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Violação dos direitos humanos

Pesquisadoras analisam o que ocorreu no primeiro caso suspeito de Ebola no Brasil



No final de 2013, a região nordeste do continente africano foi atingida por um surto do vírus Ebola. Os primeiros casos, diagnosticados na Guiné, logo espalharam-se e atingiram a população de Libéria e Serra Leoa, além de cidadãos de outros países africanos, europeus e americanos. Apenas em janeiro de 2016, a Organização Mundial da Saúde declarou o fim do surto de Ebola, embora alguns casos isolados tenham aparecido posteriormente. Ao todo, foram cerca de 26 mil casos, 11 mil mortos e três países diretamente afetados. No Brasil, o primeiro caso suspeito foi registrado em outubro de 2014. Um imigrante de Guiné, que veio ao Brasil pedir refúgio, realizou os exames que tiveram resultado negativo. No entanto, o caminho percorrido até o diagnóstico reflete um caso de violação aos direitos humanos, afirma a professora da USP, Deisy Ventura e a Consultora do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, Vivian Holzhacker.

 

Ventura e Holzhacker conversaram com John, pseudônimo do guineense que teve a primeira suspeita de Ebola no Brasil, e Ana, pseudônimo da funcionária pública federal que fez o translado de John do Rio de Janeiro a São Paulo. A relação entre os direitos dos imigrantes e os fatos narrados por John e Ana deu origem ao estudo “Saúde global e direitos humanos: o primeiro caso suspeito de Ebola no Brasil”. O trabalho busca entender os impactos da crise sanitária gerada pelo vírus Ebola sobre os direitos humanos de um solicitante de refúgio no Brasil. As entrevistas foram realizadas em julho de 2015, com John, e dezembro do mesmo ano com Ana.  

A pesquisadora Deisy Ventura explica que a vivência dela própria como migrante e sua luta pelos direitos humanos permitiu que ela se colocasse no lugar do refugiado e realizasse o estudo. Na época da divulgação ilegal da imagem de John, ela denunciou o caso ao Ministério da Justiça, ao Ministério da Saúde, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Algumas empresas retiraram as fotos e o nome do guineense da internet, já, em outras, elas permanecem até hoje. Segundo Ventura, John aceitou participar da pesquisa “na esperança de que a publicação do artigo o ajudasse a resolver os problemas pendentes que ele tem: o nome e a foto ainda expostos em sites, o que inviabiliza a conquista de um emprego; e a própria concessão do refúgio, que ele ainda não obteve até hoje”.

Violação ao direito à informação

Ao procurar atendimento em um posto de saúde em Cascavel – Paraná, John não recebeu diagnóstico para seus sintomas, sendo transferido de avião, sem informação, para o Rio de Janeiro. Toda a equipe que o acompanhava, inclusive ele, usavam roupas de isolamento. Apenas quando chegou ao hospital no Rio de Janeiro, um médico carioca lhe falou da suspeita de Ebola. As autoras afirmam que é um dos princípios do Sistema Único de Saúde o paciente receber informação sobre sua saúde. Na entrevista, John demonstrou desconforto com toda a situação.  “Mesmo agora, quando penso sobre isso, como me deparei com este problema, eu realmente não entendo. Eu disse que estava sem apetite e eles transformaram em outra doença. […] Não sei por que o médico [em Cascavel] pensou que eu tinha Ebola. Talvez porque eu venho da África”, ele afirmou.

Exposição na mídia

Na entrevista, John contou que, ainda no hospital, viu fotos suas na televisão. Com os resultados negativos para Ebola, e com sua imagem exposta, John precisou sair pela porta lateral do hospital. Ele foi auxiliado pela funcionária federal Ana, que o acompanhou de carro até São Paulo, já que a exposição de seu nome e imagem fez John temer voltar a Cascavel. Ana afirma que a iniciativa de ajudar John foi do Ministério da Saúde, que queria minimizar os prejuízos sofridos por ele, já que as fotos expostas comprometiam sua busca por emprego e por um novo local para morar. Entre as conclusões apontadas pelas autoras está a constatação de que a exposição suscitou a culpabilização da vítima em lugar de protegê-la e que pessoas poderiam deixar de procurar atendimento por medo de também ser expostas.

Estereótipo do imigrante

A exposição de John nos meios de comunicação levou à criação de um estereótipo dos migrantes negros de outras regiões do mundo. Na época, o presidente da Associação de Migrantes de Cascavel, Marcelin Geffrard, relatou que haitianos o procuraram com medo da confusão que as pessoas faziam entre o continente africano e o país haitiano, onde não foram registrados casos de Ebola. No entanto, o caso serviu para que instituições brasileiras, como a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal, criassem iniciativas para garantir os direitos humanos em situação de emergência sanitária, como providência para assegurar o sigilo de dados pessoais de pacientes hospitalizados com suspeita de infecção do vírus Ebola, e a apuração do vazamento de documentos confidenciais do caso de John.  Ventura e Holzhacker concluem ainda que a norma do acesso do imigrante ao sistema público de saúde, um “escudo” de proteção de seus direitos, transforma-se em  “arma”, já que o acesso se converte em violação dos direitos individuais.  

Ventura afirma que o tratamento dado a John está mais relacionado ao racismo do que a uma percepção negativa do refúgio, e que a imprensa mostrou-se despreparada para abordar uma crise sanitária,  violando os direitos de um solicitante de refúgio à confidencialidade de sua identidade.


Reportagem: Andressa Foggiato

Infográficos: Nicolle Sartor
Foto de capa: Renato Parada

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