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Como é bom poder tocar um instrumento



Crônica / Reportagem em 1ª Pessoa

Que significados a música tem para você?. Foto: Pixabay

“Como é bom poder tocar um instrumento”, já dizia Caetano Veloso, sujeito que fez seu nome e já deixou sua marca no Brasil e no mundo com sua música.  Música essa que existe há quase tanto tempo quanto a própria humanidade. Acredita-se que desde que o ser humano começou a se organizar em tribos primitivas pela África, a música era parte integrante do cotidiano dessas pessoas. Essa forma de expressão possui a capacidade estética de traduzir os sentimentos, atitudes e valores culturais de um povo ou nação. A música é uma linguagem local e global.

Sabemos, teórica ou intuitivamente, que quando nos sentimos conectados com a música, ela tem o poder de nos proporcionar momentos de imensa alegria, nos ajudar a expressar a tristeza e a raiva, causar reflexões das mais diversas naturezas, nos interligar a pessoas com as quais compartilhamos gostos, nos fazer lembrar de pessoas queridas (ou nem tanto) e nos fazer sonhar com o que está por vir. Mas o que a música significa para nós, que temos os instrumentos como companheiros e, podemos dizer, grandes amigos?

Eu, Camila, não tenho memórias anteriores à música em minha vida, nasci no momento em que Jonatan da Silva Oliveira, meu irmão, com oito anos na época, tirava seus primeiros acordes no violão. Minhas lembranças são embaladas também por cantigas de ninar com as quais minha mãe carinhosamente conduzia a mim e meus irmãos a um sono despreocupado, aquele sono que as crianças sabem dormir.

Jonatan, que hoje, aos 29 anos, domina instrumentos como violão, ukulele, cavaquinho, teclado e arrisca algumas canções no violino, conta: “tenho certeza que minhas preferências por combinações de acordes, ritmos e estruturas musicais foram influenciadas pelas músicas e artistas preferidos dos meus pais”. A música ganhou mais espaço em sua vida quando começou a frequentar aulas ministradas na igreja da cidade onde morávamos.

Não poderia ocorrer de outra forma para mim, fui fortemente influenciada pelas bandas brasileiras de pop rock que meus pais adoravam, contudo, o maior responsável pela dimensão da música em minha vida é meu irmão. Passei a aprender a técnica do violão aos 14 anos, com um instrumento emprestado, alguns folhetos, ouvindo muita música e, claro, observando avidamente aquele que foi meu primeiro mentor. Hoje, não há reunião de família sem que o ambiente seja tomado por canções.

Aprender a tocar um instrumento envolve a aquisição de uma enorme variedade de competências: auditivas, motoras, expressivas, performativas, mas antes disso, é preciso esforço. Muito se fala sobre “dom” ou algum talento intrínseco ao músico, discordamos em partes. Jonatan acredita que algumas pessoas têm facilidade nas mais diversas áreas, na música não é diferente, no entanto, afirma não se sentir parte dessa parcela: “para mim o processo é maçante até hoje. É um constante aprendizado e a única conclusão possível é que quanto mais aprendo, mais eu vejo quão pouco eu sei.” Leonardo Camargo, 23 anos, membro-fundador, violonista e baixista da banda Pancas Dream, partilha da mesma opinião e complementa: “conheço muitas pessoas que tocam de maneira completamente intuitiva, usando mais dosagens de autoexpressão para preencher as lacunas da técnica. Eu acho isso extremamente cool e badass, mas infelizmente não é o meu caso.”

Adquirir esse conhecimento é, muitas vezes e, principalmente no princípio, frustrante. Exige perseverança.  Não à toa, poderia trazer inúmeros relatos de pessoas que abandonaram a tarefa de aprender um instrumento. Em artigo intitulado “Papel da Motivação na Aprendizagem de um Instrumento”, Francisco Cardoso nos apresenta a ideia de que, em princípio, pessoas próximas, familiares e professores são a maior fonte motivadora, mas o que leva o indivíduo a continuar a estudar um instrumento são razões internas como ‘querer aprender a tocar peças mais difíceis’, ‘ter uma relação muito especial com o instrumento’, ou outras razões similares.

A música também cumpre um papel importante em nossa adolescência, um período de intensidade emocional e descobertas, que nos levam a procurar uma identidade para a construção da personalidade. “A função de comunicação e a função de integração da sociedade, devido ao fato de os adolescentes utilizarem a música como uma forma de ingresso a um grupo, ou como uma maneira de mostrar aos outros adolescentes – e aos adultos também, qual é a sua “tribo”, quais suas preferências e que ele já não é mais uma criança, e que já pode fazer suas próprias escolhas”, explica Auro Sanson Moura, em estudo intitulado “MÚSICA E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE”.

Conheci Leonardo quando ainda éramos crianças, mas foi na adolescência que nos tornamos próximos, e a música não poderia estar de fora disso. Nos esbarramos há algumas semanas, depois de anos sem contato. Em uma visita à minha casa, a primeira atitude de Léo foi sentar-se e dedilhar meu violão. Nossa conversa foi marcada por momentos de pura apreciação ao som que corria paralelo aos mil e um assuntos comuns a amigos que não se encontram há tempos. Léo diz que “durante a adolescência eu tive uma persona roqueira, sob influência do meu pai, posso dizer que nesse momento a música começou a ser relevante para construção da personalidade.” A música segue sendo palco principal de nossos diálogos e, ouso dizer que, talvez como nunca, a música nos mantém conectados.

Quando perdemos contato, Léo iniciava os estudos de Produção Audiovisual, em Chapecó. Naquele momento, deixava de lado a ideia de tocar e hoje, com sua banda e vários projetos para o futuro, conta com prazer sobre a influência de seu meio social: “Conheci muitas pessoas por causa da música, muitas amizades feitas com pessoas que tocam ou que frequentam ambientes musicais num geral. Geralmente, no meu caso, são músicos excelentes que não se importam em compartilhar o conhecimento e agregar na galera, aprendi muito do que sei dessa forma.”

Tão significativa para a socialização, a música também nos ajuda a lidar com momentos difíceis, de isolamento, seja ele físico ou psicológico. Tocar algum tipo de instrumento musical também pode ajudar a proteger o cérebro e a diminuir os riscos de depressão ou problemas mentais, revela estudo divulgado no site do Hospital Santa Mônica. Jonatan considera que a música “sempre ajudou a atravessar qualquer momento. Acho que, principalmente para quem estuda música, ela serve como um escape e os instrumentos como um refúgio.”

Atualmente, com a pandemia do novo coronavírus, fomos submetidos a graus variados de isolamento, mas pontos positivos surgem também nesse cenário. Para Leonardo foi o período que mais evoluiu como instrumentista e artista num geral. “Também continuei ouvindo várias coisas, é claro. Acho que ninguém discorda que a música pode ser terapêutica então nesse período de isolamento e distopia, a música tá ai pra ajudar todo mundo”, destaca.

Hoje, tenho a música como um hobbie, um abrigo que me foi fundamental na aquisição do hábito e amor pela escrita. Acredito que, como músicos de todos os níveis de experiência e capacidade, possuímos uma capacidade única de tocar e se comunicar através da música. Possuímos algo verdadeiramente poderoso que tem a capacidade de não apenas nos ajudar em tempos ruins, mas também contagiar aqueles ao nosso redor.

Difícil descrever, então, o espaço que a música ocupa em nossas vidas; a temos como partes importantes de nossa personalidade, momentos valorosos em nosso dia a dia, caminhos para descoberta de novos mundos, para autoexpressão pura atravessada também por aquilo que nos influencia, cada um com suas preferências, ligados pelo amor à musica e ao ato de tocar. O que podemos afirmar é que a música é parte de quem somos e sem nossos instrumentos, a vida seria ainda mais difícil.

Texto: Camila da Silva Oliveira

Matéria produzida na disciplina Redação Jornalística II, do curso de Jornalismo do Campus da UFSM em Frederico Westphalen, no 1º semestre de 2021, ministrada pela Professora Luciana Carvalho.

 

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