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Estudantes indígenas reivindicam melhores condições na UFSM



Anelissa Cardoso – anejornalismo@yahoo.com 
Iander Porcella – imoreiraporcella@gmail.com

 

A luta dos povos indígenas brasileiros por melhores condições de vida já dura mais de cinco séculos. Antes da colonização do Brasil, existiam no país cerca de três milhões de índios, número que se reduziu a menos de 820 mil, de acordo com o Censo Demográfico de 2010. Esses indígenas enfrentam, ainda hoje, muitas dificuldades para garantir, principalmente, a demarcação de suas terras e o acesso ao Ensino Superior, direitos que estão garantidos na Constituição Federal, mas que nem sempre funcionam na prática.

 A Universidade Federal de Santa Maria passou a oferecer vagas específicas para indígenas a partir de 2008, por meio do programa de Ações Afirmativas de Inclusão Social e Racial, aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) em 2007. Desde então, os indígenas podem ingressar na Universidade através da Cota D, por meio da apresentação da documentação necessária para comprovar que são indígenas aldeados, o que inclui declarações dos caciques e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Atualmente, são disponibilizadas 21 vagas anuais para o Processo Seletivo Único (PSU) e quatro vagas para o Processo Seletivo Seriado (PSS), e há aproximadamente 31 estudantes indígenas na Universidade, das etnias MBya Guarani, Guarani Kaiowá, Kaingang e Terena.

No entanto, criar vagas não é sinônimo de garantir a permanência. Muitos desses estudantes enfrentam dificuldade de adaptação ao ingressarem na Universidade, pois a rotina universitária é diferente da que estavam habituados nas aldeias. A respeito disso, o estudante de Direito, Gilmar Bento, da etnia Kaingang, aluno da          UFSM desde 2014, relata: “A Universidade faz um roteiro de divulgação do vestibular nas aldeias. Nesse roteiro, eles divulgam que vai ter uma casa, vai ter um apoio pedagógico, vai ter apoio de professores. Mas  os estudantes indígenas chegam aqui e é completamente diferente. Tem a Casa do estudante, tem a PRAE, mas no curso não tivemos apoio nenhum, só se tu procurar um grupo de estudos e foi o que eu fiz”. Com o objetivo de facilitar essa inserção, o curso de direito começou esse ano com um projeto de monitoria para os estudantes indígenas e a intenção é que esse auxílio seja implementado também em outros cursos.

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) tem como objetivo facilitar o acesso e a permanência dos estudantes na Universidade. No caso dos indígenas, de acordo com a pró-reitora adjunta de assuntos estudantis, Jane Dalla Corte, a PRAE garante que eles façam gratuitamente suas refeições no Restaurante Universitário (RU) e morem na Casa do Estudante (CEU).

Além disso, desde esse ano fornece uma bolsa no valor de R$250,00, enquanto não chega a bolsa permanência de R$900,00, concedida pelo Governo Federal. A Pró-Reitoria também oferece auxílio transporte para os alunos que têm aula no prédio de apoio, no centro da cidade, e faz encaminhamentos de alunos para o Núcleo de Acessibilidade e para o Ânima, que podem auxiliar no processo de adaptação.

Porém, a estudante de odontologia, Mirian Gaté Vergueiro, também da etnia Kaingang, conta que os indígenas enfrentam dificuldades para apresentar a documentação exigida nos editais para recebimento do benefício socioeconômico e da bolsa materiais. Ela, por exemplo, só teve acesso à bolsa uma vez, o que torna difícil a aquisição dos equipamentos exigidos no seu curso. Mirian afirma também que, muitas vezes, em meio às demandas de outros estudantes, a questão indígena é deixada de lado. É por isso que uma das principais reivindicações é a criação de um núcleo de apoio pedagógico específico para atender os indígenas.

Uma luta antiga

Reivindicações como essa são colocadas em pauta na Universidade através da Comissão de Implementação e Acompanhamento do Programa Permanente de Formação de Acadêmicos Indígenas (CIAPPFAI), criada em 2008 pelo falecido Augusto Ope da Silva, importante líder Kaingang. Atualmente, a Comissão é presidida pelo cacique Natanael Claudino e composta por representantes da UFSM, líderes indígenas, grupos indigenistas e pelos estudantes, que decidem em reuniões as solicitações que serão enviadas à Reitoria.

O Grupo de Apoio aos Povos indígenas (GAPIN), o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI ) e o Núcleo de Interação Jurídica Comunitária (NIJUC) são os grupos indigenistas que fazem parte da Comissão e auxiliam, principalmente, na mediação entre as comunidades indígenas e a sociedade não indígena, o que inclui a imprensa e os órgãos públicos.

Em março desse ano, em reunião realizada com o reitor Paulo Burman, o vice-reitor Paulo Bayard e as Pró-Reitorias, a CIAPPFAI apresentou uma série de reivindicações relacionadas às dificuldades enfrentadas pelos estudantes para permanecer na UFSM. Entre elas, estão a criação do Núcleo de Apoio Pedagógico, maior auxílio para aquisição de materiais didáticos, mais facilidade na obtenção da Bolsa Permanência, uma prova específica para o ingresso na Universidade e a construção de uma Casa do Estudante para os indígenas.

A Casa

A construção da Casa do Estudante Indígena foi colocada em pauta, por meio da CIAPPFAI, no ano passado, e o projeto foi aprovado na reunião em março. A proposta é de que sejam construídos quatro blocos residenciais, com 16 apartamentos e capacidade para 128 moradores cada. Além disso, consta no projeto a construção de um salão para artesanato, uma área para recreação infantil, outra arborizada de chão batido e um salão de eventos, onde os indígenas poderão realizar suas celebrações, como danças, cantos e rituais.

Caso o projeto se concretize, a UFSM será a primeira universidade brasileira a oferecer uma moradia específica para universitários indígenas. O objetivo da construção  é proporcionar uma maior integração entre eles, para que, mesmo inseridos na sociedade não-indígena, não percam suas culturas e tradições. A Casa vai propiciar também que eles possam viver com seus familiares, já que não é característico da cultura indígena, por exemplo, separar-se de seus filhos para estudar.  No entanto, de acordo com o pró-reitor de infraestrutura, Eduardo Rizzatti, o projeto está na fase de captação de recursos e ainda não há previsão para o início das obras.

Mudança no acesso

Outra questão que está em pauta é o acesso dos estudantes indígenas à Universidade com a extinção do vestibular e a adoção do Sistema de Seleção Unificada (SISU) como única forma de ingresso, decisão tomada em 2014 e que passa a valer esse ano. Quando o processo seletivo era a prova do vestibular, os candidatos indígenas apenas não podiam zerar a redação e as questões de língua portuguesa, ao contrário dos demais vestibulandos, que não podiam zerar nenhuma disciplina. Contudo, com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), isso não será possível, já que a correção das provas não fica a cargo da UFSM.

A diferença nos critérios de avaliação é necessária porque eles não têm a mesma formação escolar de estudantes não-indígenas e a prova fica bastante distante da realidade dos povos originários. Em Santa Maria, existe a escola indígena Augusto Ope da Silva, localizada na Aldeia Três Soitas. Ela possui apenas o Ensino Fundamental, funciona com uma estrutura bastante precária e aguarda recursos do Governo do Estado para que sejam feitas melhorias.

A modalidade de ensino nessas escolas é diferente das tradicionais, sendo utilizada uma metodologia que prioriza a aprendizagem da língua portuguesa e das línguas indígenas. Em vista disso, a CIAPPFAI propôs a criação de um processo seletivo diferenciado para os indígenas. Entretanto, de acordo com a técnica em assuntos educacionais, Rosane Brum Mello, a solicitação está em processo de avaliação e ainda não há uma resposta definitiva.

“A Universidade não foi projetada para os estudantes indígenas, mas precisa se adaptar, tanto curricularmente quanto metodologicamente, porque, por exemplo, não existem professores nos cursos que tenham estudado metodologias específicas para alunos indígenas”, salienta o membro do GAPIN e formado em Filosofia pela UFSM, Rafael Mafalda.

A luta continua

A democratização do acesso ao Ensino Superior deve ser pensada tanto no âmbito da criação de vagas quanto da permanência dos estudantes na Universidade. Para que isso aconteça, segundo o cacique Natanael Claudino, é fundamental o engajamento dos estudantes indígenas na luta por seus direitos. “A gente tem cobrado muito isso junto aos estudantes. Eles também fazem parte da Comissão. Eles são a força da Comissão”, sublinha. O cacique sintetiza também a singularidade da luta de todos os indígenas: “A gente é diferente, a gente quer um atendimento diferenciado dentro da Universidade e nós temos direito a essas diferenças”.

As dificuldades enfrentadas pelos indígenas para conseguirem o acesso e a permanência no Ensino Superior demonstram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que a sociedade não-indígena esteja preparada para recebê-los. Esse processo não pode menosprezar direitos fundamentais, como a manutenção da cultura e das tradições desses povos que sofrem, desde a colonização do Brasil, uma aculturação cada vez mais intensa.

Bastidores.TXT

Quando estávamos à procura de uma pauta para a TXT, vimos uma notícia publicada no site da UFSM, sobre a reunião realizada no dia 26 de março de 2015, na qual caciques e estudantes indígenas fizeram diversas reinvindicações relacionadas às condições de permanência desses estudantes na Universidade. Isso nos levou a questionar por que os indígenas enfrentam tantas dificuldades na UFSM, mesmo passados oito anos da implantação das cotas. E não tivemos dúvida: esse era o assunto que iríamos aprofundar na nossa reportagem.

Depois de aprovada a pauta, começamos então o processo de apuração. Após conversarmos com o membro do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas (GAPIN), Rafael Mafalda, e buscarmos informações nas Pró-reitorias, fomos procurar os personagens principais da “história” que iríamos contar: os estudantes.

Nessa etapa da apuração, a qual consideramos a mais importante, nos deparamos com algumas dificuldades ao encontrarmos indígenas receosos em falar sobre sua luta, devido à maneira negativa como são geralmente representados na mídia tradicional.

Decidimos então procurar o cacique kaingang, Natanael Claudino, presidente da Comissão Indígena na UFSM. Para isso, fomos até a aldeia Três Soitas e explicamos a nossa intenção de mostrar as dificuldades dos indígenas de um ângulo diferente do abordado nos tradicionais veículos de mídia. Essa conversa foi crucial para podermos seguir com a apuração e chegar até os estudantes.

Ao escrever o texto, procuramos contar a luta dos indígenas sem reproduzir estereótipos e lugares-comuns, com o objetivo de informar os leitores e dar visibilidade a essa causa, que muitas vezes é esquecida.

Reconhecemos o que a Universidade faz por esses estudantes, mas também sabemos que ainda há muita coisa para ser feita. A criação de vagas para indígenas foi um passo importante nessa luta, mas proporcionar condições adequadas de permanência é de igual importância. A democratização do acesso ao Ensino Superior deve ser feita de forma plena, garantindo que, após o acesso à Universidade, os estudantes tenham o apoio necessário para permanecer.

A indígena Kaingang e acadêmica de enfermagem, Cristiane Andreia Bento, que ilustra a capa da TXT 2015, conta como foi a experiência:

“Tirar as fotos pra capa da revista foi uma coisa diferente, a gente não tá acostumado a fazer esse tipo de coisa e são muito poucas pessoas que se interessam pela história da gente dentro da Universidade. E é bem interessante, até porque a gente precisa divulgar que a gente também sonha em se formar em alguma profissão, e sonha em vir aqui e fazer esses cursos e voltar pra aldeia e dar um futuro melhor pro nosso pessoal da comunidade. Foi um momento bem especial pra gente, perceber que a gente tava mesmo sendo visto dentro da Universidade. Foi um momento único.”

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