Durante três meses todo resíduo domiciliar coletado em Frederico Westphalen foi direto ao aterro sanitário sem receber tratamento
Fernanda Schuster
Frederico Westphalen
Que a pandemia afetou o meio ambiente não há dúvidas. Os oceanos silenciaram, as cidades ficaram mais limpas e abriram espaço para animais silvestres caminharem livremente. Mas esta pausa no impacto ambiental teve a contrapartida. O ser humano em casa se alimentou, usou máscaras e produtos descartáveis. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a geração de lixo hospitalar no Brasil aumentou 20% no mês de junho em comparação a igual período do ano passado. Segundo a Associação, a geração média de lixo hospitalar por pessoa infectada e internada para tratamento de covid foi em média de 7,5 quilos por dia. Enquanto o planeta registrou águas e ar mais limpos, uma verdadeira pausa no impacto ambiental causado pelo ser humano, o uso de máscaras e materiais de limpeza se tornaram inevitáveis e obrigatórios.
Em Frederico Westphalen todos os resíduos, infectados ou não, tiveram de ser enviados para os aterros por um período de quase 3 meses. O Centro de Triagem do Aterro do Consórcio Intermunicipal de Gestão de Resíduos Sólidos, Cigres, teve seu trabalho interrompido no dia 20 de março, logo após paralisações nos 37 municípios que o centro abrange. O trabalho somente foi normalizado no dia 18 de maio, de acordo com o então Coordenador Geral do Centro, Luiz Carlos Benedette. Durante todo este tempo, o que aconteceu com todos os resíduos que iam para a triagem antes de acabar no aterro? De acordo com Luiz Carlos, grande parte foi para nos aterros sem nenhum tipo de separação ou tratamento. “No início nós paramos com medo de que houvessem alguns casos, como não havia nenhuma notícia e informação concreta. Suspendemos completamente a reciclagem durante 30 dias”, explica. Somente em junho que o retorno foi feito em turno único. “Agora retornamos com turno único pois no refeitório seria difícil”, explica. O centro registrou em 2018, a reciclagem de 16,92% das 1633 toneladas que adentraram mensalmente o Cigres.
A situação preocupa a pesquisadora de Engenharia e Tecnologia Ambiental da Universidade Federal de Santa Maria, Aline Ferrão Custodio Passini. “Em geral, percebemos um grande aumento na geração de resíduos, mas principalmente em relação aos resíduos orgânicos para pequenas cidades e aumento de recicláveis em cidades grandes”, comenta a doutora que de casa lidera o programa de extensão universitário chamado Recicla Frederico, voltado à reciclagem de resíduos no município. “Neste período temos incentivado o uso das composteiras, que podem dar um fim diferente aos resíduos que iriam para um aterro”, comenta. Em 2020, o programa de extensão lançou um aplicativo de gestão de resíduos no município, com informações sobre a coleta de vidros e de lixo residencial, além de diversas campanhas voltadas à diminuição do que é enviado para o aterro sanitário da região.
De acordo com Yuri Lucian Pilissão, Mestre em Energia e Sustentabilidade pela Universidade Federal de Santa Catarina, o grande problema de aterros sanitários não controlados e lixões a céu aberto é que carecem de estruturas de engenharia para conter impactos ambientais. “Ou seja, os resíduos são aterrados e normalmente não possuem controle algum de chorume, o líquido que é liberado pelos resíduos, e assim há uma grande contaminação dos lençóis freáticos”, comenta. O pesquisador explica que o caminho que os resíduos devem percorrer após saírem das lixeiras residenciais, é um espaço onde deve ser separado em tipos. “O espaço de triagem realiza essa separação, onde depois é feito o trabalho de reciclagem, isto é, a venda de materiais que podem ser reutilizados como matéria prima”, adiciona. Este é apenas um dos pontos de desequilíbrio causado pela pandemia em que, com a grande geração de resíduos somados às restrições na força de trabalho seguiu na contramão de um cenário sustentável para o tratamento de resíduos. Yuri afirma ainda que nesta crescente, lixos que recebem esta destinação diminuem a vida útil do aterro. “Aquele espaço começa a ser todo utilizado principalmente por uma parcela grande de material depositado sem triagem. Este material poderia ser reciclado e estar se tornando matéria prima, e renda para várias famílias”, informa.
A pesquisadora Aline explica que somente no município de Frederico Westphalen, o aumento de resíduos destinados diretamente aos aterros e lixões foi um dos fatores mais preocupantes, principalmente quando o lixo infectado pelo vírus é misturado com resíduos reciclados. “O grande aumento de resíduos descartáveis, como máscaras, luvas e entre outros necessários para a preservação da saúde em época de pandemia devem ser armazenados em sacolas plásticas para que o descarte seja feito junto com a rejeitos de banheiro e sanitários, e não contaminem outros resíduos e por consequência outras pessoas”, acrescenta a pesquisadora. “O grande problema é que as pessoas têm o pensamento de jogar fora. E esquecem que o fora não existe. O engraçado é que todo mundo já sabe né, e mesmo assim a gente continua falando as mesmas cosias”, finaliza.
O Cigres retomou as atividades de triagem e tratamento de resíduos desde julho de 2020, sendo que fechou e reabriu algumas vezes por conta de casos de covid entre funcionários, de acordo com o site da empresa. Nos dias em que esteve aberto, até o momento em que esta reportagem foi finalizada, o Cigres esteve atendendo às normas de gestão de resíduos ainda de acordo com a comunicação oficial do centro. No entanto, todo aquele lixo que foi parar nos aterros sem a separação devida já foram aterrados. “Cabe ao ser humano entender o quanto este último ano foi útil para a aprendizagem de cuidado com o ambiente, e de entender que tudo está conectado. A saúde humana depende de um ambiente saudável”, explica a pesquisadora.
Repórter: Fernanda Schuster
Edição digital e publicação: Emily Calderaro (monitora)
Professor responsável: Reges Schwaab
* Trabalho experimental desenvolvido na disciplina de Reportagem em Jornalismo Impresso em 2021/1, período em que trabalhamos de modo remoto em razão da pandemia do novo coronavírus.
Contato: meiomundo@ufsm.br.