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Como as plataformas digitais lidam com a desinformação sobre a Covid-19?



A desinformação atinge as mais variadas esferas da sociedade, entretanto, com a pandemia, as informações sem embasamento foram direcionadas para pautas de saúde. Assim, as plataformas digitais amplificaram esses discursos, prejudicando o enfrentamento à Covid-19. Por isso, nesta semana, entrevistamos pesquisadores que explicam o papel das plataformas digitais diante desse problema.

As notícias antes concentradas na televisão, no rádio e nos jornais, hoje em dia estão presentes também nas plataformas digitais, como o Youtube. O ambiente online, com milhares de visualizações todos os dias, se tornou propício para circulação de informações falsas e descontextualizadas, que com a vinda da covid-19 se intensificou.

Considerando a gravidade do momento em que vivemos, a pesquisa e a ciência são fundamentais para proteger a população de informações falsas. Nesse contexto, a jornalista e doutoranda no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, Dayane Machado, desenvolve pesquisa sobre desinformação em saúde. Em entrevista, ela diferencia a informação incorreta como um erro de comunicação que rapidamente é corrigido, enquanto a desinformação é criada a partir de uma mentira e distribuída para confundir a população. A jornalista ressalta: “Existem estratégias e interesses por trás desse material, uma maneira de usar a desinformação para benefício próprio é criando uma campanha de divulgação nas redes.” 

Em sua pesquisa de Doutorado, Dayane estuda a existência de perfis suscetíveis a consumirem esse tipo de conteúdo. A jornalista explica que esses perfis são cada vez em maior número e variados, já que nos tornamos mais vulneráveis ao consumo desse tipo de material em momentos de ansiedade como o que estamos vivendo. A pesquisadora pontua: “O que todas essas pessoas têm em comum é uma desconfiança excessiva, muito forte em relação a qualquer instituição oficial, então é comum que ataquem a imprensa, instituições de ensino e pesquisa, agências oficiais de saúde e ao mesmo tempo tentam se promover como fontes alternativas”.

A internet se tornou um ambiente fértil para disseminação de notícias falsas, o poder de alcance das redes torna a desinformação ainda mais difícil de ser controlada. Segundo Dayane, as plataformas online lucram em cima de anúncios, assim quanto mais tempo o usuário acompanha determinado conteúdo mais a plataforma pode monetizar o material. Por meio desse mecanismo, as produções que causam impacto nos consumidores acabam tendo maior engajamento e, consequentemente, são também mais lucrativas. Sobre isso, Dayane afirma: “Conteúdos extremos, ou que consigam gerar reações muito fortes como ódio, indignação ou identificação muito profunda, são capazes de gerar muito engajamento. Capazes de segurar a atenção do usuário.”

Assim, além de inibir a criação e disseminação de conteúdo falacioso, outro desafio é enfrentar o esquema lucrativo adotado pelas plataformas digitais que obtém lucro com a desinformação. Dayane destaca: “O desafio maior é a infraestrutura das próprias plataformas que se beneficiam com esse tipo de conteúdo. Enquanto a desinformação for um negócio oportuno e lucrativo, ela vai continuar sendo privilegiada.”

A desinformação sobre saúde afeta diretamente os hábitos da sociedade. Créditos: UnsplashPhotos

Em meio à crise de informação que vivemos, material criado em 2011 que reúne dicas de proteção ao cidadão na internet foi atualizado no ano passado, baseado em pesquisas recentes. Traduzido por Dayane, o manual explica de que maneira surge a desinformação e quais as melhores estratégias para não dar mais visibilidade. A pesquisadora relata: “Para conhecer as táticas de informação mais comuns, e também para aprender como desmentir boatos de forma adequada, existe o Manual da Desmitificação.” O manual completo está disponível neste link: Manual da Desmistificação 2020 

Seguindo a linha de pesquisa sobre a desinformação e a pandemia, conversamos também com o jornalista e doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Felipe Bonow Soares. Membro do Grupo de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Midiars), ele fala sobre estratégias próprias para aumentar o engajamento de notícias descontextualizadas, baseadas em mensagens com comandos de ações e comunicados de urgência. Felipe explica: “Essas características tanto das plataformas de possibilitar o repasse do conteúdo, deixar gravado e a chance de viralizar o conteúdo dificultam o combate”.

As plataformas digitais, como portais para desinformação, são uma preocupação para os pesquisadores. Sobre isso, Felipe cita como exemplo vídeos que promovem a hidroxicloroquina como tratamento da Covid-19 e foram retirados de circulação do Youtube de forma tardia, reforçando a promoção de um medicamento prejudicial para saúde e sem comprovação científica. O pesquisador explica: “Vários desses vídeos que foram excluídos agora em 2021, já estavam disponíveis desde o ano passado e já vem sendo utilizados para argumentar a favor de um medicamento que apresentam evidências científicas de prejuízos para saúde e não ajudam no tratamento da doença.”

Para o pesquisador, as plataformas devem identificar e barrar a publicação de conteúdos falaciosos. “No Youtube, com conteúdos em audiovisual e muitas vezes com vídeos longos de 20 a 30 minutos, demanda métodos e formas mais complexas. Como trabalho humano, pessoas que possam assistir os vídeos e não somente uma inteligência artificial. Alguns tipos de tecnologia podem auxiliar, mas depois analisados por outras pessoas”, avalia Felipe.

A desinformação e seu impacto na sociedade é tema de pesquisa não apenas na área da Comunicação. Por isso, entrevistamos o doutorando em Administração (UFSC) que integra o grupo de pesquisa NICO (Núcleo de Inteligência Competitiva Estratégica Organizacional em Marketing e Logística), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). João Henriques de Sousa Júnior ressalta como a notícia falsa não surge repentinamente, por trás existem interesses e algum viés de verdade demonstrando como a manipulação acontece. “Nesse aspecto [a desinformação] cresceu muito, usam uma meia verdade e manipulam, por isso muitas pessoas terminam acreditando”, atesta. João também fala do paradoxo das redes: “Ao mesmo tempo que a tecnologia tem sido benéfica para comunicação, ao mesmo passo é maléfica no sentido de não existir normas. Agora estamos dando os primeiros passos para as normas” .

O pesquisador também reafirma a importância da educação no combate à desinformação, a formação de cidadãos críticos, educar para entender e se comportar na internet, reconhecer as manipulações. “Mesmo que tendam a pensar que é verdade, antes de compartilhar, se forem educadas para internet elas vão procurar qual a fonte, se o vídeo está na íntegra, se aquela imagem não houve manipulação.” João observa que a alfabetização digital é tão fundamental quanto a alfabetização convencional: “Não acreditar em tudo que estamos lendo, e possamos buscar”, afirma o pesquisador. 

 

Reportagem: Camila Amorim e Fernanda Vasconcellos

Edição: Luciana Carvalho

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