilitou a compra de mais equipamentos, como uma máquina de crepe suíço e uma de chocolate quente. Tendo uma filial em Panambi, a 118 km de Frederico, e uma inauguração em Ijuí (a 170 km), marcada para este ano, o legado está se enraizando além das fronteiras frederiquenses. Vale lembrar que a sorveteria de Panambi vende os produtos que são feitos pelas mãos da própria Verônica, que faz questão de colocar carinho em cada sabor vendido.

Os sorvetes servidos todos os dias vêm da fábrica localizada em outro bairro, onde são produzidos os potes vendidos nos supermercados da região há dez anos. Ricardo Coutinho, filho da Dona Verônica, é quem cuida da indústria. Ao criá-la, foi ele quem sugeriu o nome “Sorvetes Dona Verônica”. A sorveteria esteve presente na vida de várias gerações. Perguntada sobre a tradição que o seu comércio representa, a empresária diz: “Eu tenho clientes que vinham com a mãe, de mãozinha dada, e hoje eles trazem os filhinhos deles aqui, pra tomar sorvete. É muito legal”. Além disso, ela conta que clientes que moravam na cidade, e foram embora, ainda voltam para degustar os sorvetes e matar a saudade com gosto de nostalgia.

Verônica comenta também um pouco sobre a sua rotina de trabalho. Com quase trinta essências para sorvete, de fabricação própria, e um esquema de revezamento que ela não revela a ninguém, os maravilhosos gelatos são preparados sempre pela manhã, antes da abertura do comércio. Às dez horas, faça calor ou faça frio, com quatro opções de sabores, servidos em casquinha ou cascão, além de diversas possibilidades de milk-shake, crepes e chocolate quente, a Sorvetes Dona Verônica abre as portas para fazer a alegria de quem passa pela Rua do Comércio. Vai até tarde da noite. Particularmente, para as repórteres, pêssego, cereja e três leites são a santíssima trindade dos sabores, mas os mais vendidos são morango e chocolate.

Uma sorveteria liderada por uma mulher desde os anos 1990, época que existia ainda mais machismo que os dias atuais, quando líderes femininas ainda eram subestimadas e dificilmente sendo levadas a sério no mundo dos negócios, Dona Verônica nos mostra a força, garra e coragem que uma mulher pode ter, trabalhando praticamente a vida toda com o seu comércio. Tendo escolhido ficar com a sorveteria, ao invés de sua casa, ao se divorciar, mostra o amor e a determinação no que faz. E ainda que tenha passado muitos anos servindo aos seus clientes, não pensa em parar tão cedo: “[..] eu gosto de trabalhar, adoro meus fregueses”. Nem mesmo a concorrência foi capaz de desanimá-la, afirmando com tranquilidade que é difícil em todos os ramos comerciais.

A pandemia de Covid-19 trouxe algumas dificuldades para diversas empresas, e não foi diferente para a Sorvetes Dona Verônica, o estabelecimento teve que parar os trabalhos logo no começo da pandemia, ficando, por volta de um mês sem atividades. Após isso, a sorveteria foi voltando a ativa gradativamente, tomando todos os cuidados necessários, como evitar filas e aglomerações. “Nós trabalhamos normalmente, né? Só que bem menos, pouca gente circulava. À noite não tinha quase ninguém […]”, explica a empresária. Entretanto, agora, é só parar por alguns minutos em frente ao local e observar o movimento de muitas pessoas chegando para aproveitar as delícias de Dona Verônica.

Tudo feito com muito amor, não encontra dificuldades em realizar a sua rotina diária, ao ser indagada sobre a relação com os clientes, ela comenta, “eu respeito eles né, eu nunca tive problema, nunca mesmo […] de chegarem e desaforarem, nunca, são todos legais.” Além disso, nunca houve problemas de segurança, como assaltos ou baderna. No trabalho, a simpática senhora não para. A todo momento chegam pessoas ansiosas por degustar as opções do dia, e ela com o coração quentinho em entregar a sobremesa sorri, e seu sorriso se estende por todo o expediente, um sorriso terno como um creme francês, seu sabor favorito de sorvete. “Eu conheço, não por nome, mas de carinha assim, eu conheço todos” Nas três décadas em que a sorveteria esteve presente na cidade, Dona Verônica pode acompanhar as mudanças que ocorreram em Frederico Westphalen.  De acordo com ela, antes a região não era muito agradável, mas melhorou “Como é? É maravilhosa!”, diz, ao descrever o município. “É uma cidade que está evoluindo, né? Tá crescendo bastante, principalmente depois que veio a universidade pra cá” comenta, fazendo referência à Universidade Federal de Santa Maria, que tem campus na cidade há 15 anos e trouxe estudantes para esta região, e também agregando muitos fregueses aos negócios locais. 

É inegável a relevância que Dona Verônica e sua sorveteria têm para o local e as pessoas que vivem aqui. Uma senhora que lutou para conquistar uma vida tranquila, cuidando de sua casa, seus filhos, e do trabalho, mostra a coragem de se arriscar e a importância de deixar a sua marca. Um negócio familiar, que um dia será passado para as próximas gerações, mantendo o eco da trajetória da mãe. As portas brancas com ilustrações de sorvetes, as duas máquinas, e um sorriso à vista de todos que passam pelo centro, convidam não apenas para tomar um sorvete, mas também para participar da tradição e da história que o estabelecimento de Verônica carrega.

Foto: Luiza Nunes

Frederico Westphalen, RS

*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O texto não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.

Divulgue este conteúdo:
https://ufsm.br/r-760-267

Publicações Relacionadas

Publicações Recentes