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Do pó vieste e ao pó retornarás

Conheça a tradição judaica de despedida dos entes queridos



A morte não é o fim, senão o princípio. Este mundo é um corredor que nos prepara para o mundo vindouro. Essa é a crença dos judeus. Eles supõem que as almas nobres, que cumpriram a maioria dos 613 mandamentos divinos, prosperam. As almas são eternas, porém precisam ser purificadas. Por isso, ao se passarem quatro gerações, retornam à terra, para cumprirem pendências ou castigos anteriores e, então, evoluírem.

Na tradição judaica, a morte é vista com tristeza, mas não com aflição. Assim, seus rituais fúnebres incluem uma série de tradições, que existem para prestigiar o falecido e também para confortar a família. Este é outro aspecto a ser destacado: são considerados enlutados somente pai, mãe, filho, filha, irmão, irmã, esposo e esposa. 

O empresário Jairo Amiel, que presidiu por 23 anos a Sociedade Beneficente Israelita de Santa Maria, explica que as pessoas são formadas por corpo e alma. “Quando adormecemos, a alma sai do nosso corpo e circunda. É um momento em que tu está desconectado dela. A mente pode ficar em funcionamento, mas a alma consegue se libertar e, quando tu acorda, ela volta para ti”, explica.  

Assim, quando alguém morre, também a alma se desprende do corpo. Porém, por motivos de enraizamento, ela ainda permanece por um tempo neste mundo. Essa é uma das razões pela qual o corpo de um falecido não pode ficar só. É necessário que as pessoas se revezem para acompanhá-lo em todos os momentos, até que seja sepultado. 

Tahará, a preparação do corpo

O primeiro passo após a morte de um judeu é a Tahará, ou seja, a limpeza de cada parte do corpo para que ele seja devolvido à terra. Durante o processo são recitadas bênçãos e, então, é colocada a mortalha. Ela é feita com o tecido morim, utilizado para confeccionar faixas e forrar sofás, na cor branca, com o qual são costurados dois “capuzes”. Antes de colocá-los no falecido há um momento em que as pessoas podem fazer sua despedida. Depois, um “capuz” é colocado no corpo e outro na cabeça do finado. “É o momento em que nós nos tornamos iguais, quando percebemos que não somos nada e que, independente das riquezas que juntamos durante a vida, no final vamos nos desprender de tudo”, afirma Jairo.  Após a colocação da mortalha, o falecido é depositado em um caixão, que deve ser o mais simples possível, já que a morte nos iguala. A tampa, que não possui vidro, é cerrada ali mesmo. Na tradição judaica, o corpo é considerado uma matéria impura e contaminante, uma vez que, quando a vida termina, ele entra em processo de decomposição. Assim, quem tocá-lo precisa realizar rituais de purificação. Além dessa questão de limpeza, o caixão também é mantido fechado para que se preserve uma memória bonita da pessoa em vida.

Pés direcionados para a porta

Quando levado ao local em que será velado, o caixão deve ser posicionado de forma em que os pés do morto estejam direcionados para a porta. De cada lado da cabeça é colocada uma vela, que, assim como a alma, representa a centelha divina. Por cima do caixão é posto um manto preto com a estrela de Davi.  Os enlutados ou amigos do morto também realizam um momento de homenagem, no qual falam sobre todas as coisas boas que ele fez durante sua vida. Se o finado for um homem, coloca-se por cima da mortalha seu Talit, uma espécie de manto de orações, que ele usou desde os 13 anos e que, neste momento, é rasgado, pois deixará de ser usado.  

Enlutados recebem cortes verticais em suas roupas

Ao chegarem no cemitério, quem não for Onem (enlutado) e não tiver visitado o local nos últimos 30 dias deve recitar a Bênção do Cemitério. A cerimônia fúnebre conta com vários momentos de oração, leituras de salmos e bênçãos em hebraico. O oficiante também faz um pedido de perdão ao falecido, em nome de todos ali presentes.  Um dos momentos de maior emoção é a Keriá. Com um estilete é feito um corte na roupa dos familiares enlutados, em sentido vertical. Ele simboliza a dor da perda e a forma como eles sentem seu coração dilacerado. Quando a perda é de um pai ou mãe, o talho é realizado do lado esquerdo, para mostrar que essa é a pior dor que existe.  Os judeus não colocam os corpos dos falecidos em construções de alvenaria, como carneiras. O caixão precisa ser enterrado sete palmos abaixo da terra. Cada Onem joga em cima dele três pás de terra, até cobri-lo. Também repete-se três vezes “porque do pó vieste e ao pó retornarás”.   Os demais presentes pegam então uma pedrinha – que fica em uma caixa na entrada do cemitério – e a depositam em cima do monte de terra, que agora cobre o morto. Ela tem a finalidade de mostrar que ali houve a visita de alguém. Sem nome ou informações, é apenas uma pedrinha para indicar que alguém gostava daquela pessoa e sente a sua falta. Terminado o sepultamento, há ainda a cerimônia de higienização das mãos, uma vez que irão sair de um local impuro.

Sepultamentos não ocorrem no Shabat e Yom Tov

Outra regra judaica proíbe a realização de sepultamentos no Yom Tov e no Shabat. O primeiro corresponde a todos os dias de festas religiosas. Já o segundo ao 7º dia de cada semana, que pode variar de acordo com o local, já que seu início é definido pelo crepúsculo – em Santa Maria começa por volta das 17:30 de sexta-feira e termina no mesmo horário ao sábado.  Se alguém falece nesse período, é preciso aguardar ele passar para realizar os atos fúnebres. Jairo Amiel destaca que “são dias que guardamos, então não se pode ir ao cemitério. Sábado é um dia feliz e ir no cemitério não é. É algo de saudade, tristeza, lembrança…”

As privações do luto

Passado o enterro, aqueles que fazem parte do grupo de enlutados possuem três períodos de observação. Denominado Shivá, ele compreende os sete primeiros dias, nos quais os Onem devem ficar na casa do falecido, já que sua alma visita o local durante esse período. Eles têm limitações como: não comer carne, não beber vinho, não tomar banho, não trabalhar, não cortar o cabelo, não fazer a barba, não ter relações conjugais, não cortar as unhas e não comprar roupas novas. São restrições de higiene e alegria em detrimento da perda sofrida.  A família também senta em bancos mais baixos ou no chão durante esse período, cobre os espelhos e quadros de fotografia, mantém sempre uma vela ou lamparina acesa e pratica caridade em nome do falecido. É deixada uma caixinha na casa, para recolher doações de quem a visita e, ao final, o valor é doado para alguém que necessita, em forma de homenagem a quem partiu.  O segundo período é de 30 dias após o falecimento, chamado Sheloshim. As atividades normais são retomadas, entretanto, os enlutados não podem comprar e usar roupas novas, participar de festas com música, ver TV ou ir ao cinema e os homens seguem sem poder se barbear. Ao completar o 30º dia, os Onem devem visitar o cemitério e recitar alguns salmos.  Por fim, há o Avelut, que corresponde aos 12 meses após o falecimento. O período é exclusivo para quem perdeu o pai ou a mãe e proíbe o uso de roupas novas, participação em festas, idas ao cinema, teatro ou viagens de turismo, entre outras. Ao completar os 12 meses eles precisam visitar o túmulo.  

Descoberta da Matzeiva

Em hebraico, Matzeiva quer dizer túmulo. “Segundo o livro de Gênesis, a pedra tumular é um ato de reverência e respeito ao falecido. A Descoberta da Matzeiva é um convite para uma cerimônia de apresentação do túmulo”, explica Jairo Amiel.  Ela deve ser feita no período de 30 dias até 11 meses após o sepultamento, para apresentar a todos a última morada do finado. Geralmente a celebração ocorre no domingo de manhã. A partir daí um último ritual se repete: a cada visita, uma pedrinha.  

Repórter: Melissa Konzen, acadêmica de Jornalismo

Ilustração: Lidiane Castagna, acadêmica de Desenho Industrial

Mídia Social: Nataly Dandara, acadêmica de Relações Públicas

Editor Chefe: Maurício Dias, jornalista

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