Com a primavera e o aumento da reprodução de aves, é comum encontrar um número considerável de filhotes de pássaros que caem do ninho e ficam indefesos. Ao deparar-se com essa situação, muito frequente no próprio campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), é natural que as pessoas tentem ajudar e, geralmente, acabam resgatando o filhote para cuidá-lo em casa. Mas será que essa atitude é recomendada por profissionais da área?
De acordo com o professor do departamento de Zootecnia da UFSM e criador do Projeto Olha o Passarinho, Everton Rodolfo Behr, a mortalidade de filhotes de aves é muito alta e pode ultrapassar 50% em relação ao percentual de nascimentos em algumas espécies. “Os óbitos podem acontecer mesmo no ninho, por predação de cobras, aves maiores e mamíferos, com variações conforme a espécie, ano, local e demais condições”, relata Behr. Ele aponta ainda que a alta criação de gatos domésticos, por serem animais caçadores, pode influenciar muito na mortalidade dos filhotes.
Apesar do alto índice de mortalidade, a principal orientação do professor ao encontrar um filhote de pássaro fora do ninho, caso não haja nenhuma ameaça iminente, é não interferir no ciclo natural da espécie. Ele explica que, muitas vezes, os pais estão por perto observando o filhote: “os pais investiram uma grande quantidade de tempo e energia na vida do filhote, com o ovo, produção do ninho e obtenção de alimento, então não é nessa fase que irão abandoná-lo.”
O professor alerta que configura crime ambiental manter um animal silvestre em casa. Além da questão jurídica, o professor lembra que existem muitas especificidades em relação ao que cada espécie necessita e os cidadãos não estão capacitados para lidar com tais necessidades. “Cada espécie de pássaro se alimenta de uma forma distinta, e por isso, não é recomendado investir no cuidado em casa”, ele explica.
“Existem espécies, como a pomba-de-bando, que estão com excedente populacional, então nesse e em outros casos, a mortalidade de filhotes não é uma preocupação no ponto de vista de conservação da espécie”, analisa Everton. Ele afirma que deve-se ter um maior cuidado com espécies mais exóticas e ameaçadas de extinção, como o Macucu, a Curruíra e o Papa-moscas, mas que a baixa efetividade reprodutiva das espécies é algo relativamente comum na natureza.
Em convergência com Behr, o mestre em Medicina Veterinária pela UFSM, Helton Santos, aponta que não há problema em deixar que a natureza tome seu próprio rumo e permitir que outro animal predador se alimente do filhote, pois é assim que funciona a cadeia alimentar. Por outro lado, Everton indica que, caso haja ameaças perto do pássaro, é possível posicionar o filhote em um local onde os predadores não tenham fácil acesso, como em cima de uma árvore. Os especialistas concordam, porém, que a manipulação das aves por pessoas despreparadas não é segura e pode levar à contaminação por zoonoses, como a salmonela. Por isso, para manusear as aves, é recomendado utilizar luvas de proteção para evitar a transmissão de doenças.
De acordo com o professor, outro ponto de atenção é observar se o filhote está ferido. “Se ele não está muito debilitado e fraco é sinal de que recebeu comida há pouco tempo”, aponta Behr. Caso o animal esteja com ferimentos visíveis, é indicado acionar os órgãos ambientais locais.
Na cidade de Santa Maria, um órgão da UFSM que se responsabiliza pelo cuidado de aves em situação de risco é o Núcleo de Estudos e Pesquisas de Animais Silvestres (NEPAS), do Laboratório Central de Diagnóstico de Patologias Aviárias (LCDPA). Helton Santos é o coordenador do projeto e do Laboratório e conta que, principalmente durante o período do início da primavera, muitas pessoas recorrem ao NEPAS com filhotes de pássaros perdidos. Ele acrescenta que algumas das espécies mais recorrentes são a pomba, o João-de-barro, o bem-te-vi, a andorinha e a coruja.
De acordo com o especialista, o cuidado com os passarinhos é realizado em etapas:
1) Identificação da espécie: a identificação da espécie é extremamente importante para poder direcionar os cuidados específicos a cada animal. Isso ocorre pois há espécies que são insetívoras – que se alimentam de insetos – , como a andorinha, e outras que são granívoras – que se alimentam de grãos -, como o canário.
2) Realização dos primeiros atendimentos e exames clínicos: após a identificação, é essencial realizar um primeiro diagnóstico para entender quais são as necessidades da ave. Essa etapa consiste em aplicar exames com o intuito de verificar se o animal possui alguma enfermidade ou fraturas.
3) Reabilitação: A última etapa é focada em fornecer ao filhote o que ele necessita para que possa ser novamente encaminhado para a natureza. No Laboratório, ele recebe hidratação, nutrição e os cuidados necessários para que possa se reinserir no seu hábitat natural.
Apesar de todo o esforço, Santos relata que a mortalidade dos filhotes, mesmo com o suporte do órgão, é alta, já que é muito difícil reproduzir sua alimentação em cativeiro. O médico veterinária ainda acrescenta que outra causa de morte comum para esses animais é a hipotermia (queda da temperatura do corpo).
O NEPAS realiza os primeiros socorros e procedimentos das aves e de outros animais silvestres de forma voluntária. Helton conta que o laboratório recebe doações voluntárias em valor monetário ou medicamentos e alimentação para os pássaros, o que muitas vezes ocorre quando uma pessoa encaminha a ave para o serviço.
Além disso, o coordenador garante que os filhotes que chegam no NEPAS não são utilizados para nenhum teste laboratorial. Por outro lado, os relatórios são muito úteis para aprofundar o conhecimento em relação às espécies. “Muitas vezes os relatos de casos dos filhotes são utilizados para pesquisas, por exemplo quando uma dieta específica funciona para uma espécie”, explica Santos.
Outros órgãos oficiais que podem ser acionados na cidade de Santa Maria para o resgate de filhotes de pássaros em situação de risco são a Patrulha Ambiental e o Mantenedouro São Braz.
Texto: Isadora Pellegrini Marques, estudante de jornalismo
Arte: Lucas Zanella, estudante de desenho industrial
Edição: Luciane Treulieb, jornalista