Segundo dados do último censo do IBGE, realizado em 2010, 23,9% do total de brasileiros apresenta algum tipo de deficiência. Esse número equivale a mais de 45,6 milhões, o que corresponde à população total de países como Espanha ou Argentina. Além disso, 6,7% das pessoas apresentam grande dificuldade em alguma das principais habilidades, como andar, subir degraus, ouvir ou enxergar, revela a mesma pesquisa. Se atualizados em 2021, certamente esses números seriam muito maiores.
Ao longo da história, o conceito de deficiência sofreu inúmeras transformações, principalmente a partir de debates fomentados pela própria sociedade. Passando por visões religiosas, médicas e sociais, atualmente as pessoas com deficiência são tidas como aquelas que, devido a barreiras impostas pelo meio em que vivem, são impedidas de participar plenamente na sociedade, sofrendo limitações, portanto, à sua própria condição de cidadãs. Dessa forma, a deficiência não é considerada apenas como um limite de cada pessoa, com consequências na sua funcionalidade, mas também leva em conta as barreiras que existem no espaço físico, nos transportes, nos serviços, nas relações interpessoais e, inclusive, na comunicação.
Com o intuito de diminuir ou eliminar todas essas barreiras impostas pelo meio que impedem o desenvolvimento pleno das pessoas com deficiência, foi promulgada, em julho de 2015, a Lei nº 13.146, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da PCD. “O Estatuto foi feito a partir de uma construção de muitos anos, que vem desde o final da Segunda Guerra Mundial e que ganha forças no Brasil a partir dos anos [19]80 e se estende até 2015, quando ele é publicado”, relata o pesquisador Marco Bonito, professor da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e doutor em Ciências da Comunicação.
No entanto, para Bonito, o Estatuto da PcD, embora recente, não é cumprido praticamente na sua totalidade, fazendo parte das chamadas ‘leis que não pegam no Brasil’. Segundo o professor, as razões para o não cumprimento do Estatuto são sociopolíticas. “O cumprimento do que rege o Estatuto deveria ser uma prerrogativa do Estado. O Estado pune, fiscaliza e cobra ações na forma da lei. A partir do posicionamento do Estado, isso se reflete para o cotidiano da sociedade”, afirma Bonito. Porém, esse mesmo Estado é o maior descumpridor do Estatuto, fazendo com que, embora ele tenha sido construído a partir de lutas históricas, as situações de desrespeito às pessoas com deficiência continuem.
De acordo com o artigo 2º dessa legislação, é considerada pessoa com deficiência aquela que apresenta um impedimento a longo prazo, seja de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com os diversos tipos de barreiras, pode obstaculizar a sua participação plena e efetiva na sociedade em iguais condições das demais pessoas. Dentre as barreiras impostas, são consideradas barreiras na comunicação e na informação qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação.
Já por acessibilidade, segundo o artigo 3º da lei, entende-se a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Ao se pensar a comunicação no âmbito do Estatuto da PcD, primeiramente é preciso compreendê-la a partir de um sistema complexo de circulação de mensagens, indo além de uma simples troca linear de informações entre emissor e receptor. Segundo Bonito, “no âmbito da comunicação, as suas idiossincrasias específicas são muito distintas, já que, quando se trata de comunicar, vários meios recirculam a mensagem do emissor até ela chegar ao receptor. Esse receptor, por sua vez, faz todo um entendimento sobre o que está sendo comunicado a partir das suas experiências pessoais. Cada pessoa vai entender a mensagem a partir do seu repertório cultural. Assim, a mesma mensagem não será entendida da mesma forma para todos”.
Para Marco, as barreiras informativas impedem que as pessoas com deficiência possam fazer uso da comunicação de forma autônoma e plena. “A pessoa tem que ter autonomia e plenitude para consumir a informação, independente do seu grau de capacidade cultural”, alerta o professor. Bonito exemplifica com a abertura das Paralimpíadas que, segundo ele, é um evento assistido principalmente por pessoas que se interessam pelo tema. Segundo o professor, as maiores emissoras de televisão que transmitem o evento não apresentam acessibilidade comunicativa. “Não tinha janela de Libras, não tinha legenda, não tinha audiodescrição. Trata-se de um problema de ordem moral”, afirma Bonito. Para ele, as emissoras que deveriam ser o parâmetro, mesmo conhecendo a legislação, não o fazem por ser uma política estratégica de comunicação da própria empresa. Para Marco, o fato de não cumprir a lei deveria ser motivo para essas emissoras perderem a concessão pública que recebem.
A essência do conceito de acessibilidade comunicativa, termo desenvolvido por Marco Bonito durante a sua pesquisa de doutoramento, reside no fato de que as pessoas precisam ter acesso às informações por todos os meios de comunicação (rádios, tevês, jornais, sites, revistas impressas, dentre outros), sem qualquer tipo de barreira informativa, porque essas barreiras trazem prejuízos para a construção da sua cidadania comunicativa.
Reportagem: Patrick Costa Meneghetti
Matéria produzida na disciplina Redação Jornalística II, do curso de Jornalismo do Campus da UFSM em Frederico Westphalen, no 1º semestre de 2021, ministrada pela Professora Luciana Carvalho.