As pesquisas sobre os processos de colonização do Rio Grande do Sul costumam enfatizar a distribuição de terras e os aspectos econômicos da chegada de colonos açorianos, italianos e alemães. Pouco se fala sobre aspectos relacionados à vida cotidiana dessas populações, como as adaptações culturais e educacionais à nova terra. Quando falamos dos grupos imigrantes minoritários, como franceses, suíços, austríacos e poloneses, esse tipo de conhecimento é ainda menor.
Foi a partir dessa constatação que os pesquisadores Adriano Malikoski e Lúcio Kreutz, da Universidade de Caxias do Sul, desenvolveram uma pesquisa que buscava compreender a organização das escolas entre imigrantes poloneses no Rio Grande do Sul. Os pesquisadores ouviram ex-alunos dessas escolas para ilustrar, na relação com os dados levantados com os núcleos de colonização polonesa no estado, como os colonos lidavam com a educação nas escolas étnicas desde sua chegada.
As primeiras 26 famílias polonesas desembarcaram no Rio Grande do Sul em 1875, época em que já existiam no estado cerca de 12,5 mil estrangeiros de diversas nacionalidades. Os colonos poloneses foram se instalando, de modo geral, em quatro regiões distintas do estado – litoral, Serra Gaúcha, Planalto Norte e Missões, e já existia, entre eles, um forte impulso para a formação de comunidades relacionadas à preservação de sua identidade e cultura étnica.
Outro elemento cultural importante dessa comunidade era a religiosidade. Segundo Malikoski e Kreutz, nos primeiros anos da imigração para o Brasil, o principal símbolo de organização comunitária era a capela ou a pequena igreja, a partir da qual se formavam espaços de convívio social. “Os primeiros tempos da formação dos núcleos poloneses eram caracterizados por uma situação de abandono”, contam os pesquisadores. Dessa forma, a necessidade de construção de uma estrutura comunitária favorecia o surgimento de um tipo de relação étnica, vinculada à necessidade de construção de laços sociais e culturais na nova terra. Malikoski e Kreutz explicam que “os imigrantes poloneses estavam isolados do mundo civilizado, com alusão à decadência moral, física e econômica”.
A organização do processo de ensino entre os imigrantes poloneses somente tomou forma a partir da fundação de “sociedades”, que estimulavam a formação educacional entre as comunidades étnicas, no intuito de concentrar e defender os interesses da comunidade. Ao final de 1938, já existiam no Rio Grande do Sul 128 sociedades voltadas exclusivamente para o ensino particular étnico no Rio Grande do Sul.
A partir daí, os imigrantes e descendentes passaram a criar iniciativas particulares para obter algum tipo de instrução e ensino em escolas: esses empreendimentos podiam acontecer a partir de escolas étnico-comunitárias, organizadas pela própria comunidade, ou escolas étnicas particulares de instituições religiosas, administradas por congregações que cobravam mensalidade dos alunos.
No começo, as escolas ensinavam somente em língua polonesa. O português foi inserido anos depois, com a finalidade de integrar as crianças à cultura nacional brasileira: “O processo escolar entre os imigrantes e descendentes de poloneses teve algumas peculiaridades, tais como escolas bilíngues, que ensinavam em vernáculo durante a manhã e em polonês durante a tarde, e a utilização de material didático tanto em português como em polonês.”.
Em 1938, contudo, Getúlio Vargas inviabilizou o funcionamento de escolas étnicas no Brasil, ao restringir o uso e o ensino de língua estrangeira e ao obrigar a presença de professores brasileiros natos. Conforme levantamento de Malikoski e Kreutz, muitas escolas tiveram de fechar suas portas. “Segundo relatos dos próprios descendentes do grupo étnico polonês, as proibições das leis e dos decretos também aconteceram nos núcleos poloneses, havendo inclusive prisões”, explicam os estudiosos. A Nacionalização do Ensino resultou no aumento no analfabetismo entre os imigrantes, e as escolas fechadas, em muitos casos, nunca mais foram reabertas.
Os pesquisadores lembram que as escolas da imigração polonesa marcaram uma importante fase da historiografia da Educação no Rio Grande do Sul até 1938, por meio de um ensino voltado para as características étnicas e culturais desses imigrantes, e que a recuperação dessas memórias, através de técnicas de pesquisa como a História Oral, são fundamentais para o resgate da história da imigração no Brasil. Malikoski e Kreutz defendem que “cada entrevista, cada memória contada e ouvida formaram sentidos e significados para a reconstrução do passado sobre as escolas étnicas polonesas na complementação das fontes materiais”.
Reportagem: Mateus Martins de Albuquerque e William Boessio
Infográficos: Nicolle Sartor