Com o início da vacinação da terceira dose em pessoas adultas e da vacinação em crianças, a pandemia de Covid-19 começa a dar sinais de que pode se encerrar em breve. Entretanto, a desinformação segue sem dar sinais de descanso, ainda mais com a chegada da variante Ômicron, que colocou o Brasil novamente em atenção. Além disso, a exigência do passaporte vacinal e o início da vacinação infantil se tornaram pontos delicados, vistos como um ataque à liberdade individual por alguns grupos. Nesse contexto, o país enfrenta uma nova onda de negacionismo e fake news, somado à expansão do movimento anti-vacina, que juntos colocam em risco a saúde pública.
Um exemplo de desinformação relacionado à vacinação é a imagem a seguir, que também engloba questões relativas ao passaporte vacinal. Nesse texto, explicamos alguns pontos importantes sobre esses dois temas, além da vacinação infantil e a nova fase da pandemia. Conversamos com o epidemiologista e professor André Ribas Freitas, e com o também docente Luiz Carlos Dias, membro da Força-Tarefa da Unicamp no combate à Covid-19.
Como a vacina funciona no corpo?
Como explica André Ribas Freitas, a vacina contra a Covid-19 funciona como as demais, estimulando a produção de anticorpos e células de memória que, em um possível contágio, poderão defender o organismo com mais eficiência. Entretanto, os imunizantes não são capazes de curar uma infecção, já que as medidas não têm eficácia em organismos que já estão expostos ao vírus, ou seja, elas só têm efeito preventivo.
Então, a vacina não extingue a possibilidade de contágio, mas auxilia na diminuição dos efeitos que o vírus causa no corpo, tornando-os menos graves. O professor Luiz Carlos Dias afirma: “As pessoas com duas doses do imunizante permanecem protegidas em relação à hospitalização e uma dose de reforço melhora drasticamente a proteção. Apesar de ainda não impedir a infecção, as vacinas estão funcionando para prevenir hospitalizações e óbitos.”
Mesmo vacinado ou já tendo me contaminado anteriormente, ainda posso me infectar com o novo coronavírus?
Sim. Isso porque a vacina não age diretamente no vírus, mas no organismo do imunizado, fortalecendo-o para o combate de uma possível infecção (ou reinfecção). A vacina torna a contaminação mais leve, com sintomas menos agudos, menor transmissibilidade, menor chance de hospitalização e de ida para UTI. É por esse motivo que houve uma diminuição no número de mortes após o início da vacinação da população adulta, mesmo com o número de contaminações ainda crescendo.
Além disso, Luiz Carlos Dias salienta: “O vírus sofre menos mutações em pessoas vacinadas, então a doença é mais leve e a duração é normalmente menor. Vacinados se curam rapidamente e têm uma melhor probabilidade de não ter Covid com longa duração, sequelas cardiovasculares, respiratórias e neurológicas irreversíveis.” Ou seja, as vacinas em si não são uma solução pronta para o vírus, mas, dentre as opções, são as que permitem mais segurança para a população.
Para que servem as doses de reforço?
As doses de reforço servem para que novas variantes, como a Ômicron e a Delta, também sejam combatidas pela vacina. Quanto mais pessoas vacinadas, mais leves são os quadros da doença e menor é a sua transmissibilidade. Assim, com o vírus circulando menos e com a população mais fisicamente preparada para lidar com uma possível infecção, existe uma menor chance de novas variantes surgirem. Logo, indivíduos que tomaram apenas uma dose da vacina estão mais suscetíveis a desenvolver quadros mais graves, o que tende a levar a hospitalizações, idas à UTI e até óbitos. É o que mostram dados da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, que indicam que nove a cada dez óbitos por Covid são de indivíduos sem o esquema vacinal completo.
“As doses de reforço são feitas para que o sistema imunológico melhore a sua proteção, então as pessoas que não estão fazendo essas doses vão ter um risco maior de […] ter uma infecção mais grave pela doença. Não vai ser um risco igual a um não vacinado, mas uma situação intermediária”, afirma André Freitas. Ele também lembra que, indiretamente, as pessoas vacinadas protegem as não-vacinadas, já que promovem a menor circulação do vírus. Nesse sentido, como menciona Luiz Carlos Dias, com mais pessoas vacinadas, grupos que não podem se vacinar, que ainda não têm vacina aprovada ou que são grupos de risco também conseguem ser protegidos. Mesmo assim, quanto maior o número de imunizados, maior é a chance de o vírus ser controlado e o estado de pandemia amenizar.
Como funciona a variante Ômicron? Qual a diferença entre ela, a variante Delta e o vírus do início da pandemia?
Em dezembro de 2021, uma nova variante da Covid-19 foi descoberta, batizada de Ômicron. No mesmo mês, o primeiro caso foi confirmado no Brasil, mostrando a capacidade da cepa de transmitir com mais facilidade, mesmo entre pessoas já vacinadas ou já contaminadas anteriormente. O professor Luiz Dias explica como a variante funciona e quais as suas particularidades: “A Ômicron se replica no trato respiratório superior, facilitando a propagação do vírus, diferentemente da variante Delta e de outras variantes que se replicam principalmente no trato respiratório inferior — nos pulmões. Graças às vacinas, a variante causa menos danos aos pulmões e evita problemas respiratórios graves e mortes.”
Além disso, ele explica também porque essa variante é mais transmissível, motivo pelo qual deve ser tratada com atenção: “Em virtude do grande número de mutações observadas na proteína Spike, o vírus adquiriu a capacidade de infectar mais rapidamente as células do trato respiratório superior, estando em maior abundância no nariz e na garganta, o que facilita a sua transmissão […]. Com essa variante, basta uma pequena quantidade de vírus no ar para infectar as pessoas ao redor.”
Qual a necessidade do passaporte vacinal? Devo aderir à prática?
O passaporte vacinal é uma forma de incentivar a população a se imunizar, o que ajuda a prevenir a propagação de doenças. A ferramenta já é utilizada amplamente no setor de saúde há décadas. Por exemplo, alguns países exigem um certificado de vacinação contra febre amarela para estrangeiros, que no Brasil é emitido gratuitamente pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A ferramenta se tornou um assunto delicado, visto como um ataque à liberdade individual, mas Freitas afirma que esse é um argumento que não faz sentido, já que defende a contaminação à vacinação, fazendo uma inversão de valores que tem potencial de afetar toda a população.
BÔNUS: Devo vacinar meu filho?
Segundo o Instituto Butantan, desde o início da pandemia, a covid-19 já matou mais de 1.400 crianças de zero a 11 anos no Brasil e deixou outras milhares com sequelas. Dias cita que além de poderem se infectar, elas “podem precisar de hospitalização, ter casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, apresentar Covid longa, ter sequelas irreversíveis por toda a vida e transmitir o vírus para outras pessoas que moram no mesmo lar”. Sendo assim, ele defende a imunização infantil como uma forma de frear o vírus e ajudar a diminuir o número de óbitos no país.
Enquanto a pandemia não se encerra oficialmente, é necessário manter as medidas de contenção: o uso de máscaras, a higienização constante das mãos, o distanciamento físico, a quarentena em casos de infecção e, principalmente, a vacinação.
Reportagem: Elisa Bedin, Júlia Petenon e Pedro Souza
Revisão: Luciana Carvalho