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A arte de fazer sorrir



REPORTAGEM: ANDRESSA MOTTER, BÁRBARA MARMOR E JULIANO CASTRO

Inspirar e despertar sorrisos, sem obter remuneração em troca: esta é a missão daqueles que se dedicam ao voluntariado. Em Santa Maria, vários são os projetos e instituições que funcionam com a ajuda desse tipo de trabalho.

Acorda às 7 horas da manhã, sai da Casa do Estudante, toma café no Restaurante Universitário e segue para a Turma Ique, local onde há dois anos atua como voluntário. Mesmo em consonância com as difíceis provas e com a carga horária apertada, Lucas André Lamb Werner, de 22 anos, trata o voluntariado como compromisso fixo da rotina. “Para mim, ver o sorriso dessas crianças, quando a gente brinca com elas, é o maior pagamento. Faço porque gosto”, afirma o jovem, com convicção.

 

Fotografia: Andressa Motter

Atualmente, Lucas cursa Engenharia Elétrica na UFSM, porém já conhecia a Turma do Ique desde muito antes de ser aluno da Universidade. Aos 8 anos, frequentou o centro para tratar uma leucemia. Ele conta que, durante o tratamento, acompanhava todos os procedimentos com cuidado, mas o trabalho dos voluntários lhe chamava mais a atenção. “Eu não entendia o porquê de eles estarem ali fazendo a gente rir, conversando, falando que tudo ia passar. A única coisa que sabia era que me sentia muito bem com eles. E hoje, poder estar aqui, não é apenas retribuir o que fizeram comigo, mas sim proliferar o sentimento de que tudo vai passar”, conta Lucas.

Há 10 anos, a Turma do Ique acolhe crianças e suas famílias durante o tratamento do câncer. Os pacientes recebem acompanhamento médico e psicológico enquanto aguardam por procedimentos no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). A equipe é formada por médicos, psicólogos, assistentes e voluntários.

Voluntariado é o ato de doar tempo e conhecimento para fomentar a sociedade em que se vive, através de ações que não são remuneradas, mas que têm valor importante para a comunidade e para o próximo. Voluntário, portanto, é aquele que trabalha com espontaneidade, capricho e vontade própria, sem constrangimento ou coação. Em Santa Maria, muitos são os projetos que contam com o auxílio de voluntários e só se efetivam pela doação ao outro.

Altivo Goularte Rodrigues é voluntário na Turma do Ique há aproximadamente três anos. Uma vez por semana, ajuda a cozinhar para as crianças e familiares. Segundo ele, a relação com os demais voluntários é excelente e todos doam-se para a atividade: “No momento em que estamos fazendo a comida, nos dedicamos com amor e com energia muito positiva”.

Desde que se aposentou de sua função na Caixa Econômica Federal (CEF), há dez anos, Altivo faz apenas trabalhos voluntários. Além de auxiliar na Turma do Ique, presta assistência a mais de 60 famílias através do Centro Espírita do qual faz parte, e integra a ONG Moradia e Cidadania. Esta, composta por funcionários da CEF, trabalha na construção e manutenção de moradias a pessoas em condições de vulnerabilidade social. Em Santa Maria, a ONG já construiu 27 casas, inclusive para crianças que frequentam a Turma do Ique. A intenção é fechar o ano de 2016 com a 30ª casa concluída.

Tatiele Corrêa é mãe de Conrado, quatro anos. Segundo ela, o trabalho dos voluntários da Turma do Ique é muito importante para a recuperação das crianças e também para a assistência aos pais. “Eles alegram o ambiente”, afirma.

O pequeno Felipe Fontel, nove anos, vem todas as quartas-feiras de Guarani das Missões, no noroeste do Estado, para tratar-se de câncer. Ele relata, com brilho nos olhos, que os voluntários brincam, trazem livrinhos, contam histórias e animam a todos.

Voluntariado é sensibilidade, emoção e comoção. É com essas palavras que Hernán Mostajo define o projeto “Darth Vader – Legião do Bem”. O que no início era apenas vontade de despertar um sorriso nas crianças em tratamento oncológico, se tornou um projeto que já divertiu quase mil pacientes.

A Legião, que no ano 2013 iniciou suas ações com apenas cinco integrantes, hoje conta com 77 voluntários dispostos a fazer o bem. As atividades são coordenadas pelo professor e cientista Hernán Mostajo. Entretanto, é a integração e o engajamento dos voluntários que dá vida ao projeto, já que organizam as festas, brechós, e carnavais. Eles fazem “bagunça” mas, ao final, limpam todo o espaço.

Mostajo explica que um dos grandes objetivos do grupo é promover o voluntariado em seu sentido mais humano. Desta forma, além da entrega de brinquedos e das intervenções feitas em hospitais e creches, os voluntários, sempre caracterizados como os personagens da série “Star Wars”, divertem as crianças e apoiam os pais dos pacientes. A voluntária Andressa Vicedo, 17 anos, destaca sua ação: “é muito gratificante: a gente ganha um sorriso e faz algo por alguém que precisa”.

A Legião do Bem atua em parceria com o Centro de Apoio a Criança com Câncer (CACC), o Husm e a Associação dos Pais e Amigos de Excepcionais (Apae). As intervenções acontecem, ainda, em creches e ONGs, como o Lar de Mirian e Mãe Celita, e a SOS Aldeias Infantis. Além disso, as ações dos voluntários se estendem a outras cidades, como Passo Fundo, Ijuí e Porto Alegre.

O trabalho voluntário inspira e, para a maioria dos pacientes, é inesquecível. Prova disso é o caso de Lucas, que hoje leva esperança para crianças que precisam de carinho. Eles não são remunerados e, em muitos momentos, sequer reconhecidos, mas estão lá dispostos a contar uma história, preparar um almoço quentinho, brincar e despertar um sorriso.

Assista aqui a reportagem Guerreiros da Vida, elaborada por Juliano Castro

História do voluntariado

O modelo de trabalho voluntário em vigor hoje resulta de um processo amplo no qual vários modelos foram praticados. Segundo informações do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, a ação voluntária no país vivenciou quatro momentos bem definidos desde seu surgimento. 

O primeiro deles foi a benemerência, inaugurado no século XIX com o nascimento formal do voluntariado. Na época, os problemas sociais eram entendidos como desvios da ordem dominante e atribuídos a indivíduos “em desgraça”, os quais, por não terem oportunidade de reintegrar-se à sociedade, precisavam da caridade organizada. Assim, famílias mais abastadas distribuíam seus excedentes entre os necessitados. Neste contexto social paternalista, rigoroso e excludente, o voluntariado de benemerência era incipiente, moralizador, feminino e baseado em rígidos valores morais.

A partir do século XX, as instituições filantrópicas assistenciais passaram a ter intervenção do poder público. Inicia-se, então, o segundo momento, conhecido por “Estado do Bem-Estar Social”, que tornou o atendimento aos necessitados uma responsabilidade do Estado. Embora, na época, tenham sido desenvolvidas políticas interessantes, o individualismo foi favorecido em prejuízo das iniciativas voluntárias ou associativas.

Com a queda do Estado do Bem-Estar Social, na década de 60, o movimento voluntário foi questionado politicamente. Sofreu influência de correntes contestatórias e libertárias – características em quase todos os movimentos sociais de origem popular da época. Com essas mudanças em curso, grupos lideraram a participação ativa nas questões sociais e, consequentemente, foram criadas diversas organizações sociais.

Após esse período, surge o voluntariado combativo, um movimento desorientado, espontâneo, predominantemente jovem e sem perspectivas de uma consolidação institucional. A ação centrava-se no pressuposto de uma mudança de ordem social e situava-se, muitas vezes, no âmbito do protesto. Na metade da década de 80, com a democratização da América Latina e dos países em desenvolvimento, o neoliberalismo surgiu como concepção político-econômico-cultural no Ocidente.

Segundo o Faça Parte, os Estados ajustaram seus orçamentos e diminuíram lentamente os financiamentos da assistência social. Os recursos foram transferidos para os empreendimentos privados ou para as mãos dos antigos beneficiados. A resposta foi o nascimento de um voluntariado que se esforçou para diminuir as necessidades daqueles que ficaram fora do sistema.

No “modelo dos anos 80”, a questão social deixou de ser responsabilidade exclusiva do Estado, que passou a dividi-la com a sociedade civil. O trabalho voluntário começa, então, a ser debatido como peça-chave na intervenção dos problemas sociais.

Na década de 90, o voluntário é considerado um cidadão que, motivado por valores de participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento de maneira espontânea e não remunerada em prol de causas de interesse social e comunitário.

Mais informações sobre trabalho voluntário e como tornar-se um colaborador, acesse http://www.facaparte.org.br/.

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