Quando se fala em inclusão e acessibilidade, é necessário que sejam mencionados todos os tipos de pessoas abarcadas por suas pautas e que se compreenda o que significa cada termo. A Inclusão é um conjunto de ações para combater a exclusão de pessoas vistas como diferentes, oferecendo oportunidades iguais de acesso. Já a acessibilidade é a possibilidade de acesso com condições de utilização com segurança e autonomia, seja em espaços públicos ou privados.
Com isso, percebe-se a importância da acessibilidade para que haja inclusão, independentemente do espaço. Assim, que tipo de inclusão acontece em uma sociedade, sem todos terem acesso aos locais? Se o ambiente não é minimamente acessível, a sociedade inclui e é construída para quem?
O Brasil é um dos países com maior território e população do mundo. Segundo estimativa do IBGE, o país possui mais de 211,7 milhões de habitantes. Desse número, 46 milhões possuem algum grau de dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar, subir degraus, ou possuem alguma deficiência mental ou intelectual (Censo de 2010). Além disso, 12,5 milhões de habitantes possuem grande ou total dificuldade nesses aspectos, ou seja, são pessoas que possuem alguma deficiência.
Entretanto, apesar de um número significativo de pessoas possuírem algum tipo de dificuldade, grande ou pequena, a sociedade não é totalmente acessível. As lojas não possuem rampas de acesso, as escolas não são adaptadas à realidade de todos os alunos, os restaurantes não possuem cardápios com linguagem em braille, nem todos os professores sabem a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), seja nas instituições de ensino como também nas autoescolas.
A estudante do Ensino Médio Técnico em Administração no IFPR – Campus Avançado Barracão, ativista no movimento anticapacista e defensora dos direitos das pessoas com deficiência, Rafaela Hart, traz seu ponto de vista enquanto mulher com deficiência motora. Ela afirma se sentir mais incluída na sociedade atualmente, ressaltando o fato de que outras pessoas lutaram para que a sociedade se tornasse minimamente acessível para que ela se sentisse assim. Apesar disso, “a inclusão perfeita está longe de existir e o caminho ainda é longo”, menciona.
Pessoas gordas ou com sobrepeso também sofrem com a falta de acessibilidade nos espaços que frequentam. Equipamentos de exames rotineiros que não suportam pesos elevados, lojas que não possuem roupas de tamanhos grandes, poltronas de ônibus e avião que não contemplam o tamanho de todas as pessoas, entre tantas outras questões.
A arquiteta, designer e empreendedora no município de Dionísio Cerqueira/SC, Lissara Filipini, diz que “é como se as pessoas gordas não existissem”, pois a sociedade é construída e mantida para as pessoas magras e/ou “não gordas”, os espaços são acessíveis somente a elas e se esquece do fato de existirem corpos diferentes.
Entre todas essas questões, as mulheres gordas e/ou com alguma deficiência sofrem ainda mais, como é evidenciado nas falas das entrevistadas. A sociedade não espera que uma mulher que seja totalmente diferente do padrão vigente e, assim, não desenvolve formas de incluir essas mulheres. As escritoras Naomi Wolf e Alexandra Gurgel escreveram sobre a questão do padrão de beleza em seus livros, trazendo diversas reflexões sobre esse conceito que exclui tantas mulheres da sociedade.
Alexandra Gurgel aponta, em seu livro ‘Pare de se Odiar’, que o machismo e o patriarcado estão na raiz dos problemas, seja na desigualdade salarial, na violência contra a mulher ou no controle sobre a vida e o corpo delas. Não muito diferente deste conceito, Naomi Wolf também ressalta, em sua obra ‘O Mito na Beleza’, que “o mito da beleza não tem absolutamente nada a ver com as mulheres. Ele gira em torno das instituições masculinas e do poder institucional dos homens”.
As questões trazidas por Gurgel e Wolf também atormentaram Lissara e Rafaela em algum momento de suas vidas. Lissara, com 24 anos, afirma que mesmo estando tranquila com o seu peso, não se sente confortável em ir a festas fechadas ou barzinhos, pois parece que só tem ela ali. “Alguém te convida para ir em algum lugar e você já fica pensando […] ‘não tenho roupa para ir’, ‘não tenho onde comprar uma roupa para ir’. Aquele pensamento fica na sua cabeça até que você desiste de sair e, aí, vem a solidão, né?! A solidão da pessoa gorda”, ressalta.
Já Rafaela, hoje com 18 anos, afirma que a relação com o seu corpo é muito melhor do que há 3 anos, por exemplo. Apesar de que ninguém acorda todos os dias se amando, ela diz: “hoje fiz as pazes com o meu corpo e com a minha deficiência”. Rafaela ainda ressalta que o que a ajudou nesse processo foi a representatividade que a internet traz, com pessoas reais mostrando sua vida e os desafios que enfrentam, pois, “poder se sentir representada é um grande avanço para a aceitação”.
Rafaela aponta que já sofreu diversos tipos de preconceito ao, simplesmente, frequentar espaços e circular pela cidade, como risadas, piadinhas sobre seu corpo, seu jeito de andar, além de olhares tortos ou até mudarem de calçada ao vê-la. Ela afirma que as mulheres com deficiência estão mais sujeitas a sofrer em relacionamentos abusivos, porque o capacitismo está sempre presente em suas vidas, mesmo em um relacionamento amoroso.
Lissara também compartilha sobre suas experiências nesse sentido. Ela conta que já foi maltratada e mal atendida em lojas de sua cidade ao ir em busca de roupas, ouvindo coisas do tipo: “aqui não tem nada para você”, “nada te serve”. O que é a coisa mais simples para algumas pessoas, para outras é um desespero. E isso dificulta e impacta em outras questões, como ela mencionava anteriormente que ainda não se sente confortável em determinados locais e que, por vezes, prefere não sair de casa para não sofrer com a falta de acessibilidade.
Dessa forma, fica clara a importância de falar em acessibilidade para gerar inclusão. Para Rafaela, é impossível não falar em inclusão e acessibilidade hoje em dia, “é preciso incluir para conhecer, para aceitar”, afirma. Ela ainda ressalta que “pessoas com deficiência estão cansadas de esperar a promessa do ‘depois’: ‘depois a acessibilidade vem’, ‘depois quando esse lugar estiver adaptado para você, você vai’”. As empresas, públicas ou privadas, precisam estar adaptadas a todas as pessoas, pois, como Rafaela menciona, “pessoas com deficiência existem, bebem, se divertem, […] vão a bares, vão para as universidades, vão à escola”.
Com locais acessíveis e tendo representatividade, ou seja, mulheres gordas, com deficiência e/ou mobilidade reduzida ocupando esses espaços, a inclusão será alcançada, pois a falta de acesso só gera a exclusão dessas pessoas. Como afirma Rafaela, “ninguém perde por incluir, pelo contrário, todos ganham, ganham conhecimento, trocas de experiências e vivências. É preciso que pessoas reais sejam visibilizadas.”
Reportagem: Júlia de Sá
Matéria produzida na disciplina Redação Jornalística II, do curso de Jornalismo do Campus da UFSM em Frederico Westphalen, no 1º semestre de 2021, ministrada pela Professora Luciana Carvalho.