Além do lançamento da Nota Pública dos Docentes da UFSM em Defesa da Democracia, os presentes na noite da última quarta-feira (13 de abril) no auditório Gulerpe, do Hospital Universitário de Santa Maria, puderam acompanhar a aula pública do jornalista Juremir Machado da Silva. Colunista do jornal Correio do Povo, historiador e professor na PUCRS, Juremir falou sobre a relação entre a mídia brasileira e a crise política atual, discutiu o contexto histórico e defendeu que não é de hoje que a grande mídia apoia esse tipo de movimento.
Em entrevista à Arco, Juremir falou sobre o que a situação política atual e a mídia refletem sobre a nossa sociedade e sobre o seu novo livro, Correio do Povo.
Juremir, como é possível compreender o atual momento brasileiro, em que a polarização do discurso político se encontra com as movimentações difusas das ruas?
Nós estamos vivendo um momento grave, de muita tensão, de polarização, em que o país está um tanto aturdido. Está realmente dividido entre direita, conservadores e menos conservadores. Basicamente entre petistas e antipetistas, entre governo e oposição. O país está completamente fraturado em torno dessa questão do impeachment, que é um pretexto apenas para extravasar a insatisfação da oposição com o longo tempo do PT no poder, com casos de corrupção, sim, mas também com as políticas econômicas e sociais do governo. Então é um momento, assim, de quase tirar a prova dos nove. A oposição cansou de perder, ela quer um atalho para recuperar o poder, achou um pretexto que pode ser suficiente, está forçando um tanto a barra com artifícios jurídicos não bem demonstrados, tem o apoio da mídia e de parte da população, e isso está permitindo avançar aquilo que é um golpe.
E mais especificamente sobre a preparação para domingo: esses eleitores e políticos, o muro que foi colocado para separar os dois lados, o que isso permite que se diga sobre a nossa sociedade?
Eu acho que o muro, por mais infeliz que ele seja, e ele é infeliz, confessa uma realidade brasileira: a divisão. E uma divisão que é, inclusive, perigosa – as pessoas não podem realmente se misturar. Como num estádio, onde não dá pra misturar as duas torcidas porque pode ter violência, morte. O domingo vai ser um momento de muita tensão, talvez o momento mais estranho do país. Porque vai ser transmitido para o país inteiro, com muita gente dos dois lados nas ruas por toda a parte, todos os olhos vão estar voltados para Brasília, onde deputados vão votar não com base em prova jurídica, mas nos seus interesses ideológicos, políticos e às vezes até pessoais.
Esse ponto que você indicou, da questão da prova jurídica – e também falando sobre atuação política do judiciário e sobre os vazamentos para a mídia. Como podemos compreender a mídia brasileira a partir dessas questões?
A mídia é muito conservadora no Brasil. Ela sabe que tem muito poder e ela exerce esse poder. No caso atual, tem um projeto bem claro, de toda ou parte [da mídia] – Rede Globo, Veja, Estado de São Paulo – de destituir a presidente. Então a mídia tem ajudado a repercutir determinados fatos que desestabilizam o governo, e por outro lado tem feito pressão nos políticos para que eles aceitem e ampliem a ideia de destituição da presidente. E todos os artifícios são permitidos e possíveis: vazamentos, ampliações, tudo. É uma verdadeira caçada à presidente Dilma.
E a mídia está aí como instrumento dessa caçada.
Ela é ao mesmo tempo instrumento e agente dessa caçada, porque a mídia não está apenas sendo usada, ela está usando também. Ela não é apenas um instrumento das classes dominantes, ela é a classe dominante. Então ela está fazendo aquilo que é do seu interesse, não está sendo ferramenta nas mãos de alguém, ela é esse alguém. Então a mídia é sujeito nessa operação de desestabilização do governo.
Você consegue traçar um paralelo entre a sua pesquisa, sobre os jornais da época da ditadura e da abolição da escravatura, e o papel da mídia agora?
O papel da mídia ao longo do tempo, da imprensa como se dizia no século XIX e XX, e de hoje, é praticamente o mesmo. Uma imprensa conservadora, em defesa dos seus privilégios de classe. Nessas ocasiões ela mostra o quanto está nas mãos de uma classe que não quer perder seus privilégios: este é o momento do confronto onde se tira as máscaras e se mostra de que lugar ela fala. Então é isso que está acontecendo. Assim como em 1964, como em 1954, como em muitos momentos do processo abolicionista do séc. XIX, a grande imprensa está do lado dos proprietários de escravos.
Com as redes sociais e a internet, explodiram as “outras falas”. Nem sempre são falas jornalísticas, mas são informativas. De que lugar essas pessoas falam e que influência tem no cenário político que estamos observando?
Esse talvez seja o aspecto mais interessante desta situação atual. No séc. XIX, os abolicionistas e os emancipacionistas tiveram de ocupar os teatros, as ruas, as praça, e eles tinham que trabalhar com jornais em papel. Eles tiveram que encontrar meios para se organizar e enfrentar os escravocratas. Depois, no século XX, todas as tecnologias existentes foram usadas – e nem sempre foi suficiente. Atualmente nós temos a situação mais privilegiada possível para que todas as vozes – que do ponto de vista das classes dominantes deveriam ser silenciadas – possam se expressar. Então, essa é uma guerra em que mesmo o lado em princípio menos favorecido está bem armado de instrumentos para divulgação das suas ideias. Talvez por aí possa se evitar o golpe.
Além de pesquisador e professor, você tem uma reconhecida atuação como jornalista. Nesse sentido, como você pensa esse processo de mediação que o jornalismo também exerce, esse lugar de quem tenta explicar uma situação complexa como a que vivemos?
É bastante difícil, são pressões de todos os lados. Basta dizer que é golpe para ser profundamente atacado por aqueles que dizem que é impeachment. Quando alguém diz “é golpe”, automaticamente recebe um voto de “governista, petista, petralha”. Eu procuro me colocar de um ponto de vista totalmente autônomo: eu não sou petista, eu não sou governista; eu quero ser um jornalista autônomo, que diz aquilo que acredita. Se eu estou dizendo que é golpe é porque a minha consciência me diz que é golpe. Então, eu me sinto bem tranquilo porque nas outras ocasiões eu também disse que era golpe. Por exemplo, como eu não via crime de responsabilidade provado quando o PT queria tirar o FHC, eu dizia que o PT queria um atalho, que estava tentando golpear o Fernando Henrique. Os petistas ficaram muito furiosos comigo. Eu continuo o mesmo, achando que tentar interromper o mandato sem crime provado é golpe. É simples assim. Agora, é claro que isso tem consequências, as pessoas cobram. Na época, os petistas diziam que eu era um reacionário, um direitista. Hoje, a oposição diz que eu sou petralha.
Qual a tua aposta para domingo e o que acontece depois?
Pergunta dificílima, a resposta muda a cada dia. Eu já estive mais tendente a acreditar que não passaria. Ultimamente, com as debandadas do PP, do PSD, que parece que está saindo, tá muito difícil dizer. Eu – de ouvir políticos do PT falando muito da batalha do senado – tenho a impressão de que eles estão achando que não vai dar. Eu acho que antes de sexta-feira não vai dar para fazer um prognóstico mais preciso. Se fosse fazer uma regra de três simples com base na votação da comissão, 38 votaram a favor, se isso for tomado como uma amostragem suficiente, daria 299 votos, ou seja, não passaria. Mas acho que as coisas estão mudando muito rápido, eu não me atreveria hoje a dizer qual vai ser o resultado.
Reportagem: Daniela Sangalli
Fotografias: Rafael Happke