Na semana em que o Brasil ultrapassou o número de 300 mil vítimas por Covid-19, mostrando que as ações no enfrentamento à pandemia têm sido pouco eficazes, um assunto que voltou a ser debatido é o uso de medicações sem comprovação científica, que integram o chamado kit covid.
Com o crescente número de casos de Covid-19 todos os dias, a insegurança e o medo crescem na mesma proporção. Com isso, a expectativa por medicamentos que representem segurança aos pacientes é um sentimento compartilhado por infectados com o vírus. No primeiro semestre de 2020, medicamentos já presentes no mercado farmacêutico, como Cloroquina e Azitromicina, foram testados para pacientes de Covid-19, fazendo parte do conhecido “Kit-Covid”, que inclui ainda os medicamentos Hidroxicloroquina e Ivermectina. No entanto, o avanço das pesquisas demonstrou que não há eficácia no tratamento com essas drogas para tratar infectados com o novo coronavírus. Além disso, há relatos de piora nos quadros, seja no uso preventivo quanto no posterior à infecção. Especialistas ouvidos em reportagem da GZH relataram que o coquetel de medicamentos sem comprovação científica causa efeitos colaterais no fígado e atrasa a busca por internação.
A persistência de alguns grupos no uso desses medicamentos sem comprovação científica é motivo de preocupação para especialistas. Nesse sentido, Ana Carolina Gomes, médica do Sistema Único de Saúde (SUS) em Cruzeiro, interior de São Paulo, diz que não faz a prescrição desses medicamentos, mas já presenciou colegas que fizeram a recomendação deles. Outra dificuldade é a circulação de notícias falsas no ambiente hospitalar. Ana Carolina ressalta a necessidade de filtrar as informações para o que faz sentido e o que é mentira.
Quanto aos medicamentos, Ana Christ, que é farmacêutica, demonstra discordância com o uso das drogas de forma preventiva. Ela diz que, apesar de muita divergência na área farmacêutica, é crucial avaliar as condições da divulgação dos artigos em que são baseados os argumentos para recomendação ou não dos medicamentos. Para a doutora em Farmácia, é preciso analisar “como foi conduzido esse estudo, então se é um estudo sério, que realmente avaliou o medicamento em seres humanos, se avaliou em doses clínicas, se foi revisado por pares, se foi submetido para alguma revista”.
Quanto aos Conselhos que regulam as categorias de profissionais da saúde, é frequente a emissão de notas que reforçam a atenção para os riscos de tratamentos com medicamentos sem eficácia comprovada. Na condição de farmacêutica, Ana relata sempre seguir a prescrição médica, por isso a necessidade de posicionamento também dos Conselhos e Associações de Medicina, como a divulgação da carta pública que foi divulgada essa semana pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Em meio a busca por medicamentos para prevenção ou tratamento da covid-19, e a utilização de outros que já eram utilizados para tratar outras enfermidades, os pacientes que, antes da pandemia, faziam tratamentos com essas drogas encontraram dificuldades para dar continuidade na utilização. É o caso da Aline Gomes, que faz uso da Cloroquina há 7 anos e, no ano de 2020, sentiu na pele a falta do medicamento no mercado, após a grande busca pelo remédio em consequência da divulgação de pesquisas, que apontaram preliminarmente a medicação como possível tratamento da covid-19.
Outro problema causado pela divulgação de supostos remédios milagrosos foi o aumento no preço, o que também prejudicou quem usava a medicação para outras doenças. Aline relata que a única opção foi fazer o medicamento em farmácias de manipulação e foi necessário um receituário médico para fazer a compra. Aline, que já fazia uso contínuo do medicamento para tratar sua doença, foi acometida pela Covid-19 duas vezes, comprovando que o chamado tratamento precoce não é eficaz, como mostram as pesquisas mais atuais.
Durante esse cenário de crise, um levantamento feito pelo Conselho Federal Farmacêutico (CFF) demonstrou que “As vendas da hidroxicloroquina, por exemplo, mais que dobraram, passando de 963 mil em 2019 para 2 milhões de unidades em 2020. O aumento foi ainda maior no caso da Ivermectina, atingindo 557,26%.”
O Conselho ainda alertou que “[…] todos os medicamentos podem gerar efeitos adversos e que os riscos são ainda maiores para os medicamentos tarjados (aqueles de venda sob prescrição médica), não podendo ser negligenciados, considerando uma doença tão desafiadora como a Covid-19. A automedicação é fortemente desaconselhada”, ressaltou o assessor da presidência do CFF, Tarcisio Palhano.
A médica Ana Carolina ainda destaca que existe uma necessidade das pessoas em tomarem remédios, visto o colapso que o país vivencia. Ela nos conta, ainda, que não se deve padronizar nenhum tratamento, e sim fazê-los individualizados. ‘’Cada pessoa é única, cada organismo é único, a necessidade de cada um vai ser diferente, até mesmo por que cada um vai ter uma resposta e a gravidade da doença será diferente’’, ressalta.
A pandemia não acabou
Com as férias de verão, final de ano e feriado de carnaval, houve uma grande flexibilização do isolamento social em todo o país, aumentando drasticamente o número de casos e as mortes por covid-19. A médica Ana Carolina afirma ser muito importante a conscientização das pessoas sobre a pandemia ainda não ter acabado. A profissional da saúde diz que ‘’[para] as pessoas que não convivem com ela diariamente é mais difícil de entender, mas precisamos muito que todos entendam que a guerra não acabou, que temos muito para lutar.’’ A médica ressalta que é muito triste quando um paciente chega e pede para não morrer e não ser entubado. ‘’O sentimento é de mãos atadas’’, desabafa.
Além da vacina e do distanciamento social, o uso de máscaras, álcool 70%, higienização das mãos da forma correta são indispensáveis para conter o avanço do coronavírus.
Reportagem: Camila Amorim e Fernanda Vasconcellos
Edição: Alice Pavanello e Luciana Carvalho
