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UFSM em Silveira Martins



Anelise Dias – aschutzdias@hotmail.com
Gregório Mascarenhas – glm_2311@hotmail.com

Ainda é noite, o ônibus vem andando sonolento pela Rua do Acampamento. Depois de uma longa conversa com uma aluna da UDESSM no fim de tarde do dia anterior, finalmente estamos indo para Silveira Martins. O primeiro destino é a Rodoviária de Santa Maria. As pessoas vão entrando, mas o veículo não lota. Já são quinze para as sete. Pagamos a passagem, o ônibus arranca.

O Sol aponta no Oriente, ofusca a visão do motorista – é para o leste que estamos indo. Deslizamos suavemente pela Faixa Velha do grande Camobi conforme o dia amanhece. Na rótula da Base Aérea de Santa Maria, tomamos outra direção. Agora rumamos para Nordeste, pelas várzeas e arrozais alagados do Arroio Grande. Passados alguns quilômetros, vem a divisa de municípios, já estamos em Silveira Martins.

Agora o panorama é de vales, sangas, matarias espessas e taperas arruinadas. O relevo vai aos poucos mudando e acidentando-se, enquanto nos aproximamos do sopé da Serra de São Martinho. Silveira Martins está lá em cima, na borda superior da escarpa do Planalto da Bacia do Paraná. A subida começa pra valer, numa seqüência de curvas alucinantes e de cordilheiras profundas. O ônibus queima energia, põe todo seu torque na ascensão do cerro. Parece não adiantar: sobe meio dormindo – às vezes quase parando. Mas de repente se acorda num cambiar de marchas e segue o tranquito, debochado flanco que não fora capaz de fazê-lo renunciar.

Já amanheceu e estamos em Silveira Martins, a quase 450 metros acima do nível do mar. O primeiro sentido empenhado em perceber o ambiente ao desembarcar do ônibus é, antes da visão, o tato. Em cima da serra é rigorosamente frio nos dias derradeiros da invernia. A distância das ilhas de calor das grandes cidades, a altitude e o vento que não dá folga fazem de Silveira Martins – perdão pelos exageros – um pedaço da Sibéria no Coração do Rio Grande.

Silveira Martins é  uma cidade minúscula, envelhecida e quase vazia – mas muito bonita. Excetuando os alunos que chegavam para suas aulas, há pouquíssima gente nas ruas. Depois que toca a campainha a qual sinaliza que os estudantes devem entrar em suas salas, a cidade se desocupa. Enquanto ‘lá embaixo’ – é assim que os moradores de Silveira se referem a Santa Maria – a cidade pulsa, a urbe de cima da serra parece não ter despertado. Só que essa impressão não se esvai com o passar das horas. A quietude persiste, inabalável, o dia inteiro.

Dentro das dependências da UDESSM não é diferente: o pólo não lembra nem de longe um campus universitário. O menor ruído reverbera nas salas vazias do antigo Colégio Bom Conselho. O vento Sul, gélido, invade o prédio pelas frinchas das janelas. Enquanto os estudantes estão em suas classes, o prédio parece abandonado; a construção é enorme, mas a maioria dos aposentos estão desocupados.

Heranças de outrora

Silveira Martins era ponto de convergência de toda a Quarta Colônia em 1908, ano de construção do edifício que hoje abriga a sede da UDESSM. Os núcleos de imigração localizavam-se nas serrarias que delimitam a transição entre o planalto e a depressão topográfica do centro do estado. Na época, elas representavam um formigueiro humano se comparadas às campanhas pontualmente povoadas da Região Central. O atual território de Silveira Martins foi o primeiro a receber os imigrantes e, no começo do século passado, era o que oferecia mais serviços à população recém chegada. Hoje, a cidade é a segunda menor da Quarta Colônia – só é maior do que Ivorá.

Toca o sinal: é intervalo para os alunos da UDESSM. Aos poucos, os universitários vão saindo em direção à rua de paralelepípedos. Atravessam-na e vão encontrar-se dentro de um comércio, logo na frente do campus. A placa informa: Aurélia Cielo. Ali, durante décadas, funcionou armazém de – conforme o que diz no letreiro – “secos e molhados, fazendas e miudezas em geral”. Hoje o estabelecimento vende, além dos artigos habituais, lanche para os estudantes. “A xente sentia pena deles. Aí um dia veio um guri e pediu pra fazer um cachoro quente. Nós fizemos. Hoje a gente faz cachoro, pastel, saunduíche e cafésssinho”, contou a dona Aurélia, com típico sotaque italiano e com cara de quem não estava acostumada com tanto movimento.

Toca o sinal novamente, é hora de voltar para as salas de aula. A pasmaceira toma conta de Silveira Martins novamente. Devagar, o vento Sul empurra para longe a névoa que se alargava sobre a cidade. Cerração que baixa, Sol que racha. As horas passam, o clima reserva surpresa para os estudantes que já revelam sinais de impaciência.

Chega o meio dia, a lição acaba; os alunos saem em algazarra pela porta do antigo Colégio Bom Conselho. Alguns utilizam transporte coletivo, outros entram em seus carros. Lentamente – pra não atrasar – os veículos vão se dirigindo às saídas de Silveira Martins. A disposição de espírito é diferente daquele começo de manhã dentro do ônibus. O rádio toca outros ritmos, como os do longínquo Pará.

Descer a serra, sulcar o asfalto dos vales, atravessar as planícies encharcadas, cruzar o Camobi e estacionar no centro de Santa Maria. O trânsito convulsiona e há cheiro de almoço no ar. Amanhã de manhã começa tudo de novo.

 

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