Você sabia que pode opinar, criticar e até propor mudanças em projetos de lei votados na Câmara dos Deputados? Isso é possível por meio do Portal E-Democracia, um projeto criado em 2009 que visa aumentar a participação social no processo legislativo. O site é uma das plataformas disponíveis pelo governo para incentivar a interação entre os parlamentares e a população e promover a chamada ciberdemocracia. Mas será que nossos comentários e discussões dentro do mundo virtual tem realmente algum impacto na decisão dos parlamentares? Esse foi o objeto de estudo da dissertação em Direito da pesquisadora Letícia Bodanese Rodegheri.
A pesquisadora, através de análise das informações de Comunidades Legislativas (grupos de discussão em torno de um projeto em específico) dentro do Portal E-Democracia, conseguiu dados pertinentes sobre o engajamento dos cidadãos nesses projetos. O objetivo era entender se a opinião pública realmente prevaleceu. Para isso, ela selecionou a Comunidade Legislativa do Marco Civil da Internet, que reunia o maior número de pessoas, totalizando 15.847 participantes. Letícia comenta em sua pesquisa que “em alguns casos, comentários foram esboçados sem o devido conhecimento jurídico e técnica legislativa”, porém ressalta que essa questão demonstra beneficamente a diversidade de pessoas presentes nos debates.
Após a realização dos debates entre os anos de 2009 e 2010, as manifestações foram reunidas e enviadas para a Câmara dos Deputados. Contudo, somente depois de diversas idas e vindas, acabou por ser discutida em março de 2014. A autora relata que as colaborações realizadas pela internet foram elogiadas em plenário, porém mostra algumas divergências entre as pautas mais discutidas no E-Democracia e as sustentadas pelos parlamentares. Enquanto os internautas estavam mais preocupados com as questões de privacidade e direitos à liberdade de expressão, os deputados argumentaram mais sobre os data centers e a neutralidade da rede.
A pesquisa concluiu que cerca de 52% das mensagens nos fóruns eram dúvidas e preocupações dos internautas e 48% continham certa pertinência para o Projeto. Das 32 propostas de alteração feitas pelos cidadãos no Portal, apenas uma sugestão foi acatada e inserida na Lei. As razões da baixa aderência das pautas discutidas online podem ser as articulações políticas de líderes dos partidos dentro da Câmara que ditam o foco dos temas a serem tratados, ou determinadas pautas não serem de interesse da classe política, conforme aponta o estudo.
Contudo, a internet proporcionou uma mudança em relação aos modelos de democracia. O doutor em Direito Rafael Santos de Oliveira, líder do Centro de Pesquisas em Direito & Internet (Cepedi), percebe uma transformação da antiga democracia representativa, na qual os candidatos representam a vontade popular do nicho de pessoas que o elegeram e ao mesmo tempo suas ações devem ser fiscalizadas pelos seus eleitores; para uma democracia participativa, em que a iniciativa cidadã torna-se instrumento de mudança das decisões políticas.
Para os professores Rafael Santos e Nina Disconzi, co-fundadora do grupo Cepedi, um dos empecilhos que influenciam na baixa adesão popular de portais como o E-Democracia é a exclusão digital de pessoas de baixa renda. Segundo eles, para haver mais participação política, antes é preciso democratizar o acesso à internet. Outro desafio a ser enfrentado nos próximos anos é a falta de acessibilidade para deficientes visuais em sites e portais do governo, que impedem o direito à igualdade e interação de pessoas com deficiência na política.
A professora Nina acredita que “a internet é um caminho sem volta, por mais que não concordemos. Nós temos que pensar enquanto operadores do direito sobre como fazer com que os nossos direitos fundamentais sejam protegidos e efetivados”. Letícia conclui em sua pesquisa que é imprescindível a efetiva cobrança sobre os políticos para que “os projetos e planos do governo divulgados nas campanhas não se resumam a meras proposições”.
Repórter: Pablo Furlanetto
Ilustração: Nicolle Sartor